dezembro 26, 2007

Zen Contemporâneo

Um discípulo de Shunryu Suzuki-Roshi se aproximou dele e perguntou:

"Se você preza tanto a liberdade, por que mantém um passarinho trancado na gaiola?"

Suzuki-Roshi foi até a gaiola, abriu-a e o passarinho voou para longe. Em seguida, virou-se para o discípulo e falou:

"O passarinho está livre - Você me deve um passarinho"

Zen Contemporâneo

Um discípulo estava tentando consertar um computador simplesmente ligando e desligando a máquina. Um mestre se aproximou e explicou:

"Você não pode consertar um aparelho simplesmente ligando-o e desligando-o sem saber o problema".

Então o mestre se aproximou do computador, desligou-o e ligou-o e ele funcionou.

(Tommy Knight)

dezembro 19, 2007

Meus Poemas Favoritos - Richard Cory

A primeira vez que ouvi falar de Richard Cory era uma (ótima) música do bom álbum triplo WINGS OVER AMERICA. Depois descobri que era na verdade do Paulo Simon e, mais tarde, finalmente, que era um poema belíssimo de Edwin Arlington Robinson, como os angloparlantes podem conferir abaixo e os angloprejudicados mais abaixo ainda, na minha pobre e livre tradução (as duas coisas sempre parecem andar juntas).

Whenever Richard Cory went down town,
We people on the pavement looked at him:
He was a gentleman from sole to crown,
Clean favored, and imperially slim.

And he was always quietly arrayed,
And he was always human when he talked;
But still he fluttered pulses when he said,
"Good-morning," and he glittered when he walked.

And he was rich - yes, richer than a king -
And admirably schooled in every grace;
In fine we thought that he was everything
To make us wish that we were in his place.

So on we worked, and waited for the light,
And went without the meat, and cursed the bread;
And Richard Cory, one calm summer night,
Went home and put a bullet through his head.


Sempre que Richard Cory vinha à cidade
Nós na calçada olhávamos para ele
Um cavalheiro magnificente dos pés à cabeça
Favorecido nas feições e majestaticamente esguio

E ele estava sempre discretamente ataviado
E era sempre bondoso e gentil ao falar
E ainda assim fazia corações dispararem ao dizer
"Bom dia", e parecia brilhar ao andar

E ele era rico - sim, rico como um rei
E admiravelmente escolado em todas as matérias
Em suma, pensávamos que ele era tudo
O que nos fazia desejar que estivéssemos em seu lugar

E assim continuávamos na labuta e esperávamos pela luz
E prosseguíamos sem a carne, e amaldiçoávamos o pão
E Richard Cory, numa calma e límpida noite de verão
Foi para a casa e pôs uma bala na cabeça

dezembro 06, 2007

A História do Cinema I - The Great Train Robbery

Diz uma história que preparava-se a adaptação de uma peça de sucesso para o cinema. Ainda em princípios de produção, o cineasta foi ao teatro assistir ao espetáculo e conversar com o autor-diretor da montagem. Em meio ao bate-papo, este virou para o sujeito dos 24 quadros por segundo e falou, "quer saber, vocês de cinema complicam tudo. Se eu fosse fazer um filme disto, eu simplesmente punha uma câmera numa cadeira e deixava rolar", ao que o "você do cinema" retrucou, "certo. Mas em QUAL cadeira você poria a câmera?"

Miríades de opções a mais que o cinema oferece à parte, na verdade o raciocínio do nosso teatrólogo era o mesmo dos primeiros cineastas. Começando uma nova arte do nada, ainda na aurora da arte moderna e das teorias futuristas e de avant-garde que revolucionariam o metiê nos anos 20, o povo com uma câmera na mão não tinha muita idéia na cabeça do que fazer com ela. As primeiras tentativas de contar historinhas com o cinematógrafo usavam a mídia como um teatro (mudo) a jato - os cenários podiam mudar instantaneamente (incluindo exteriores) e o uso inteligente de cortes e efeitos de montagem podia criar ilusões impensáveis num palco. No Rio de Janeiro, por exemplo, fez muito sucesso na década de 1900 a nacionalíssima película musical (sim, musical mudo) PAZ E AMOR. Durante a projeção, os atores ficavam atrás da tela fazendo a dublagem. Ou seja, o filme servia apenas para economizar na produção de uma revista musical!

E assim eram todas as fitas no alvorecer da sétima arte. A câmera ficava estática, aberta, enquadrando o que equivaleria aproximadamente a um palco, e com a ação acontecendo da esquerda para a direita (e vice-versa), para que nenhum ator ficasse de costas para a câmera (e no filme mudo, que é basicamente uma pantomima, a expressão do mímico é fundamental para a compreensão da história). À bidimensionalidade da tela somava-se a bidimensionalidade da ação, ficando tudo chapado e artificial ao extremo. Felizmente, logo algumas pessoas com generoso número de células gliais perceberam que tal abordagem era humilhante e degradante para toda a tecnologia envolvida na manufatura de películas. E começaram a experimentação que levaria à firme conclusão de que o cinema era a expressão do MOVIMENTO.



THE GREAT TRAIN ROBBERY é um filme de 1903, ainda bastante primitivo. A ação transcorre da esquerda para a direita. A pantomima é exagerada e risível para os nossos padrões. Durante o primeiro ato, a tecnologia é usada para criar superilusões teatrais (as projeções ao fundo na primeira cena (aos 20 segundos) e no tiroteio no vagão - 2 minutos) e a ação externa também transcorre bidimensionalmente. No entanto, alguns detalhes importantíssimos mostram o início da criação da LINGUAGEM DO CINEMA, independente e diferente da teatral.

Aos 2m48s, a câmera está presa em cima de um vagão. Está em movimento. E o bandido aparece em primeiro plano e move-se rumo ao fundo, de costas para ela. Subitamente o filme parece muito menos primitivo e tem um ar vagamente contemporâneo. Uma trucagem elementar termina a porrada com uma nota violentíssima. O enquadramento é ótimo e elegante e está criada a ação tridimensional. Está quebrada a bidimensionalidade da tela. A sétima arte torna-se uma experiência muito mais real e envolvente.

Aos 4m20s, os bandidos alinham os passageiros para assaltá-los. Para enquadrar esta ação de frente, a câmera, mesmo com a lente mais angular de que se dispunha na época, teria que ficar longe demais para que se distinguisse o que estava acontecendo. O diretor, Edwin S. Porter, sem alternativa, fez o que qualquer fotógrafo amador experiente faria - pegou a cena em diagonal. A composição é muito mais bonita e dinâmica e novamente está quebrada a bidimensionalidade da fita. Mais uma vez ela parece muito menos primitiva.

A cena seguinte também é diagonal, mas o que mais emociona os amantes do cinema é que, aos 6m09s, os bandidos saltam do trem. Em vez de mostrá-los saltando de lado, correndo da direita para a esquerda até sair de quadro, cortar para uma cena adjacente, com eles novamente correndo da direita para a esquerda até sair de quadro, tudo isso captado a uma distância respeitável, o que Edwin, o S. Porter, fez? Ele pegou a uma distância que, para a época, poderia ser considerada média, e FOI MOVENDO A CÂMERA PARA MANTER OS BANDIDOS EM QUADRO ENQUANTO ELES SUMIAM MONTANHA ABAIXO. A câmera estática está morta! Logo ela estaria sendo montada por Abel Gance no pescoço de cavalos. A ação é muito mais envolvente. A câmera segue o movimento como nossos olhos fariam - ela É nossos olhos! Nasce o cinema!

Infelizmente, Porter não seria o homem que levaria essas descobertas às últimas consequências. A cena é seguida por mais interiores bidimensionais, sem cortes, de longe. A patrulha persegue os bandidos atirando vindo de segundo plano para primeiro plano, mas não ocorreu ao diretor que a câmera poderia se movimentar não só da esquerda para a direita como também do fundo para a frente. Mesmo a quebra da quarta parede quando o bandido atira na platéia, na última cena, é apenas um efeito, não um manifesto de uma nova estética (e, apesar de tudo, um grande efeito, já que diz a lenda que espectadores se abaixavam ou saíam correndo neste momento).

Estávamos em 1903. Numa época em que o ritmo das descobertas era consideravelmente mais lento, o cinema avançava rapidamente. Passava de curiosidade a entretenimento de qualidade e firmava-se como arte, desenvolvendo sua estética e sua linguagem. Foram esses primeiros avanços que mostraram aos artistas modernos que eles poderiam usar aquela nova maneira de expressão, convenientemente de alta tecnologia, moderna como as concepções daqueles malucos do começo do século (vinte), poderia adaptar-se admiravelmente às suas propostas e teorias.

Ainda mais depois que um americano conservador e caretão chamado D. W. Griffith quebrasse a ação em planos rápidos e curtos que mostravam sempre exatamente aquilo que você precisava ver naquele momento, em vez de enquadrar uma cena inteira e deixar que o espectador escolhesse o que lhe interessava.