janeiro 09, 2010
O Melhor Avião de Todos os Tempos
Se em 2009 voei até o Uruguay por 200 reais, é tudo por causa desta máquina voadora. Nos anos 70 passar pelo Santos Dumont garantia a vista de montes desse modelo e ainda tinha um aposentado no Aterro, exposto na Cidade das Crianças justamente pras crianças brincarem nele. E ainda hoje incontáveis desses aparelhos trabalham, e trabalham de verdade, fazendo muito mais do que voos nostálgicos e panorâmicos pra turistas. O Douglas DC-3 foi quem tornou o transporte de passageiros economicamente viável e deitou as fundações pra todas as companhias aéreas e, principalmente, pro desenho de aeroplanos comerciais até mesmo pra era do jato.
Isso é fácilmente comprovável. Basta olhar pra ele. Um único relance e você o reconhece imediatamente como um avião de passageiros. A mesma forma básica que até os mais modernos Airbus usam. Fuselagem cilíndrica, nariz curto, asas com corda curta (ou seja, estreita), bordo de ataque reto das asas, do leme e da empenagem, trens de pouso escamoteáveis. Ele tem até mesmo asas enflechadas, inclinadas pra trás, embora por razões completamente diferentes do jato – para equilibrar o centro de gravidade, enquanto as máquinas turbinadas de hoje as usam pra evitar problemas de compressibilidade, o fluxo do ar em velocidades transônicas.
A história do DC-3 começou quando a Boeing criou um avião de passageiros todo de metal, o modelo 247. Ele tinha asas cantiléver, ou seja, sem montantes, cabos de sustentação ou suportes, tornando o desenho bem mais limpo. Seus dois potentes motores podiam manter o aparelho no ar mesmo se um deles falhasse. No entanto, tinha alguns problemas. Em primeiro lugar, era pequeno demais – carregava 10 passageiros. Depois, tinha a asa grande demais. Os pilotos temiam que uma asa menor pudesse ser subdimensionada, fazendo a máquina perder sustentação mesmo em velocidades relativamente altas, transformando em pesadelo as aterrissagens nas pistas pequenas e rústicas da época (basta lembrar que grande parte do transporte de passageiros usava hidroaviões justamente por isso). E a asa atravessava a cabine de passageiros, tornando-a canhestra e pouco confortável.
Ainda assim o Boeing 247 era um salto quântico em relação ao que se usava na época. Veja abaixo o monstrengo lançado em 1930, o Handley Page 42, da Imperial Airways. Quatro motores, cordas suficientes pra estender toda a roupa da bagagem dos passageiros, e uma aparência completamente insegura. Eu não embarcaria nesse troço aí nem que me pagassem. O 247 foi projetado apenas um ano depois que essa coisa começou a realmente carregar gente de um lado pro outro e parecia tão promissor que ainda na prancheta foi encomendado pela United Airlines. A TWA também ficou interessadíssima, mas por contrato, só depois que a United recebesse toda a sua encomenda a Boeing poderia atender outras companhias, e naquele tempo a construção aeronáutica não era tão rápida. Assim, a TWA convidou algumas empresas a desenharem um avião de passageiros tão moderno quanto o da Boeing. A Douglas quase não entrou na briga porque não acreditava que houvesse mercado para 100 desses aparelhos, o custo calculado para o desenvolvimento do projeto. Mas acabou mudando de ideia e mudando o mundo simultaneamente.
O DC-1 carregava 12 passageiros e já tinha a cara do DC-3. Excedia todas as especificações exigidas pela TWA e galgou os ares na mesma época que o 247, em 1933. Mas era um aparelho tão bom que a TWA pediu à Douglas pra dar uma esticada no bicho pra carregar 14 passageiros. Ela o fez e em 1934 foi a vez do DC-2 alçar voo. A TWA pediu uma esticada final pra acomodar poltronas reclináveis e assim surgiu o DST – Douglas Sleeper Transport, em razão das poltronas reclináveis, também conhecido como DC-3.
O DC-3 tinha motores mais potentes. As hélices de passo variável aproveitavam melhor essa potência do que as usadas por modelos mais antigos como o HP-42. Perceba a diferença. As asas mais estreitas do que as do Boeing 247 geravam menos arrasto, tornando a máquina aerodinamicamente mais eficiente, o que se traduzia em mais capacidade de carga, mais alcance, mais velocidade e menor consumo de combustível. E tudo isso sem precisar de pistas enormes para aterrar por ter alta velocidade de estol (1), graças novamente à força daqueles motores.
Fora isso, o DC-3 ainda era exclusivamente para passageiros. Não que ele não fosse usado como cargueiro, mas é que nessa época, os custos de um voo eram tão grandes que a passagem era cara, pouca gente voava e o lucro dos operadores vinha de contratos do governo para transportar correio (lembram dos envelopes com o “via aérea”?). Numa afronta ao neoliberalismo, o Estado pagava as notas superfaturadas como forma de subsídio pra indústria aérea, considerada estratégica tanto militar quanto tecnologicamente. Assim, tudo que era aeronave comercial vivia basicamente de levar carta de um lado pro outro, e no espaço que sobrasse, os corajosos viventes que encaravam aquela viagem desconfortável e barulhenta.
Tudo mudou com a entrada em cena do DC-3. Moderno e robusto, ele precisava de pouca manutenção. Queimava pouco querosene, barateando as passagens e ainda oferecia aos clientes coisas como uma cozinha de bordo funcional, aquecimento e isolamento acústico. E aquelas formas arrojadíssimas para a época. Comparem-se-as com as de seu congênere, o 247. O Boeing parece uma caricatura, com seu narigão e suas asas superdimensionadas. Repare na forma bem mais arredondada de sua cauda e suas asas. As do DC-3, em vez de atravessarem a cabine, juntavam-se à fuselagem numa interseção quadrada, formando uma “caixa”, numa solução usada até hoje nas aeronaves comerciais.
Assim, o DC-3 parece a epítome do art-deco, com suas linhas limpas e retas sugerindo velocidade. Em relação ao quadrimotor da Handley-Page, ele levava mais viventes, mais longe e mais rápido. Ao lado do Junkers Ju-52, seu correspondente alemão, então é covardia. Trimotor, sem carenagem pros motores radiais, sem trem de pouso escamoteável, o transportador germânico podia ser considerado inferior por qualquer pessoa que não entendesse nada de aviação só de se olhar pros dois. O americano era quase 150 quilômetros por hora mais veloz. Frente ao Modelo 247, seu maior adversário, ele era 61 km/h mais rápido, sem contar sua flexibilidade. O Boeing tinha velocidade de cruzeiro de 304 km/h e máxima de 320, ou seja, praticamente só tinha UMA velocidade. Já o Douglas cruzeirava a 240 por hora e acelerava até 381.
Quando você pensa que o DC-3, ainda em sua forma menor de DC-1, decolou em 1933, mesmo ano em que a Curtiss lançou o Condor abaixo, ainda biplano, você sente a diferença. Durante a guerra, sua versão militar, o C-47 tornou-se o esteio da força aérea aliada como cargueiro, transporte, bombardeiro de patrulha, transporte de paraquedistas e muitos outros papéis, incluindo rebocador de planador. Na verdade, chegaram a tirar os motores dele pra experimentá-lo como planador e descobriu-se que ele tinha excelente desempenho, graças à sua avançada aerodinâmica. Tão confiável ele era que, desenhado para transportar no máximo 32 soldados, chegou a decolar com 73 passageiros - e pousar com 74, pois um bebê nasceu durante o caminho -, 228 por cento acima do limite recomendado!
Até a era do jato, a Douglas viveu às custas desse aparelho, já que os seus modelos maiores e intercontinentas, os DC-4, 5 e 6 são visíveis versões maiores do melhor avião de todos os tempos. Duvida? Olha o DC-6 aí embaixo.
Sendo tão versátil, dizia-se do DC-3 que seu único substituto era outro DC-3. Mais de 10.000 unidades foram fabricadas, fazendo dele figurinha fácil em vários aeroportos ou na Cidade das Crianças, em display estático. Só no Museu Aeroespacial de Campo dos Afonsos tem três, além de um quarto em que se pode entrar. Mas esse não é seu único uso. Várias companhias aéreas o usam para voos turísticos e panorâmicos, mas ele ainda trabalha de verdade mesmo em vários papeis – pulverização, transporte particular, transporte de cargas e passageiros, enfim, ainda é um avião de verdade. Nas minhas férias de 2007, encontrei esse aparelho aí embaixo no Aeroporto de Salvador. As antenas são para prospecção de minérios, conforme me foi explicado por um funcionário. Repare que os motores a pistão foram substituídos por modelos turboélice - o eixo da hélice não é girado por cilindros através de uma biela, mas ligado diretamente à turbina de um motor a jato. Como todo bom projeto, o DC-3 mostrou-se adaptável e atualizável para ser competitivo com a tecnologia 75 anos à sua frente.
Sem dúvida, o maior avião de todos os tempos.
1. Estol é quando as asas não conseguem sustentar o avião e ele subitamente cai como se morto. Acontece quando a velocidade é muito baixa e o ar passa lentamente demais pelas asas, ou quando a aeronave está em alto ângulo de ataque, ou seja, inclinado demais pra cima.
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