janeiro 31, 2012

Hoje na História

Antes de chegar na data de hoje, um longo parêntese:


O Crime do Poço





Em 1948, aos 26 anos, Paulo Ferreira de Camargo era Professor de Química na USP. Um feito e tanto hoje em dia, na época então, quando as pessoas se formavam mais tarde, devia ser um indicador da inteligência do sujeito. E, como todo sujeito inteligente interessado em ciências, a fama de cientista louco deve ter ajudado a mascarar suas aparentemente pequenas esquisitices. Uma delas era visível nas escadas do Departamento de Química da universidade. Rachaduras na parede, se examinadas mais de perto, revelavam-se causadas por tiros. Foram encontrados também nos armários equipamentos para as aulas destruídos por balas.



Quando se descobriu que estava frequentando a universidade armado, Paulo Camargo assumiu a autoria dos tiros. Alegou que fizera experiências sobre as reações químicas entre a pólvora e substâncias químicas em balões de ensaio e outros materiais. O professor chegou a ser interrogado na delegacia, mas como em 1948 São Paulo ainda era uma cidade tranquila, foi liberado sem maiores delongas. Foi assim que a polícia não ficou sabendo que ele vinha insistindo com seu chefe no laboratório, dr. Hoffman, sobre quais os melhores preparados para corroer cadáveres humanos. Paulo simplesmente voltou para a casa térrea na rua Santo Antônio, quase esquina com 9 de Julho, onde morava com a mãe, Benedita, e duas irmãs, Maria Antonieta e Cordélia.

A polícia também ignorou a denúncia de um vizinho de Paulo, igualmente químico, sobre um poço que ele mandara escavar em fins de outubro no quintal de sua casa. O professor contratou dois pedreiros que em um dia escavaram cinco metros e receberam 2 mil cruzeiros pelo serviço. Para quem perguntasse, Paulo simplesmente explicava que pretendia começar a fabricar adubo e precisava da obra porque água encanada não servia para esse fim.


Alunos de uma faculdade de comunicação paulista simulam uma cobertura televisiva de época (na verdade a tv só chegaria ao Brasil em 1950) para o Crime do Poço

A 5 de novembro, Paulo disse aos vizinhos que iria viajar com a mãe e as irmãs para o Paraná.
Alguns dias depois voltou e informou que sua mãe e suas irmãs teriam falecido em um acidente de carro na viagem.

O desconhecimento de outros parentes sobre a viagem e sobre o acidente, a falta de um funeral e a estranha tranquilidade de um vivente que perdera a família inesperadamente de uma só vez chamou a atenção dos vizinhos. Além do mais, uma das irmãs, Cordélia, não aparecia no trabalho desde o dia 4 de novembro e não informara a ninguém sobre visita alguma ao Paraná. Desta vez a polícia compareceu ao local determinada a uma investigação.

Os policiais revistaram a casa sem encontrar nada incriminador. Ao verem o poço, resolveram escavá-lo, solicitando ajuda do Corpo de Bombeiros. E o macabro resultado da busca foi a revelação de que ali era a tumba dos cadáveres da mãe e das irmãs de Paulo. Os três corpos tinham panos na cabeça e estavam de cabeça para baixo, pois foram jogados de cima pelo professor.



A investigação revelaria que no dia 4 de novembro Paulo matara a tiros a mãe e a irmã Maria Antonieta entre 9h00m e 10h00m e calmamente esperara por sua irmã Cordélia - a metrópole ainda era não era histericamente globalizada e as pessoas tiravam longos intervalos de almoço durante os quais voltavam para casa para uma tradicional refeição com a família. Depois de igualmente assassiná-la ele dispôs dos cadáveres no poço do fundo do quintal.

Revelados os corpos, Paulo pediu licença aos policiais para ir ao banheiro. Com a casa cercada e sem saída alguma daquele aposento, ele obteve a permissão. Instantes depois ouviu-se um tiro. Ao ser arrombada a porta, encontrou-se o corpo ensanguentado de Paulo, que pegara uma garrucha no caminho ao toalete e se suicidara para evitar o julgamento.



O suicídio de Paulo deixou a principal pergunta sem resposta: por quê? Aparentemente o doutorando em química era viciado em ópio e sofria de problemas mentais. Assim como ele, sua mãe Benedita e sua irmã Maria Antonieta também pareciam atacadas do mesmo mal e o professor não queria ter que arcar com a responsabilidade de cuidar delas. Havia também Isaltina dos Amaros, de 23 anos, enfermeira e ex-balconista, por quem Paulo estaria enamorado. Embora longe de sua época de fausto, sua família era quatrocentona, paulistana tradicional, e teria se oposto ao seu envolvimento com uma plebeia sem berço. Foi esta a visão encampada por Oswald de Andrade, que escreveu vários artigos na "Folha da Manhã" sobre o crime, aproveitando, como sempre (embora dessa vez algo equivocado) para esculhambar com o conservadorismo:

“Com a violência da censura ancestral, Paulo viu agigantar-se diante dele a família inútil. A
psicogênese do crime evidentemente já trabalhava o seu inconsciente. Chegou um momento
em que ele gritou NÃO àquela pobre gente que representava a incompreensão e o tabu das
velhas castas e dos superados preconceitos”.


A casa foi fechada e assim permaneceu por todos os anos 50 e quase toda a década de 60, quando, junto com várias outras naquela rua, foi demolida para a construção de um moderno arranha-céu de escritórios, com um projeto arrojado e, em certos aspectos, muito à frente de seu tempo (como uma garagem de 10 andares para 15 andares de escritórios).

O nome do arranha-céu? Edifício Joelma.


Hoje, em 1o. de fevereiro, completam-se 38 anos do maior incêndio em prédios no Brasil (à época o maior da história).







Fotos retiradas do site Geoportal, que mostra fotos comparativas da cidade de 1958 e 2008
Na primeira foto, de 1958, pode-se ver a casa da Rua Santo Antônio, que ainda não tinha sido demolida. Abaixo, a foto de 2008, já com o Edifício Joelma no mesmo lugar




Máximo Silêncio em Paris

Com a chuva, só deu pra ficar na inauguração uns 10 minutos. Hoje deu pra tirar muito mais fotos e vocês vão pagar!!!! Hoje só levei o celular (se bem que um Samsung Galaxy SII é mais câmera que muita de bolso, só falta um zoom ótico, e ainda tem panorâmica, por isso eu aconselharia a clicar nas imagens para ver melhor os detalhes, principalmente nos panoramas!










Arnaldo e Camila


Frank Miller x Occupy Wall Street

Nerds e fãs de quadrinhos em geral devem ter ouvido falar das diatribes de Frank Miller sobre o Ocupem Wall Street. Quando saiu O CAVALEIRO DAS TREVAS, o texto tinha algo de fascista em sua defesa do vigilantismo contra a mediocridade do cidadão normal, mas terminava com o Batman descobrindo que o individualismo não era a resposta e montando um exército subterrâneo pra criar um mundo melhor - o que o Zé José chegou quase a achar um chamado para a revolução socialista. Eu achei na época que ele estivesse lendo Nietszche, sentimento que aumentou quando saiu 300 de Esparta.

Mas como sempre, sobrestimei artistas pop americanos. Só porque o cara ganha bem e tem disponibilidade de tempo para estudar as grandes obras, por que fazê-lo? Por que ler Nietszche se é muito mais fácil pegar Ayn Rand? Há alguns anos descobri que Miller era fã da (mais uma, na tradição da Helena Blavatsky) russa vigarista e sua versão de "Nietszche for dummies", ou Nietszche, sem a poesia, sem o lirismo, sem a tentativa de buscar um sentido da vida na própria vida.

Trezentos de Esparta já era meio assustador por ele ter escolhido como representantes máximos da democracia os espartanos, uma sociedade escravocrata em que um de seus testes de admissão como cidadão era espionar e matar uns escravos. Uma sociedade misógina, em que mulheres só serviam pra procriar e só podiam ser visitadas lá pelos 30 anos do sujeito (Miller deve ter adorado). No mundo real, Esparta se recusou a mandar tropas para Maratona e só mandou um punhado pras Termópilas enquanto no mar os atenienses novamente tinham uma vitória capital em Salamina, negando aos persas a possibilidade de reforçar e suprir adequadamente seu exército.

Mas o sujeito foi ficando cada vez mais demente e a sucessão de impropérios que ele desferiu contra o povo do Ocupem Wall Street pode ser checada aí abaixo, com tradução pra quem não fala inglês. Clique na figura pra ampliar.

Clique na imagem para ampliar


1. E seguimos com os últimos acontecimentos sobre o Occupy Wall Street...
2. O movimento está ganhando em popularidade apesar da polícia...
3. "Merda. Mais desse lixo hippie-anarquista. Melhor botar na Fox... já...
4. Será que essa fétida escória de perdedores não percebe que temos um inimigo de verdade? Um inimigo MUÇULMANO...
5. Esses bebês mimados deveriam se alistar para combater a Al-Caida! Eu faço minha parte desenhando os quadrinhos mostrando como fazê-lo!"
6. "... Depois de dois turnos no exército no Iraque voltei pra casa e não consegui um emprego. A fábrica local tinha sido fechada e o trabalho terceirizado pro exterior"
7. "Merda! Isso é inconveniente..."
8. "Não estávamos fazenod nada quando o guarda atingiu mamãe com o spray de pimenta. Eu tentei ajudá-la e foi aí que ele bateu minha cara no carro..."
9. "Não! São os muçulmanos!"
10. "...banco tomou uma casa sobre a qual não tinha direitos..."
11. "Saqueadores! Ladrões! Estupradores!"
12. "Wall Street continua a pagar aos executivos bônus récordes..."
13. "Paspalhos ferindo a América!"
14. "...teve negado tratamento médico apesar das novas regras..."
15. "Bebês I-Pad!"
16. Oba! Um desenho do Batman!
17 "Senhoras. Cavalheiros. Vocês têm se alimentado bem. Têm se alimentado da riqueza de Gotham. De seu espírito. Seu banquete está perto do fim.
18. De agora em diante... nenhum de vocês está seguro".
19. GAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH
20. "O quadrinista acabado e diretor fracassado de Hollywood, Frank Miller, morreu hoje quando seu cérebro explodiu. Não se suspeita de terrorismo..."

janeiro 30, 2012

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Máximo Silêncio em Paris

Inauguração sob a chuva.


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Paquetá 2011





Roda Morta



Do disco póstumo de Sérgio Sampaio. Mesmo morto o cara era foda.

janeiro 29, 2012

Saquarema 2012





Eram Esses os Pacatos Anos 50????

Até recentemente desenhos animados de televisão tinham que ter a violência escondida. "Comandos em Ação", por exemplo, simplesmente mostrava UMA GUERRA em que ninguém se machucava aparentemente - de todo avião derrubado saltava um para-quedas e ninguém levava um tiro. Quando a coisa era mais violenta, ou era daqueles japoneses malucos, ou tinha sido feita originalmente para o cinema, como nos desenhos do Pernalonga e de Tom & Jerry. A tevê a cabo, que não está disponível no ar para qualquer um, acabou com isso. Animações mais inteligentes e violentas ganharam lugar e os pais é que decidem o que os filhos podem ver programando sua caixinha de acordo com suas crenças.

Com essa liberdade da tevê paga, é comum julgar os desenhos "violentos" de antigamente pura bobagem, mas existem algumas obras impressionantes ainda hoje. Principalmente quando a violência é mental e moral. O desenho abaixo foi produzido pela UPA nos anos 50, a década com fama de pacata em que os adolescentes estavam começando a se rebelar... mas na esteira dos quadrinhos de terror da EC e do Mad, começava na verdade uma doutrinação às crianças que questionava o estabelecido. E preparou o caminho para a contracultura. Frederic Wertham não estava tão equivocado assim.

O povo da UPA era um bando de animadores que, insatisfeitos com as condições de trabalho na Disney, resolveram abrir seu próprio estúdio. Enquanto o velho Walt mais e mais se dedicava a produzir filmes com atores e sobre a natureza, séries de televisão e parques temáticos, com sua invejável visão, menos atenção dava ao cerne de seu império, a animação. E a produção da casa, antes inovadora e disposta a experiências, começou a se repetir. A galera da UPA queria experimentar mais com a linguagem do desenho animado, usando temas mais complexos e, estilisticamente, com um maior distanciamento da realidade, sem a preocupação de fazer seus bonequinhos e cenários parecerem verdadeiros.

Pois bem, levando essa disposição até o fim, eles simplesmente pegaram uma das mais famosas histórias de terror do mais perverso grande escritor já nascido, Edgar Allan Poe, um dos maiores talentos a jamais deitar palavras numa página, e adaptaram num estilo expressionista narrado por James Mason, um dos monstros sagrados do cinema. Não espere concessões às sensibilidades infantis: a violência é chocante não por ser gráfica, mas por ser moral e onipresente no mundo do protagonista. Um psicopata. E a história é contada totalmente sob seu ponto de vista.

O uso de animação de uma forma tão efetiva e madura demoraria décadas ainda para voltar à cultura pop, apesar dos experimentos de Norman McLaren. "Fritz, the Cat", de Ralph Bakshi. seria o primeiro desenho voltado para adultos a experimentar sucesso. E o único durante muito tempo. Seria preciso outro estúdio ligado à Disney para acrescentar densidade aos temas infantis típicos dos longas animados, a Pixar. E, não por coincidência, com outro grande visionário (e cruel patrão), Steve Jobs, no comando.






Quer saber mais sobre animação e o cinema infantil em geral? Experimente o livro abaixo!

Infância e cinema infantil
de João Batista Melo



Lanterna mágica interessa a um grande número de leitores: críticos, historiadores e profissionais relacionados ao cinema, mas também pais, psicólogos e educadores. João Batista Melo oferece um estudo detalhado do cinema infantil, desde a sua origem, no início do século XX, até os tempos atuais. Além disso, o livro faz uma análise dos procedimentos narrativos e dos subprodutos gerados a partir dos programas infantis da TV brasileira.

·        João Batista Melo é diretor cinematográfico, graduado em Comunicação Social pela UFMG, especialista em Marketing pela UNA e mestre em Multimeios pela Unicamp.

Ao Vivo e Sem Cores



O vídeo do debate entre John Kennedy e Richard Nixon, que inaugurou a era dos candidatos à presidência se enfrentando na televisão. Kennedy lançou várias vezes o desafio e o futuro biltre aceitou, crente de que poderia se sair melhor do que o filhinho mimado de Joseph Kennedy.

Mas Nixon não era um sujeito antenado como Kennedy e não desconfiava que sua expressão corporal, seu rosto nem um pouco fotogênico e, principalmente, seu terno cinza contra um fundo cinza na era da tevê cinza-claro-e-cinza-escuro (quem fala em televisão preto e branco chegou a este mundo depois dos anos 70) iriam derrubá-lo. Embora quem tivesse ouvido o debate pelo rádio tenha achado que Nixon foi o vencedor do confronto, a (já na época nos EUA) muito maior audiência da televisão consagrou Kennedy como triunfante. O terno escuro do rapaz manteve a atenção do público concentrada nele, seu relaxamento e elegância frente a tensão de Nixon (famoso por suar como um porco) acabaram sendo mais importantes do que as palavras do futuro fora-da-lei. Um momento importantíssimo na história da política ocidental, já que hoje em dia os "marqueteiros" das campanhas costumam ter mais peso do que as plataformas dos candidatos.

Fecho de Ouro

Encerrando sua longa carreira de roqueira (e depois de tecladeira de Lincoln Olivetti, bossanovista e artista pop descartável), Rita Lee, aos 67 anos, faz seu último show em Aracaju e é presa por desacato à autoridade!

Yeah!!!!!

Isto é o que eu chamo de chave de ouro!

Pra comemorar, um videozinho feito por mim com o celular no Circo Voador, quando a moça anunciou sua aposentadoria, chorou e o escambau - não é fácil parar de fazer o que você gosta de fazer e fez a vida toda, mas chega um tempo em que não dá mais. O primeiro e último show na Lapa, que, segundo ela, pra ela era "o verdadeiro último show".

Saudades antecipadas, Rita, apesar de você ter passado uns vinte anos chata pra burro e a última música relevante sua ter sido o Vírus do Amor, lá de 1985 ou 1986. Mas quem foi a cara dos Mutantes vai ter sempre um espaço especial no meu coração.

janeiro 25, 2012

P. P. S.:

Continuando a postagem abaixo:

Porque se você realmente acha que um prédio vai cair e não fica postado na porta dele avisando a todo mundo que aquilo é um perigo... bem, essa é a diferença entre responsabilidade e hobby.

P. S.:

Um pequeno adendo à postagem abaixo: por minha vez, EU aposto que amanhã vão aparecer 500 sujeitos dizendo que há tempos vinham alertando alguém em algum lugar que o prédio iria cair.

O Mais Idiota Comentário sobre o Desabamento do Prédio

Postado por uma amiga no Feicebuque:

“Sou capaz de apostar que alguém, em algum dia num passado remoto, ou não tão remoto, mencionou o perigo desse desabamento... mas como tudo por aqui é assim, esperaram morrer gente pra tomar providência. Agora Inês e mais um monte de gente é morta... começo a achar que é um complô de brasileiro contra brasileiro... "

A mulher nem sabe o que aconteceu. Nunca e jamais ouviu falar que alguém condenara aquele prédio - pelo menos um deles tinha cara de estar lá firme e forte desde os anos 50. Mas imediatamente já tomou sua posição: é culpa desses brasileiros, esse povo horrível, é obviamente uma omissão criminosa.

Por que essa criatura paranoica não vai vistoriar todos os prédios do Brasil, já que alguém em algum dia no passado remoto, ou não tão remoto, mencionou o perigo de desabamento de praticamente qualquer edificação humana?

Dá vontade de entrar nesse jogo e falar que é culpa dessa classe média de merda que odeia o Brasil, odeia não falar inglês e adora assistir a Friends e Sex & the City achando que aquilo é que é vida. A visão do colonizador, a zélite, é isso tudo. O pior do Brasil não é o descaso, a omissão ou a corrupção, mas esse ódio absurdo dessa gente à própria terra. Nessas horas dá até pra entender o AME-O OU DEIXE-O.

janeiro 12, 2012

O Homem Banal


Hoje completaram-se 50 anos da condenação à morte de Adolf Eichmann. Sua prisão na Argentina e seu julgamento em Israel foram marcos dos anos 60 - as primeiras lembranças de Norman Finkelsten sobre o Holocausto provêm daí. Eichmann pode não ter sido um dos arquitetos do Holocausto, mas foi um de seus gerentes, quando nomeado responsável pelas deportações e transporte dos judeus para os campos de extermínio. Em 1944 tentou trocar com os aliados a vida dos judeus da Hungria, sob domínio nazista, por caminhões e outros bens. Quando falhou em conseguir contato com algum representante de confiança, mandou para a morte certa 430.000 húngaros.



Capturado pelos Aliados, que não descobriram sua verdadeira identidade, fugiu em 1946 e refugiou-se na Argentina, onde se sentiu tão à vontade que até mesmo mandou buscar sua família. Em 1952 a CIA já sabia de seu paradeiro, mas evitou tomar providências para não trazer à tona o assunto de que muitos nazistas foram acobertados pelos americanos em troca de informações sobre comunistas. Coube a Israel, em uma das primeiras façanhas internacionais do Mossad, capturá-lo em solo portenho e levá-lo até o jovem Estado. A sua localização foi facilitada porque Eichmann sequer se dera ao trabalho de arrumar nomes falsos para sua esposa e filhos.

Até então os únicos nazistas graúdos capturados com real responsabilidade no Holocausto haviam sido Rudolf Hess e Hermann Goering. O primeiro, preso depois de um voo solitário até a Inglaterra em 1941, quando quis começar sozinho a entabular negociações de paz, teve sua avaliação psicológica (basicamente de "maluco") desconsiderada para que pudesse ser levado a julgamento. O segundo, livre na cadeia de seu vício de drogas, defendeu-se com a aguda inteligência que não mostrava havia anos, desempenhando até o fim o papel de nazista malvado. A seus companheiros encarcerados, costumava dizer que eles já estavam condenados e seu papel era mostrar dignidade para preservar a herança nazista. O claro desequilíbro mental dos dois correspondia perfeitamente à imagem de monstros depravados, cultivada pelos nacional-socialistas em anos de atrocidades contra judeus e populações civis em geral, uma situação bastante confortável para o establishment.

Já Eichmann mostrou-se de outra cepa. Afetando ser apenas um burocrata sem qualquer inclinação antissemita, o ex-coronel das SS afirmava não entender o ódio dos israelenses e judeus por ele, afinal estava apenas cumprindo ordens. Outros nazistas alegaram o mesmo em Nuremberg, mas os aliados haviam criado uma determinação jurídica envolvendo a possibilidade de rebelião justamente para evitar este pleito. Essa determinação levava em consideração o cargo e a importância do acusado, um soldado tendo muito menos chances de se rebelar, por exemplo, do que um general. Ou um diretor de transportes.

O problema com Eichmann foi que seus testes psicológicos acusaram resultados absolutamente normais e medíocres, sua infância e adolescência não mostravam nenhum evento traumático, suas origens incluíam um lar sólido e aparentemente saudável, e seu ingresso nas SS não se deu por questão de crença. Estando desempregado, aceitou a sugestão de um amigo e se inscreveu nas tropas paramilitares de Hitler, assim como outros milhares de sujeitos sem trabalho já haviam feito nas SA. Tão convincente ele parecia neste papel que levou a pensadora Hanna Arendt (sobre quem este blogue recentemente publicou um artigo) a escrever um de seus mais famosos ensaios e cunhar a expressão "banalidade do mal" - ou seja, o Mal não era uma provisão exclusiva dos monstros, mas inerente à humanidade. A qualquer ser humano. Dadas as circunstâncias, talvez qualquer um de nós pudesse se tornar um gerente do Holocausto.

Eichmann ouve sua sentença

A partir daí o pesquisador Stanley Milgram começou a imaginar que talvez a cultura germânica fosse diferente, mas logo chegou à conclusão de que todos nós obedecemos à autoridade. Por causa de seu interesse em Eichmann, Milgram criou um experimento em que sujeitos eram recrutados para aplicar choques elétricos em cobaias, sobre as quais ouvia que "não colaboravam". Quando ordenados, os viventes não tinham dúvidas em ativar voltagens suficientes para matar os pobres coitados, não fossem eles voluntários apenas fingindo sofrer com a eletricidade, inexistente.


Todas essas conclusões foram tão deprimentes para a raça humana como um todo que em 1975 o pesquisador Michael Selzer reavaliou os testes psicológicos de Eichmann e chegou à conclusão de que eles mostravam sim uma personalidade peculiarmente "germânica" (e a expressão do garoto espremido num terninho aí em cima, o jovem Eichmann, parece dar suporte à sua teoria). Seus desenhos femininos mostravam uma mãe zangada, seus bonequinhos masculinos um ar conformado. Não adiantou muito. Muitos foram os exemplos de monstros que se revelaram homens banais depois de Eichmann. O mundo todo perdeu um pouco de sua inocência quando o burocrata que não entendia o ódio a ele dirigido ouviu obedientemente, como sempre, a sua sentença de morte por enforcamento.

janeiro 11, 2012

Desenhos Animados Banidos

Paquetá 2011







Anúncio de remédio para "síndrome das pernas irrequietas". Efeitos colaterais podem ser "excessiva vontade de apostar, sexo, ou outras fortes ânsias". Uau. Onde compro isso?

janeiro 07, 2012

Tintim, por Bilal


Leia mais sobre Tintim aqui.

Sic Transit Gloria Mundi

A Kodak pediu concordata.

O Buda Sorridente

Publicado originalmente no blogue de história da Editora Record, editado pelo blogueiro

Quando se fala em Buda, a maioria das pessoas sem olhos puxadinhos imagina logo essa figura aí embaixo. Mas esse na verdade não é O Buda, e sim UM Buda. Não o príncipe hindu Sidarta Gautama, o fundador do budismo, mas um monge chinês excêntrico e bem-humorado. E obviamente com uma assessoria de marketing muito melhor.


Sidarta Gautama começou a perambular em busca da iluminação aos 29 anos. Como o mesmo aconteceu com Jesus, o fim da juventude parece ser realmente um tremendo incentivo para se tentar descobrir o sentido da vida. Sidarta, ao contrário de seu assemelhado ocidental, ainda lidava também com o nascimento de seu primeiro filho, acontecimento que marca emocionalmente o verdadeiro fim da adolescência.

A decisão de Sidarta em buscar a iluminação veio quando saiu pela primeira vez de seu palácio e viu um idoso, um doente e um cadáver, o fim de todos nós. Assim, como Santo Agostinho faria depois, largou mulher e filho e foi se dedicar à salvação espiritual. Inicialmente, como era comum em seu tempo e região, através do ascetismo. Renegar as tentações materiais era considderado um grande primeiro passo para a meditação. No entanto, os hindus levavam a prática ao extremo e tonteiras, fraqueza e certamente a distração proporcionada por contrações abdominais acabaram convencendo Sidarta de que este não era o verdadeiro caminho. Principalmente depois que ele desmaiou num rio e quase se afogou. Uma famosa história contada a respeito diz como uma criança que ia passando viu aquela figura tão emaciada e pálida e lhe ofereceu alimento achando que fosse um espírito. O ex-príncipe então, embora sob padrões estrangeiros, ainda mais os da nossa socidade de consumo, pudesse ser considerado um asceta radical, para seus conterrâneos passou a ser visto quase como um glutão, perdendo quase imediatamente o respeito e os seguidores que já havia angariado.

Mas eles estavam errados e em pouco tempo Sidarta alcançaria a verdadeira iluminação e passaria a ser considerado como a reencarnação da sabedoria - o Buda. Sua doutrina original era simples e facilmente reconhecível por judeus, cristãos, muçulmanos e religiosos em geral com uma tendência mais mística e ecumênica: todas as misérias e descontentamentos da vida vêm do egoísmo pessoal. É a renúncia aos desejos baixos que levará à compreensão de que a morte não é o fim, porque fará o universo da pessoa parar de girar em torno de sua existência. Como já diz H. G. Wells, “o Nirvana não significava (...) extinção e aniquilamento, mas a extinção e aniquilamento de fúteis objetivos pessoais que tornam a vida inevitavelmente mesquinha e lastimável (...) Toda religião digna do seu nome, toda filosofia nos avisa e nos ensina que devemos nos perder a nós mesmos em qualquer coisa maior do que nós próprios: ‘todo aquele que salvar sua vida, perdê-la-á’ é, exatamente a mesma lição” (História Universal). Mas, assim como aconteceria depois com outras religiões, seguir à risca os ensinamentos de Gautama era considerado muito difícil pela maioria das pessoas e logo surgiram variantes incluindo figuras semidivinas e rituais que garantiriam a salvação da alma.

De qualquer forma, apesar de ser considerado um ponto decisivo na vida do Buda o momento em que ele descobre que a mortificação e a fome não são a resposta, ainda assim sua doutrina condena exatamente a busca insaciável do prazer - aí incluída a gula, não por coincidência também um dos nossos sete pecados capitais. Sidarta se alimentava pouco e, mesmo quando ainda um mimado filho de rico, sempre foi magro, como na imagem abaixo.


O Buda Sorridente, como é conhecido aquele ícone rotundo tão mais conhecido por nós ocidentais, é a representação de um monge chinês excêntrico, adorado pelas crianças, de nome Chi Tzu, que teria vivido no século X. Cedo ainda em sua vida monástica ele teria alcançado a iluminação e se tornado o receptáculo da sabedoria, um Buda, enfim. E sendo um homem em estado de plenitude, ele era feliz e bem-humorado, uma ideia que nos parece estranha. Religião e espírito sempre foram considerados assuntos tão sérios que nos parece paradoxal que alguém que já resolveu a salvação de sua alma e tenha perdido o medo da morte seja uma pessoa alegre. Jesus se dava ao trabalho de transformar água em vinho para não estragar uma festa e era cheio de amor por toda a humanidade, mas cismamos que um sujeito assim devia ter sempre uma expressão séria e severa.

A maior estátua do Buda, com 50 metros de altura e em pé, ficava no Afeganistão e foi destruída pelo Talibã apesar de apelos até de organizações islâmicas. Atualmente está se tentando sua reconstrução

Talvez por isso a figura do Budai, ou Hotei, títulos honoríficos atribuídos a Chi Tzu, seja tão popular. A ideia da religião de buscar a iluminação é também uma busca da felicidade e iluminados felizes não deixam de ser convincentes. Não à toa bom humor é considerado sinal de inteligência. Como já contava aquela parábola zen sobre um monge fugindo de um tigre que corre até um precipício e fica pendurado agarrado a um cipó, vê que lá embaixo tem outro tigre esperando por ele, nota que um rato está roendo o cipó e, ao perceber um pé de morangos, pega um e o prova, saboreando-o absorto e deliciado, a vida é curta e deve ser aproveitada - e curtida - com despreocupação quanto ao seu fim garantido.

Se você tiver maiores informações sobre o assunto e sobre os ensinamentos desses budas, esteja à vontade para explicar nos comentários.

Paquetá 2011

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 Bem que isto podia ser limpo


A pedra mais fálica de Paquetá