janeiro 12, 2011

O Casamento da Filha do Adido Militar




Comprei este postal outro dia na Feirinha de Antiguidades da Praça XV. Não conheço o lugar retratado, gosto mais de cartões com fotos do Rio de Janeiro, ver as paisagens mais antigas, mas fiquei intrigado com o texto. Você pode ler no original se clicar na imagem para ampliar, com a vantagem de ver também a caligrafia do sujeito, mas abaixo vai de qualquer forma a transcrição:

Cara amiga Maria

Estou lhe escrevendo de Roma, a Cidade Eterna, uma beleza. Estive em Capri, com a minha noiva, num iate de um conde inglês, Lorde Benkson, só de gente granfinérrima, 2 dias maravilhosos. Passaremos mais 2 dias aqui em Roma, depois percorremos mais 12 países, e na Alemanha, se tudo der certo, me casarei aqui em Frankfurt com esta moça que é filha do adido militar Brasileiro, aqui na Alemanha.

Até breve, um abraço do amigo


A primeira impressão que tive foi de que esse sujeito estava dando um golpe do baú. É claro, posso estar enganado, ele poderia estar loucamente apaixonado pela noiva, mas fiquei curioso em saber de onde vinha essa sensação. Então vamos brincar de Sherlock Holmes e ver o que não bate no texto.

1. O sujeito está mandando um postal para uma amiga. Postais são coisas que normalmente você manda para pessoas mais íntimas (ou mandava, hoje em dia é tudo mais prático com Facebook e internet). No entanto, ele precisa explicar quem é a noiva - a filha de um adido militar. E que vai casar. Há quanto tempo ele estava noivo que aparentemente nem a amiga dele sabia? E esse casamento foi planejado assim de sopetão, a ponto de contar pra Maria só em cima da hora?

2. Antes de qualquer demonstração de afeto, carinho ou de saudades, o sujeito começa a declinar os lugares onde esteve - todos pontos turísticos, no começo dos anos 70, quando não era qualquer um que viajava à Europa. Roma, Capri, Frankfurt e um iate de um conde inglês - só com gente granfinérrima!

3. O sujeito conta o nome do conde inglês dono do iate - Lord Benkson (ou Benhson, algo assim) - mas não o da noiva!!!! É mais importante pra ele declinar o nome de um nobre britânico do que o da noiva! Em vez de sabermos como ela se chama, ficamos apenas sabendo suas credenciais sociais - que é filha de um adido militar. Não somos informados de mais nada sobre a (supostamente) jovem, se ela estuda, trabalha, o que faz, se é bonita, inteligente. Apenas que o pai dela tem um cargo diplomático.

4. Por ter ficado tão impressionado com o iate do lorde inglês - cheio de "gente granfinérrima" - parece que o sujeito não estava acostumado com tanto luxo. Grã-finos não usavam a palavra "granfinérrima". Ela não é fina.

5. Casar no Velho Mundo também parece lhe impressionar sobremaneira. Ele repete várias vezes "aqui", falando da Alemanha e de Frankfurt, mas querendo falar "Europa".

O português é claro, bem escrito, sem erros de ortografia e apenas no final escorrega em algumas redundâncias, embora isso possa ser explicado pelo espaço se acabando. A letra é muito juvenil, mas tem um ar decididamente decidido! É de alguém com estudo e que sabe o que quer, embora jovem. Mais não sei falar. De qualquer forma, a sensação permaneceu. Como terá acabado essa relação? Terão eles se casado realmente em Frankfurt? Qual a relação de Maria (moradora da então ainda chique Atlântica) com o missivista, a ponto de receber um postal e não saber que o sujeito estava noivo (e de quem). Mistérios que se perderam com o tempo. Maria, coitada, deve ter falecido, ou não se encontrariam suas coisas numa loja de antiguidades. Quanto seus herdeiros terão ganho vendendo essas coisas, expondo-a assim para todos? Os centavos que recolheram terão valido a pena?

3 comentários:

Anónimo disse...

seria o sujeito um talentoso ripley carioca?

potamus disse...

seria o sujeito um talentoso ripley carioca?

Marcos disse...

O cara tenta dar um cala-boca e, ao mesmo tempo, uma justificativa pra Maria. Ele vai se casar com uma mulher socialmente muito superior: mora na Europa, frequenta iates de lordes, visita 12 países e é filha do adido militar (lembre-se que em 72 isso era especialmente importante). Nem adianta a Maria ficar chateada, reclamar que não foi avisada. Não é sempre que vai lhe aparecer uma oportunidade similar. Talvez isso até tenha servido de consolo à Maria: ele continua me amando, casou-se com a outra só porque é ambicioso.