maio 26, 2010
A História da Copa do Mundo - A Jules Rimet é Nossa, Com Brasileiro Não Há Quem Possa - A Copa de 70
O BRASIL EM 1970: 4-2-4, 4-3-3 OU 4-4-2?
Os brasileiros consideram atacantes somente os indivíduos que ficam enfiados lá na frente e têm como única preocupação fazer o gol. Se o sujeito gosta mais de jogar a partir da intermediária ou volta para armar as jogadas de ataque, nós o consideramos um "meio-campista". Às vezes o chamamos de "número 1" como em 1998, ou de "meia-atacante" como em 2002.
Os europeus, entretanto, têm uma idéia diferente. Para eles a posição de "meio-campista" ou "apoiador" é aquela mesma de Zito e Didi em 1958 e 1962. Para ser considerado jogador de meio-campo o sujeito tem que ajudar a defender, fazer a saída de bola, ou seja, receber da defesa e dar prosseguimento à jogada, além, é claro de ajudar no ataque. Ele seria como o antigo centromédio atacante, mas muito mais rápido e capaz de correr para cima e para baixo, cobrindo a defesa e apoiando os atacantes, flutuando o tempo todo, quase voando. Por isso ele passou a ser conhecido como "volante". Zito, Didi, Gérson, Falcão, Ricardinho e Juninho Pernambucano são alguns que fizeram a fama nessa posição.
No entanto, jogadores como Zico, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, que nós consideramos de meio-campo, são contados como atacantes na Europa. É por isso que os europeus juram que o Brasil de 1970 jogava em 4-2-4: Clodoaldo e Gérson no meio e Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino na frente. Zagallo até hoje diz que sua tática era o 4-3-3: Rivellino era um "ponta-esquerda recuado", assim como o técnico quando jogador. E vários analistas alinham aquela seleção em 4-4-2: Clodoaldo, Gérson, Rivellino e Pelé; Tostão e Jairzinho.
Nas laterais do ataque jogavam os pontas. Como consequência, os outros atacantes ficavam dentro da área. Era pouco espaço para dois jogadores e a tendência era que um ficasse entre os zagueiros disputando a bola com eles (o "centroavante trombador") e outro, mais habilidoso, ficasse um pouco mais atrás, partindo de trás com a bola dominada, como Ademir, ou armando a jogada. Na seleção de 70 era Pelé quem fazia isso. Este jogador, o "ponta-de-lança" recuou um pouco mais e passou a ser contado no meio-campo. É a posição em que Ronaldinho Gaúcho joga hoje.
Dois jogadores no meio-campo era muito pouco para marcar os apoiadores adversários e ajudar na defesa. Como consequência, um dos volantes passou a ter funções de defesa, inclusive ficando no lugar dos laterais quando eles atacavam. Assim nasceu o cabeça-de-área ou volante de contenção. Mas em 1970 o Brasil ainda tinha o técnico Clodoaldo para a posição.
A COPA DE 1970
Depois do fracasso de 1966 o Brasil teve uma sequência de maus resultados internacionais. Durante um tempo houve até um comitê para cuidar do escrete canarinho: a COSENA (Comissão Selecionadora Nacional), numa desesperada tentativa dos militares para recuperar o prestígio do time. Mas parecia que nada conseguia tirar a seleção da depressão pós-1966.
O comentarista João Saldanha, ex-técnico do Botafogo em 1957, era um dos mais articulados e inteligentes críticos aos técnicos do selecionado. Seu sucesso acabou levando-o ao cargo de treinador da seleção. Tão seguro ele estava de suas idéias que no momento em que aceitou o cargo imediatamente declinou seu time titular e os 11 reservas. "Vamos ter 11 feras", avisou.
E o Brasil passou pelas eliminatórias como um rolo compressor. Tostão finalmente desencantou com a amarelinha e foi o artilheiro. Saldanha queria um time agressivo dentro e fora das quatro linhas. Contra o Paraguai, houve uma confusão com a delegação no hotel. Saldanha mandou seus jogadores descerem para enfrentar os torcedores adversários e os pôs para correr. Eram as Feras do Saldanha.
A ditadura militar continuava e o Brasil era presidido por Médici, fã do atacante Dario. Numa entrevista perguntaram a Saldanha por que ele não convocava o favorito do presidente. "O presidente não me consultou para formar o ministério e eu não vou consultá-lo para formar a seleção", respondeu João, militante comunista. Assim que as Feras empataram com o Bangu num jogo-treino ele foi substituído por Zagallo, o ponta-esquerda bicampeão do mundo. Que começou chamando Dario.
Mas ele não fez só isso. Mudou a zaga, escalou o volante Piazza como zagueiro, tirou o autêntico ponta Edu, chamando Clodoaldo e Rivellino para compor o meio. Obviamente com essas mudanças ele foi chamado de retranqueiro e traidor do autêntico futebol brasileiro. As expectativas não eram boas.
O México organizou a Olimpíada de 1968 e a Copa de 1970. Ambos os eventos foram únicos, por disputados na altitude. Quanto mais longe do chão menos ar e, com menos oxigênio qualquer esforço é mais cansativo. A seleção chegou um mês antes para se adaptar a esse problema. Não haveria nenhuma chance de se repetir o desastre de 1966. O Brasil seria o time com melhor preparo físico do torneio.
Quem chama o grupo da Argentina para 2006 de "grupo da morte" precisava ver o do Brasil. Três dos últimos quatro finalistas estavam juntos: Brasil e Tcheco-Eslováquia, de 1962, e Inglaterra, de 1966. Ninguém esperava muito daquela equipe retrancada de Zagallo na estréia e quando os tchecos saíram na frente parecia que a coisa iria ser muito complicada. Mas, menos de 15 minutos depois, Rivellino cobraria uma falta certeira. E, no segundo tempo, quando os tchecos cansaram veio a goleada por 4 x 1.
O próximo jogo do Brasil pôs frente a frente os dois últimos campeões mundias. A seleção jogou sem seu organizador, Gérson. A defesa brasileira fez uma trapalhada que quase pôs os ingleses na frente. Jairzinho cruzou para Pelé dar uma esplêndida cabeçada e o goleiro inglês, Banks, fazer a melhor defesa da história das Copas. Os britânicos foram melhores no primeiro tempo, mas aos 23 Tostão viu que seria substituído - finalmente as substituições eram permitidas - e resolveu arriscar. Driblou quatro defensores e cruzou para Pelé, que abriu para Jairzinho. Brasil 1 x 0. Era a terceira vez que as duas equipes se enfrentavam em Mundiais. Nas duas primeiras o título ficou com os brasileiros. Na partida com a Romênia Zagallo poupou alguns jogadores, mas a vitória veio por 3 x 2.
No grupo 2 estavam os outros dois bicampeões, Itália e Uruguai. Ambos se classificaram. Os uruguaios eliminaram a Suécia no saldo de gols - um contra zero. Os mexicanos e soviéticos empataram entre si e ganharam os outros jogos em sua chave.
No grupo 4 a Alemanha ficou em primeiro. O Peru tinha a melhor seleção de sua história. Nas eliminatórias ganhou a vaga em cima da Argentina em Buenos Aires. Seu treinador era Didi, bicampeão pela seleção brasileira. Seu próximo adversário.
Tostão foi o grande nome do jogo. Fez dois gols e comandou a goleada por 4 x 2. Félix, o goleiro brasileiro, falhou num dos gols, com a bola entrando entre ele e a trave, lembrando a jogada do título de 1950. E era justamente o Uruguai o próximo adversário. Todos os campeões do mundo estavam nas semifinais. Nas quartas-de-final os alemães se vingaram da bola duvidosa de 1966 eliminando os ingleses por 3 x 2. Os italianos deram um passeio nos anfitriães: 4 x 1.
Os uruguaios garantiam que venceriam a semifinal. Repetiriam o feito de 1950. Continuavam tendo mais garra e raça. Gigghia foi convidado a assistir o jogo com a delegação. E quando a partida começou, as coisas começaram a dar certo para eles.
Bem-marcado, o meio-campo brasileiro ficava tocando a bola de um lado para o outro sem conseguir penetrar. Num chute fraco de Cubilla os uruguaios fizeram 1 x 0. Félix falhou novamente. O time brasileiro perdeu-se completamente em campo e não conseguia fazer nada. Foi quando Zagallo fez uma alteração tática: vendo Gérson bem marcado, mandou ele recuar; Clodoaldo deveria chegar mais no ataque. Funcionou. Os beques do Uruguai estavam preocupados com o Canhotinha de Ouro quando Clodoaldo entrou na área aos 44 do segundo tempo para completar cruzamento de Tostão. O Brasil foi para o vestiário mais aliviado com o empate. Mas levou uma bronca histórica de Zagallo.
Que levou mais de meia hora para surtir efeito. O jogo continuou feio de se ver e fechado. Só aos 31, depois de muitos toques para o lado é que os brasileiros conseguiram armar uma jogada sensacional, com passes perfeitos de Pelé para Tostão e deste para Jairzinho. O artilheiro ganhou na corrida da defesa e fuzilou o gol de Mazurkiewicz.
O Brasil ainda aumentaria com um gol de Rivellino, mas foram duas jogadas de Pelé que ficariam famosas nessa partida: um drible sem bola em Mazurkiewicz e uma cotovelada em seu marcador. A primeira não deu em nada - com o gol vazio, o Rei chutou para fora, mas a finta foi tão bonita que entrou para a história. A segunda foi fruto da experiência de uma longa carreira internacional: todo o estádio viu a falta, menos o juiz.
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Ao lado de Gigghia, Jairzinho é o único jogador a marcar gols em todas as partidas possíveis numa Copa. De grande explosão e força física, ganhou o apelido de "Furacão da Copa", mas o artilheiro foi Gerd Muller, com 10 gols, maior marca depois dos 13 de Fontaine em 1958.
Todos os campeões do mundo estavam nas semifinais: a outra partida pôs Alemanha e Itália frente a frente. Nas quartas-de-final os alemães se vingaram da bola duvidosa de 1966 eliminando os ingleses por 3 x 2. Os italianos deram um passeio nos anfitriães: 4 x 1.
Foi um jogo extremamente emocionante. Os italianos fizeram 1 x 0 e se fecharam lá atrás. Beckenbauer não deixou seu time desistir e os alemães empataram aos 44 minutos do segundo tempo. Um placar de 1 x 1 não parece tãããããão empolgante assim. O detalhe é que a prorrogação teve cinco gols. Aos 4 Muller fez para os germânicos; aos 8, Burgnich empatou. Riva virou para a azzurra aos 13. Muller voltou a empatar aos 4 do segundo tempo, mas Rivera desempatou um minuto depois. Beckenbauer jogou o tempo extra com o braço direito enfaixado; a Alemanha já tinha feito as duas substituições permitidas. Hoje em dia cada time pode fazer três. O futebol continua sendo o único esporte com um número tão baixo de trocas.
Os italianos estavam cansados depois daquela correria toda. Os brasileiros estavam emocionalmente exaustos depois de espantar o fantasma de 1950. Quem vencesse levaria para casa definitivamente a Taça Jules Rimet. O Brasil era o favorito, mas a Itália estava invicta há 18 jogos e mais de dois anos. O melhor ataque e a melhor defesa estavam frente a frente. Um ditado americano diz que "o ataque leva o público aos estádios, mas é a defesa que ganha os campeonatos".
Mais uma vez choveu no dia da final. O bom técnico da azzurra, Valcareggi, ex-auxiliar e sucessor de Helenio Herrera, o criador do catenaccio, deixou o grande armador Rivera no banco. Acreditava que o campo molhado prejudicaria os jogadores mais habilidosos. Armou seu time na retranca e esperou. Pouco. Uma cabeçada de Pelé inaugurou o placar. Na verdade o jogo estava tão fácil que o Brasil começou a brincar desnecessariamente. Clodoaldo tentou um passe de calcanhar na frente do ataque italiano e Bonisegna empatou. O Brasil não precisava passar por isso. A Itália ganhou novo ânimo e se fechou mais ainda.
Mas o esforço de correr o tempo inteiro atrás dos brasileiros acabou pesando. Gérson desempatou aos 20 do segundo tempo chutando de fora da área. Rivellino aumentou cinco minutos depois. E aos 41 o Brasil fez o mais belo gol em jogada coletiva da história das Copas. O DVD oficial da FIFA descreve-o assim: "se você já viu esse gol, aproveite para rever. Se não viu, eis um alerta: isso realmente aconteceu". O lance começa com Clodoaldo driblando quatro na defesa brasileira e acaba com Carlos Alberto acertando uma bomba de primeira, depois de passar por Tostão, Rivelino, Jairzinho e Pelé. Brasil 4 x 1. Pela segunda vez a seleção canarinho dispara uma goleada em final de Mundial. Inacreditável.
A Copa de 1970 foi a primeira a ser televisionada em cores para a Europa. Para o Brasil e grande parte do mundo foi a primeira vista ao vivo, graças à transmissão por satélite. As imagens da conquista de Pelé e companheiros seriam vistas em todo o globo e criariam definitivamente a lenda do "beautiful game". A imprensa européia escolheu aquele time o melhor de todos os tempos. Os belos gols da campanha povoam canais e programas esportivos até hoje. Os jogadores daquela conquista se tornaram lendas. Mas a era do jogo de toque, com a bola rodando de um lado para o outro enquanto se esperava a chance de um lance de ataque se encerrava ali. Uma pequena nação, que só profissionalizara seu futebol nos anos 60, armava a próxima revolução no esporte. O carrossel holandês.
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O time tricampeão: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza (Fontana) e Everaldo (Marco Antônio); Clodoaldo (Edu) e Gérson (Paulo César); Jairzinho, Pelé, Tostão (Roberto) e Rivellino.
GÉRSON
Quer saber o que fazia de Gérson craque? Pega os vídeos da Copa de 1970. Vê o segundo gol do Brasil contra os tchecos. Ele levanta uma bola da meia-cancha que cai no peito de Pelé, cercado de adversários, na área. Vê também o gol de desempate contra a Itália, com o chute preciso depois de esconder a bola dos adversários. Nem precisa ver o resto, ele organizando e comandando a seleção dentro de campo. Se Pelé era a alma daquele time, Gérson era indiscutivelmente o cérebro. Não por acaso os jogos mais duros foram contra a Inglaterra, quando ele não jogou, e contra o Uruguai, que destacou implacável marcação sobre o maestro. Mostrando que além de jogar ele ainda sabia comandar, o careca canhoto avisou a Clodoaldo para se mandar para a frente, pois ele ficaria mais atrás, atraindo os marcadores. Não deu outra, o empate saiu justamente em gol de Clodoaldo, praticamente ignorado pela defesa.
A perna direita de Gérson só servia para ele subir no ônibus, daí ele ser o Canhotinha de Ouro. Criado na era do 4-2-4, era um apoiador que organizava o time e defendia como poucos, sendo capaz não só de um lançamento preciso de 40 metros como de um chutão para o lado quando necessário. No começo de sua carreira, seu técnico mandava-o ajudar na marcação. Gérson não sabia e perguntou como fazê-lo. O treinador lhe explicou que só ficar parado na frente do adversário já ajudava, pois ele perderia tempo tendo que circundá-lo, tempo que poderia arruinar o ataque ou permitir à defesa o desarme. O apoiador assim fez e com a prática acabou se tornando um dos grandes ladrões de bola do meio-campo.
Mas foi justamente ajudar na defesa que o tirou do Flamengo. Flávio Costa teimou de pô-lo para marcar Garrincha, justamente numa das últimas grandes atuações do genial ponta. Gérson levou um baile, desentendeu-se com o treinador e os dois, de forte personalidade, se tornaram inimigos. O Canhotinha foi para o Botafogo. O clube da estrela solitária agradece até hoje.
"No princípio ele era afoito, corria muito. Depois chegou à perfeição como jogador de meia-cancha". O comentário é de Didi, a quem ele substituiu no Botafogo e na seleção brasileira. Com esplêndido sentido de organização e estratégia, chutador fantástico e ótimo driblador, Gérson era um brilhante estilista, com tanta visão de jogo que dizia-se que era um "técnico dentro de campo". Mas nem por isso ele tirava o pé nas divididas. Pelo contrário, raramente perdia uma e quebrou a perna de 3 adversários em sua carreira, sendo que só a de Vaguinho, do Coríntians, em 1971, foi por acidente. Em 1962 foi num lance com o rubro-negro Mauro, num treino contra os juvenis. "Ele veio para quebrar; eu só escorei", justificou-se o apoiador. A outra vítima foi o peruano De La Torre, num amistoso contra o Peru, como conta o Canhotinha, "o De La Torre já havia batido numa porrada de gente. Pedi para o Pelé passar uma bola dividida e entrei com a sola".
Com tal espírito de liderança e agressividade, Gérson era um jogador polêmico, amado por uns e odiado por outros. Paraná, da seleção de 1966, por exemplo, estava entre os últimos, tendo acusado o apoiador de ter comido pasta de dente para ter indisposição e não jogar contra Portugal na Copa. O Canhotinha realmente não participou da partida, mas teve diagnosticado naquele ano pedra nos rins, depois de sérias crises renais.
Falador e disposto a defender os jogadores contra os dirigentes, Gérson ganhou o apelido de "Papagaio" e, como consequência lógica, tornou-se comentarista depois de pendurar as chuteiras em 1975, quando jogava pelo Fluminense, para infelicidade do presidente tricolor, Francisco Horta, que acabara de contratar Rivellino e pretendia reviver a fantástica dupla de meio de 1970. Ele teve vários convites para ser treinador, mas, segundo diz, prefere ganhar quinhentos para falar mal dos outros do que mil para os outros falarem mal dele.
Gérson nasceu em 1941 e jogou por Flamengo, Botafogo, São Paulo e Fluminense. Atuou nas Copas de 1966 e 1970 e hoje é comentarista de renome. Infelizmente, em 1976, fumante inveterado que era, fumando até em intervalos de jogos, emprestou sua imagem para um comercial de cigarros, o Villa Rica. O anúncio pregava que aquela marca barata teria o mesmo sabor das mais caras, sendo por isso sua preferida, e terminava com ele explicando a razão: "gosto de levar vantagem em tudo". Esta frase foi usada fora de contexto para definir aproveitadores, corruptos e outros tipos afins, o que não corresponde em absoluto à personalidade do jogador, e acabou se tornando a chamada "Lei de Gérson".
TOSTÃO
O Santos era pentacampeão da Taça Brasil quando enfrentou o Cruzeiro em Belo Horizonte, em 1966. O placar foi de absurdos 6 x 2 para os mineiros (!!!!) Depois de anos vencendo os duelos contra o Botafogo, Pelé e amigos tinham finalmente um adversário de verdade. O que foi provado no jogo de volta, em pleno Pacaembu, quando os cruzeirenses viraram um 2 x 0 no primeiro tempo para 3 x 2. Os grandes destaques naquela equipe foram Dirceu Lopes e um garoto de 19 anos chamado Eduardo Gonçalves. Tão franzino e pequeno em sua infância que foi apelidado de Tostão.
Tostão, como Pelé, já nasceu um cracaço. Em 1958, quando a seleção conquistou a Copa da Suécia, ele foi carregado em triunfo pelas ruas de Belo Horizonte. Para seus conhecidos, ele simbolizava o futuro do futebol brasileiro. Começou a carreira no América Mineiro, clube do qual seu pai era torcedor fanático. Marcando dois gols numa vitória de virada sobre o Cruzeiro por 2 x 1, aos 18 anos foi contratado pelos cruzeirenses a peso de ouro. E como valeu. Até 1971 seria pentacampeão mineiro (4 vezes artilheiro), conquistaria a Taça Brasil, o torneio Roberto Gomes Pedrosa (artilheiro) e inscreveria seu nome na história do futebol mundial.
Tostão não era um jogador esfuziante. Como Pelé, mesmo na adolescência mostrava maturidade e economia em campo. Não desperdiçava tempo com nenhum drible que não encurtasse o caminho para a meta adversária. Anos depois, diria que seu técnico no Cruzeiro sempre perguntava aos jogadores: "você acha que jogou bem? Fez gol? Deu passe para gol? Sofreu pênalti? É assim que se mede atacante". Leitor de James Joyce e Herman Hesse nas concentrações, sua inteligência e visão de jogo ajudavam-no a antecipar a jogada tanto do adversário quanto do companheiro. Profissional e correto, continuava treinando sozinho depois que acabava a sessão do time, tentando corrigir seus pontos fracos, como o chute de direita.
Aos 19 anos, além de fazer 6 no Santos de Gilmar, Zito, Carlos Alberto e Pelé, Tostão ainda foi para a Copa na Inglaterra. Foi um dos poucos que não se queimou. Depois dos anos apáticos e confusos que se seguiram ao fiasco de 1966, foi convocado em 1969 para integrar as "Feras do Saldanha", jogando ao lado de Pelé, o que muitos diziam ser impraticável, já que atuavam na mesma posição. Saldanha provou que ambos podiam ser escalados juntos, levando o baixinho mineiro a ser o artilheiro das Eliminatórias.
Até que, num jogo pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa em 1969, Ditão, zagueiro do Corinthians, resolveu, sem nenhuma má intenção além de afastar o perigo, dar um chutão para a frente. E na frente tinha o Tostão.
A bola bateu no rosto do mineirinho e descolou sua retina esquerda, ameaçando sua visão. O craque foi operado em Houston, onde clinicava o dr. Roberto Moura (o do colírio), grande autoridade mundial. Sua recuperação foi lenta e no ínterim, Zagallo assumiu a seleção e o pôs na reserva de Pelé. Não só havia o problema da posição como o do olho. Mas atuações decepcionantes do ataque acabaram levando à efetivação de Tostão e o resto é história. Marcou 2 gols na Copa, fez diversos cruzamentos da esquerda, lançamento para o segundo gol contra o Uruguai e sua inesquecível jogada contra a Inglaterra, com um charles, 3 dribles sobre ingleses, sendo um por debaixo das pernas, e o cruzamento perfeito para o peito de Pelé. Recentemente Tostão admitiria que só partiu para aquele lance de efeito porque viu que iria ser substituído e resolveu tentar resolver, mesmo que de forma espetacular.
Em 1971 Tostão brigou com a direção do Cruzeiro e foi vendido para o Vasco em 1972 pela maior quantia já paga por um jogador no Brasil. Ele não chegou a ter pelo clube cruzmaltino as mesmas grandes atuações da época da Raposa mineira e, em 1973, sua retina inflamou, afetando sua visão e ameaçando deixá-lo cego, o que o levou a abandonar o futebol aos 26 anos, quando a maioria dos craques está ainda chegando ao seu auge. Uma pena que na época não houvesse ainda os óculos de proteção que jogadores como Davids, que sofre de glaucoma, usam.
Tostão fez vestibular para Medicina, foi aprovado e desapareceu no anonimato durante 20 anos. Antes da Copa de 1994 foi convidado por Luciano do Valle para ser comentarista e, surpreendentemente, aceitou, depois de tanto tempo afastado do futebol. E, não satisfeito, mostrou ser um analista arguto, discorrendo sobre táticas, apontando detalhes significativos de modo muito mais articulado que a média dos locutores, tornando-se extremamente bem-sucedido, como em tudo que tentou na vida. Logo tinha uma coluna também nos principais jornais do país. Curiosamente, quando de sua "ressurreição", durante uma entrevista a uma revista, para fazer a foto foram procurar uma bola de futebol. Tiveram que procurar no vizinho.
Tostão jura que passou duas décadas afastadas do futebol para se dedicar à medicina e não por mágoa. Mas é difícil de acreditar, depois de sua volta espetacular. Por que negar esse talento ao mundo?
RIVELLINO
Roberto Rivellino nasceu em 1946. De família originária da Itália e craque no futebol de salão (hoje conhecido como futsal), em 1962 foi fazer teste no clube da colônia italiana, o Palmeiras, e foi recusado. Saiu dali, foi para o maior rival, o Coríntians, e foi aprovado. E já em 1965, com 19 anos, estava na seleção brasileira.
Do futebol de salão Rivellino trouxe para os gramados o esplêndido controle de bola, o chute forte, preciso e repentino e a capacidade de driblar em espaços mínimos. O raciocínio rápido desenvolvido na quadra pequena transformou-o em excelente armador. Também era ótimo lançador e foi o criador do drible do elástico, em que empurrava a bola com o lado externo do pé, passando-o por debaixo dela no percurso para trazê-la de volta e sair pelo outro lado. Romário volta e meia gostava de repetir esse lance.
Deslocado como ponta-esquerda recuado na Copa de 1970, foi um dos destaques do torneio e marcou 2 gols em potentes chutes, que lhe valeram o apelido de Patada Atômica. Depois que Pelé abandonou o escrete canarinho, herdou a camisa 10 sem que ninguém discutisse, bem como o status de maior craque do Brasil, e seu prestígio não foi abalado com a má campanha na Copa de 1974; pelo contrário, foi um dos poucos que se salvou aos olhos dos analistas e torcedores.
Com tanto prestígio, vários títulos pela seleção e sem nunca ter ganho um campeonato com o Coríntians, Rivellino começou a ser visto com inexplicável suspeita pela Fiel. Em 1974, depois de perder um título para o Palmeiras, o presidente Vicente Mateus o acusou de boicote e ele pediu para ser vendido, transferindo-se para o Fluminense, que à epoca montava uma equipe inesquecível, com Carlos Alberto, Doval, Paulo César, Dirceu e Marco Antônio, onde finalmente seria campeão por um clube. Campeão não, bicampeão.
Rivellino ainda disputaria a Copa de 1978, mas problemas físicos impediram que fosse titular da equipe. Encerrou sua carreira em Mundiais com um campeonato, um 3o. lugar e um 4o. lugar, uma excelente média. De volta ao Brasil, transferiu-se para o El Helal da Arábia Saudita, em busca dos dólares do petróleo, onde permaneceu até 1981.
Depois de discutir com a direção do El Helal, Rivellino tentou juntar-se ao São Paulo, mas o clube árabe não liberou seu passe e o apoiador encerrou a carreira, ainda em ótima forma. Tornou-se comentarista de futebol, não particularmente brilhante, e desde 2004 é dirigente do Coríntians.
JAIRZINHO
Em 1965 Garrincha foi vendido para o Coríntians. E os botafoguenses mal sentiram sua falta. Um garoto de 20 anos, recém-saído dos juvenis, herdou aquela mitológica e lendária camisa 7 listrada e começou a marcar gols sem parar. Foi perfeito para ambos. Nenhum outro atacante driblador poderia lutar contra a mística de Garrincha. Mas um rapaz grande, forte, rápido e excelente finalizador, típico jogador dos novos tempos de vigor e força física, não teria que lutar contra a lembrança das espetaculares jogadas do Anjo de Pernas Tortas. E ajudaria a conduzir o clube da estrela solitária na transição para o futebol moderno.
Jairzinho morava na rua General Severiano e acabou frequentando o clube, fazendo um teste e sendo contratado. Dispunha de boa técnica, mas não excepcional. Sua principal qualidade era a velocidade extraordinária para alguém tão forte. Quando arrancava era difícil pará-lo e os zagueiros eram levados de roldão. Com Gérson por trás para providenciar os lançamentos na corrida, ele fez tanto sucesso que foi convocado para a Copa de 1966, para a reserva de... Garrincha.
O semideus do futebol já começara sua decadência, e Jairzinho acabou jogando contra Portugal. Afundou junto com o time, mas o fracasso não atrapalhou sua carreira. De volta ao Botafogo ganhou a camisa 10 e o comando do ataque, fazendo parte da grande equipe bicampeã carioca em 1967/1968. Esteve entre as Feras do Saldanha nas eliminatórias de 1969 e foi como nome indiscutível para a Copa de 1970. Com seus chutes fortes e precisos, fez gols em todos os jogos até a final, totalizando 7. A velocidade de suas arrancadas trouxe-lhe o apelido de "Furacão da Copa".
Jairzinho era um atacante perigosíssimo, mas não era um jogador de soberba técnica. Dependia muito de seu vigor físico, num estilo mais europeu, tanto que na Europa ele é sempre lembrado como um dos destaques da seleção de 1970, na frente de outros craques mais lembrados aqui no Brasil, como Rivellino, Gérson e Tostão. Em 1974 ele era o centroavante canarinho na Copa de 1970, mas já beirando os 30 anos não dispunha da mesma força e não conseguia mais levar os zagueiros em suas arrancadas. Não teve boas atuações e, findo o torneio, seguiu para o Olympique de Marselha, para onde havia acertado sua transferência antes mesmo do Mundial.
Previsivelmente ele não foi bem e voltou depois de uma temporada para o Cruzeiro. Em 1976 sua experiência foi fundamental para a conquista da Libertadores, na época um torneio extremamente catimbado e violento, onde torcedores atiravam pedras e defensores marcavam atacantes usando alfinetes e estiletes (é sério!). Em seguida perambulou por clubes de menor expressão até encerrar a carreira.
Jairzinho nasceu em 1944 e atualmente é empresário, tendo sido um dos descobridores de Ronaldo Fenômeno.
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1 comentário:
Desculpe-me, mas discordo que o lance do gol começa com Clodoaldo, mas que eu saiba o lance começa bem antes destes dribles (que se redimiu depois do rídiculo passe de canhota para o gol dos italianos). Percebo que com a roubada de bola na zaga é onde começa. Tostão recupera e assim depois vem. Se não me engano, acredito que 9 (dos 11 jogadores) tocam na bola antes do gol do Capitão Carlos Alberto.
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