Neste mês é o centenário de Carlos Marighella. Político, guerrilheiro, terrorista, combatente da liberdade, comunista, você escolhe o epíteto. Entretanto, em pesquisa internacional realizada no final do século XX, foi o único brasileiro escolhido entre as pessoas mais influentes da centúria que se encerrava. Leia aqui a primeira parte deste artigo sobre o homem e por que ele ocupa esta posição.
Apesar do sucesso cubano, a morte de Che Guevara demonstrou a impraticabilidade de se começar um levante comunista na América Latina começando pela área rural. Dificuldade de movimento, falta de interesse dos habitantes, apoio americano aos governos, escassez de provisões e abastecimento, tudo conspirava contra os conspiradores. E era preciso que o povo tivesse um mínimo de consciência política para que algo pudesse funcionar, o que era raro no campo então. Não por coincidência, nos anos 60 e início dos 70 os países mais desenvolvidos da região foram exatamente os que tiveram problemas com luta armada. Exceto o Chile, onde a esquerda realmente chegou ao poder, democraticamente, e tomou ela um golpe militar nas fuças.
Foi pensando assim que Carlos Marighella, o ex-deputado e grande ativista comunista, chegou à conclusão de que as cidades, experimentando inédito e exponencial crescimento (na década de 60 pela primeira vez na história mais de 50% da população morava em cidades na América Latina), é que deveriam ser o berço da revolução. Nelas havia um imenso potencial de seguidores nos desempregados e subempregados, favelados e mesmo estudantes. Todos com instrução suficiente para almejar algo melhor na vida. Nelas havia maior concentração de poder - e alvos vulneráveis. Nelas havia acesso direto e imediato ao povo através da mídia, com repercussão bem maior de seus feitos. Nelas havia facilidade para se esconder e desaparecer na multidão, bem como rotas seguras e conhecidas para ataque e fuga.
Marighella também acreditava, como Che, no foco, um núcleo de guerrilheiros profissionais precipitando a crise na sociedade que levaria à revolução. Trabalhando nas cidades, eles acabariam atraindo as forças governamentais, o que abriria espaço para um insurreição nos campos - Marighella só acreditava no sucesso de um levante se simultâneo tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas.
A guerrilha urbana desmoralizaria a sociedade. Aplicando técnicas criminosas e uma astuta manipulação da mídia, os revolucionários afastariam o povo do governo, minando sua autoridade por sua incapacidade de lidar com os problemas. Como as lembranças da Independência da Argélia ainda estavam frescas na memória de todo mundo, Marighella acreditava que as forças governamentais partiriam para uma dura repressão. Isso polarizaria ainda mais a sociedade, cuja insatisfação com a impotência de seus líderes a levaria para o lado dos insurretos.
Esta ideia foi tão influente que praticamente todas as organizações terroristas dos anos 70 a adotaram, seguindo seu manual fielmente (como, aliás, é típico de qualquer fanático). O IRA mobilizou forças consideráveis do exército inglês por um período bem maior do que qualquer guerra que os britânicos tivessem travado. Os governos alemão e italiano tiveram que adotar medidas especiais na caça aos seus radicais. E, para os cariocas, o parágrafo acima deste parece tremendamente familiar: os traficantes seguiram essa política de desmoralização das autoridades com tremenda competência. O que faz sentido, dada a fama de uma de suas facções de ter nascido do convívio de criminosos comuns com prisioneiros políticos nos anos 70. As diversas paralisações da cidade, execuções e tiroteios deixaram a cidade do Rio durante muito tempo em estado de pânico e transformando o tráfico no famoso "poder paralelo".
Mas esse estado de pânico diminuiu consideravelmente nos últimos anos com a implantação das UPPs. Se elas vão realmente ser uma solução a longo prazo é algo ainda a se ver, mas foi praticamente um exemplo do que aconteceu na maioria dos casos com os seguidores de Marighella. As forças governamentais se organizaram e em vez de uma brutal repressão apenas aumentaram o cerco aos insurgentes, como na Alemanha e na Itália, em que leis especiais foram aprovadas para combater o terrorismo. E sem que para isso fosse necessária a criação de um estado policial. Em outros exemplos, a repressão foi tão brutal que o movimento guerrilheiro simplesmente foi extinto antes que pudesse haver qualquer polarização, como os Tupamaros no Uruguai.
Mesmo com o fracasso de suas ideias nos anos 80, que assistiram na América Latina à ressurgência da guerrilha rural (FARC, Sendero Luminoso, sandinistas), Marighella e seu manual fizeram da década de 70 uma época assustada e preocupada com o fim da democracia e da liberdade. Até mesmo no terrorismo islâmico pode se sentir a influência do brasileiro. O terror foi uma das maiores marcas daquela era e as impressões digitais do ex-deputado do PCB estavam espalhados por ele. Pode não ter sido a importância que o Brasil queria ou merecia, mas foi a que mais contou para o povo de fora no século XX. Felizmente hoje em dia isso está mudando e os líderes brasileiros vêm cada vez mais e mais se tornando figuras mundialmente reconhecidas e influentes.
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