Um dos mais macabros fatos da tragédia de Santa Maria foi a menina que postou no Facebook "Incêndio na KISS socorro". Em primeiro lugar, pelo sangue-frio de digitar "incêndio" em vez do curto "fogo" e pelo detalhe de ativar as maiúsculas pra escrever o nome da boate. O horror que deve ter sido, o desespero pra tentar pedir ajuda pela rede social. Só um possível efeito calmante ativado pela digitação no telefone pode explicar tal preciosismo nessa hora.
Numa hora de desespero dessas, as pessoas buscam o que lhes dá mais conforto. Clamam pela mãe, oram para seus deuses. A menina digitou no seu celular. Assim como quando estamos entediados e sacamos nossos telefones do bolso e começamos a vasculhar nossos contatos pela internet. Sem perceber, estamos nos treinando. Estamos relacionando uma sensação de aconchego, de envolvimento emocional, com nossos aparelhos conectados, com nossa rede de amigos virtuais sempre presentes para nos consolar e nos embalar. Enquanto esperamos a reunião de trabalho, a nota da prova, a fila que não anda, o resultado do vestibular, o início do show, o "sim" de quem desejamos...
Implorávamos aos deuses misericórdia em outros tempos. Hoje em dia no momento de desespero clamamos por socorro nas redes sociais. Tanto os primeiros quanto os últimos são entidades incorpóreas que pouco podem fazer para nos ajudar, a não ser quando são os pontos focais de outras pessoas em busca de um melhoramento, em busca de um objetivo comum de aperfeiçoamento de nós mesmos e do mundo. Mesmo quando cooptados por aproveitadores interessados apenas em lucrar.
Deuses e redes sociais não oferecerão a ninguém miraculosa ajuda sobrenatural na hora do desespero. Podem acalentar ou confortar, porque são os dois calcados na ideia de comunidade, no conceito de que somos apenas parte de um grande todo e a perda de nosso corpo não é uma perda total e irrevogável. A vida nos envolve mesmo quando isolados. Se alguma vida permanece, a morte não é soberana. E mesmo textos reduzidos a sinais elétricos em servidores perdidos no espaço é vida para nós. Porque somos humanos. E qualquer comunicação nos faz uma comunidade. Qualquer relacionamento nos faz imortais. Qualquer sopro de vida que resista e a morte não vencerá.
janeiro 28, 2013
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