Agora é oficial. O livro que escrevi para adolescentes sobre a história da Copa do Mundo não vai dar mais tempo de sair antes do Mundial da Alemanha. Talvez se ganharmos... enquanto isso, vou publicá-lo aqui em capítulos, até porque acho que ficou legal.
Tentando fazer algo no estilo do "Outline of History", do H. G. Wells, procurei mostrar a história do futebol como um processo contínuo e evolutivo, tentando ao mesmo tempo ligá-lo a um contexto histórico e sociolóigico. Acho que pelo menos como um painel da evolução do jogo, explicando por que jogadores como Puskas, Cruyff e Ademir foram importantes no desenvolvimento do esporte, eu consegui.
Talvez não seja minha melhor prosa, já que dispus de apenas um mês para pesquisa e confecção, nas horas vagas do TRT. Só no que eu já revi encontrei erro à beça. Mas eu escrevo bem - tá gostoso de ler.
A ORGANIZAÇÃO DA PRIMEIRA COPA:
Sete países europeus - Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Suécia e Suíça - fundaram a FIFA em 1904, graças aos esforços do Presidente da União de Sociedades Francesas de Esportes Atléticos, Robert Guérin. Que se tornou também o primeiro presidente da FIFA. Imediatamente começaram os planos de um campeonato mundial.
A entidade realizou vários congressos entre 1904 e 1913, aumentando sempre o número de afiliados, mas ninguém se animava a promover um torneio mundial. As viagens transcontinentais eram lentas, caras e complicadas. Não dava para os times de futebol organizarem uma pequena baderna e paquerarem as aeromoças no 14-bis. Como se pode ver pelas fotografias da época, nem as cores haviam sido inventadas ainda.
Após uma pausa em suas atividades entre 1914 e 1918, por causa de um pequeno detalhe chamado Primeira Guerra Mundial, e um novo presidente, Jules Rimet, a FIFA começou a levar mesmo a sério a história de montar uma competição internacional. Em 1924, depois das Olimpíadas, Rimet reuniu vários presidentes de federações nacionais para mostrar que o torneio olímpico de futebol reunira 25 participantes de vários continentes e dera milhares de francos de lucro. Havia condições para organizar um certame mundial do bárbaro esporte bretão.
E a chance apareceu em 1928, após Rimet rodar a Europa tentando convencer os sujeitos que mandavam nas federações nacionais a levar a história adiante. Na Olimpíada daquele ano vários dos principais países do futebol não puderam participar porque já estavam se profissionalizando e os Jogos Olímpicos ainda eram teoricamente para amadores. Além do mais, a FIFA lutava com o Comitê Olímpico Internacional pelo controle do esporte a nível mundial. Num congresso naquele ano eles decidiram que "futebol internacional não mais pode ser confinado aos limites de uma Olimpíada, e muitos países onde o profissionalismo é organizado e reconhecido não podem mais ser representados pelos seus melhores jogadores". Até hoje o Comitê Olímpico e a FIFA brigam pelo controle do futebol olímpico.
O vice-presidente da FIFA, Rodolfe Seedrayers, propôs que o país que tivesse a honra de organizar a Copa pagasse, em ordem de prioridade, pelo transporte e acomodações de juízes, membros da FIFA e delegações. Como já explicado, na época ainda não existia desconto por reservas de vôo pela Internet, então tudo sairia muito caro. Quem se interessaria em sediar o torneio?
Teria que ser um país que estivesse comemorando o centenário de sua independência, pois o governo estaria disposto a pagar por vários tipos de comemorações e eventos. Um país que estivesse animado com o bárbaro esporte bretão por ter sido bicampeão olímpico, em 1924 e 1928, sendo considerado o melhor time (não-inglês) da época. Um país chamado Uruguai.
Que ficava do outro lado do mundo para os europeus. Mas que ainda assim levou tudo adiante e tornou a Copa uma realidade. O futebol teria seu torneio internacional.
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Jules Rimet mandou pessoalmente forjar a Copa do Mundo, que dava nome à competição, em ouro maciço. O regulamento previa que o país que fosse campeão três vezes ficaria com o troféu permanentemente. Após a morte de Rimet, a taça foi rebatizada com seu nome.
Um futebol já bem diferente daquele oficializado em 1863, pois com a mudança da regra do impedimento em 1866 os times começaram a pensar em organização tática. E em 1925 a regra mudou novamente, levando a uma revolução que estava apenas começando na época da primeira Copa do Mundo. A revolução do WM.
AS PRIMEIRAS TÁTICAS DO FUTEBOL:
O Penta sempre que pega a bola tenta driblar todo mundo. Infelizmente até a trave consegue desarmá-lo. Dizem alguns que a linha do círculo central também já conseguiu tomar a bola dele. Mas quando o futebol surgiu essa era a tática. Qualquer jogador à frente da bola estava impedido, logo virtualmente não existia o passe. A única instrução tática nos manuais era que quem perdesse a bola tinha que correr atrás do sujeito que a pegou. O jogo era tão chato que mudaram a regra em 1866 e o jogador só estava impedido se estivesse à frente da bola e tivesse menos de três adversários entre ele e o gol.
Em pouco tempo os atletas começaram a descobrir o passe. A princípio curto, porque ninguém nunca tinha visto nada parecido e a imaginação deles ainda não tinha se alargado tanto. Mesmo assim os jogadores tiveram que começar a pensar onde ficar em campo, para evitar - ou usar - essa nova arma. E, em 1883, o Blackburn foi o campeão da Copa da Inglaterra massacrando os adversários porque descobriu que podia usar o passe longo. Principalmente para inverter a jogada de uma ponta para outra. Parece que os oponentes corriam todos para o sujeito com a bola, ele mandava para o outro lado do campo e os defensores, irados, iam perguntar para o juiz, "ei, isso não é antiesportivo, mandar a bola para longe de nós?"
Não, não era. Em pouco tempo os jogadores de futebol tinham que saber dar passes, lançamentos, dominar uma bola no peito, pelo alto, na corrida, ou, no caso do beque, interceptar e cortar essas jogadas. E os times começaram a se organizar no sistema que dominaria o mundo até princípios dos anos 50. A pirâmide, ou 2-3-5.
FIGURA 7
A princípio, olhando para o esquema, parece quase uma pelada. Dois beques para marcar cinco atacantes? Até o Penta poderia organizar um time melhor. Mas é preciso lembrar que para um jogador não estar impedido ele precisava ter entre ele e o gol pelo menos dois zagueiros além do goleiro. E se estivesse na mesma linha que eles também era impedimento. Ou seja, se qualquer um dos dois defensores na última linha se adiantasse um pouquinho, os atacantes todos ficavam sem condições de jogo.
Além disso, a "linha média" não era um meio-campo de verdade. Era uma espécie de primeira linha de defesa, totalizando cinco defensores. Cada um marcava o seu, a marcação "homem-a-homem". Os médios esquerdo e direito marcavam os pontas, os beques marcavam os meias e o centromédio marcava o centroavante. Os atacantes evitavam jogar entre as duas linhas de defesa porque poderiam ficar impedidos facilmente.
Ninguém tinha muito preparo físico e coisas como antibióticos, raios-x e cápsulas de vitaminas ainda não tinham sido inventadas. Então todo mundo jogava muito parado e o jogo funcionava assim: o beque pegava a bola e passava para os médios, que lançavam um dos atacantes, que cruzava para a área. Este sistema foi criado na Inglaterra e até hoje os britânicos preferem jogar com bolas altas em lançamentos longos e cruzamentos.
Como o centromédio ficava no meio ele podia lançar tanto pela esquerda quanto pela direita, o que o tornou o principal organizador do time e deu-lhe mais liberdade para avançar. Como ele também marcava o atacante mais perigoso, o centroavante, ele logo se tornou o grande jogador em campo. Foi a época de ouro do centromédio atacante, posição que no Brasil consagrou Fausto, "a Maravilha Negra" e Danilo, "o Príncipe" (e que, além de bater um bolão, inventou o corte de cabelo "príncipe Danilo". É sério).
Mas em 1925, depois de anos e anos com a média de gols caindo mundo afora, a regra do impedimento foi mudada novamente. Com apenas dois jogadores entre ele e o gol um atacante não estava mais impedido. No primeiro campeonato inglês com o novo regulamento foram marcados 60% a mais de gols. E o técnico do Arsenal, Herbert Chapman, resolveu estudar o caso. Após muita pesquisa, descobriu que o centroavante, o atacante que jogava mais perto da meta, era quem mais estava marcando gols. E, provavelmente após mais longos e demorados estudos, chegou à brilhante conclusão de que alguém precisava marcá-lo.
Tudo bem, não parece uma dedução difícil ou uma conclusão brilhante, mas aquele era um tempo em que ninguém ainda tinha aprendido a falar, pelo que se vê nos filmes da época. De qualquer forma, Chapman conseguiu contar suas idéias e criou no Arsenal a primeira mudança no futebol: o W-M, que, pelos padrões modernos, seria conhecido como 3-4-3, ou, mais exatamente, 3-2-2-3.
FIGURA 8
Chapman recuou o centromédio para a última linha de defesa, com a missão de marcar o centroavante. Seus companheiros, os laterais, deveriam marcar os pontas adversários. A nova formação dava mais solidez à defesa, pois se o ataque viesse pela direita, o lateral marcaria o atacante em seu setor e o centromédio poderia ficar na sobra, enquanto o outro lateral cobria o meio.
O novo defensor, agora chamado de "stopper", "beque parado" ou "zagueiro central" (denominação herdada até hoje) mudaria a forma do jogo. O centroavante leve e técnico como Matthias Sindelar, tão magro que era conhecido como "homem de papel", daria seu lugar a um mais forte fisicamente, capaz de dividir a bola ou disputar um cruzamento com seu marcador. A nova linha média, agora encarregada de marcar os meias, ficou com apenas dois jogadores, pouco para criar as jogadas para os cinco atacantes. Assim, Chapman, para equilibrar a armação, recuou os meias, formando o primeiro meio-campo de verdade de que se tem notícia.
Com esse novo meio-campo a criação de jogadas de ataque foi dividida pelos meias e as distâncias ficaram menores. Uma vez com a bola, a defesa passava-a para os médios, que passavam para os meias, que passavam para os atacantes. Jogadores capazes de lançamentos longos ou de carregar a bola desde a defesa até o ataque, os centromédios atacantes, já não eram mais tão fundamentais para o time. Era o começo da tática sobrepondo-se à técnica.
Se enfrentasse uma equipe que usasse a pirâmide, o time em WM poderia usar os meias enfiados entre as duas linhas de defesa adversária e, quando perdesse a bola, teria quatro jogadores para marcar a criação adversária. Como já vimos, no 2-3-5 quem realmente armava o time era o centromédio atacante e, quando ele recebesse a bola, sofreria combate dos dois meias. Ao avançar teria os médios pela frente para atrapalhá-lo. Ou seja, quem usasse o WM estaria em vantagem tanto no ataque quanto correndo atrás da bola. No caso de um jogo contra outro WM a marcação seria homem-a-homem, com cada atleta tendo um oponente para marcar exatamente em sua posição.
Entre 1927 e 1938 o Arsenal, usando o WM venceria cinco vezes a Liga Inglesa e duas vezes a Copa da Inglaterra, na época os melhores campeonatos do mundo. No final dos anos 30 a tática de Herbert Chapman seria o padrão nas ilhas britânicas, espalhando-se pelo planeta nos anos 40. No Brasil, os primeiros a usá-la foram o húngaro Dori Krueschner, no Flamengo e Gentil Cardoso, no Bonsucesso.
GENTIL CARDOSO
Cansado com um atleta que teimava em passar somente bolas altas, que o ataque invariavelmente não conseguia dominar, Gentil Cardoso chegou para ele e perguntou:
- A bola é feita de quê?
- De couro.
- O couro vem de onde?
- Da vaca.
- E a vaca come o quê?
- Grama.
- Então bota a bola na grama. No chão. Rasteira. Como ela gosta.
Gentil Cardoso introduziu no Brasil o WM e o quadro-negro para explicar aos jogadores onde deveriam se posicionar e para armar as jogadas, hoje substituído pelo laptop. Mas, apesar de tudo isso e de ter colecionado títulos por onde passou, nunca teve o reconhecimento devido. O próprio Gentil sabia um dos motivos, quando se apresentava como "o moço preto dos pequenos". Se até hoje é difícil encontrar um técnico negro no comando de um grande time, nas décadas de 30 a 50 era quase impossível.
Gentil, nascido em 1901, foi um centromédio medíocre e marinheiro. Em suas viagens esteve em Londres, viu o Arsenal jogar e quando voltou foi o primeiro a aplicar o WM em nossas terras, no Bonsucesso, em 1931. Com a nova tática e Leônidas na linha de frente, o clube teve o ataque mais positivo do campeonato, com 58 gols, aplicando uma histórica goleada de 6 x 2 sobre o Flamengo. Mas ainda assim, a cada derrota de sua equipe - e eram muitas, afinal era um time pequeno - os jornais não perdoavam, sempre com uma caricatura de Gentil, seu quadro-negro, seus "W" e seus "M".
Gentil Cardoso chegou a ser cogitado para a seleção e treinar clubes grandes, mas nunca durou muito neles. Defensor dos direitos dos jogadores, os dirigentes o chamavam de "crioulo sestroso" e "papagaio falador". Nem mesmo o histórico título com o Fluminense em 1946 ajudou muito. O Vasco, achando que tinha atacantes demais, após vencer invicto o campeonato de 1945, dispensou Ademir. Gentil prometeu "dêem-me Ademir e eu lhes darei o campeonato". Promessa cumprida, o Vasco voltou correndo para trazer de volta o craque. Não o técnico.
Mas Gentil treinou o Vasco e levou-o ao título, em 1952. Durante a comemoração disse "o povo está comigo e quem está com o povo não perde o poder". Foi o motivo que os dirigentes vascaínos deram para trazer de volta Flávio Costa, a antítese de Gentil, que o chamava de "moço branco dos grandes".
Gentil também criou outras grandes frases e expressões do futebol. "Quem se desloca, recebe. Quem pede tem preferência" sintetiza a idéia do ataque no futebol moderno. "Zebra" e "cartola" são outros termos criados por ele. Resumindo sua visão de vida, disse certa vez: "Gandhi, Cristo, Comte e Vargas foram a razão de ser da inteligência, do amor e da pureza. Vivo com Deus no coração, mas não me afasto de nenhum deles''
Gentil faleceu em 1970, vítima de úlcera gástrica. Foi cotado pela última vez para dirigir a seleção na Copa de 1958. Passou seus últimos anos dirigindo clubes menores, justificando sua auto-definição de "moço preto dos pequenos".
A COPA DE 1930
Estava tudo pronto para começar a Copa do Mundo. Só faltavam os participantes. Sul-americanos e até norte-americanos estavam prontos para encarar, mas os europeus não estavam lá com essa animação toda. Eles tinham vários motivos: o Uruguai era longe, longe, muito longe, o que exigiria duas semanas para ir e duas para voltar. Somando com os vinte dias de torneio, seriam dois meses sem os jogadores no país. E grande parte deles era ainda de amadores, o que significava que eles não podiam ficar tanto tempo longe dos empregos!
Mas o principal motivo era que aqueles dignos europeus tinham medo de vir para um rincão tão distante sem as benesses da civilização, tais como o cinema sonoro, a sulfa, a pílula com lombriga para emagrecer (existiu mesmo!) e a guerra mundial. Ninguém tinha muita idéia do que seria a América do Sul naquela época sem tevê e na infância do rádio. Foi preciso muito esforço de Jules Rimet, o presidente da FIFA, para convencer a federação de seu país, a França, do país do vice-presidente, Bélgica, e uma ajudinha dos amigos para trazer Iugoslávia e Romênia. À essa turma européia juntaram-se Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Brasil, da América do Sul e Estados Unidos e México, da América do Norte. A Inglaterra, apesar de ter perdido para a Espanha no ano anterior, continuava a ignorar a FIFA e a Copa, por se julgar muito acima dos outros times.
O Brasil não mandou seu melhor time para o Uruguai. Para quem acha que hoje em dia é muito grande a rivalidade entre cariocas e paulistas, basta saber que nenhum jogador de São Paulo foi com a seleção porque não havia nenhum paulista na comissão técnica. A Federação Paulista proibiu todos os atletas a ela filiados de se apresentarem. Esta briga idiota acabou com a chance de Friedenreich de jogar uma Copa.
A primeira fase do torneio era classificatória. Com treze participantes, eles foram divididos em um grupo com quatro e os outros com três. O vencedor de cada chave se classificava para as semifinais eliminatórias. O Uruguai ganhou sua vaga com 1 x 0 sobre o Peru e 3 x 0 sobre a Romênia. A Argentina se classificou fazendo 1 x 0 sobre a França, 6 x 3 sobre o México e 3 x 1 sobre o Chile. Os americanos, com um time de jogadores de ligas semiprofissionais que em breve desapareceriam, fez 3 x 0 sobre a Bélgica e sobre o Paraguai, e seguiram adiante.
O Brasil, com seu meio-time, mal preparado devido ao tempo que se perdeu discutindo, sob uma temperatura de -2 graus centígrados, estreou contra os iugoslavos acostumados ao frio. Antes que os jogadores pudessem aquecer, já estavam perdendo por 2 a 0. Somente se destacaram Fausto, "a Maravilha Negra", o nosso centromédio atacante, e Preguinho, que marcou para a seleção aos 16 minutos do segundo tempo. Os brasileiros, digo, os cariocas, se entusiasmaram, avançaram, ignoraram a violência adversária e chutaram mais de dez bolas ao gol, mas não conseguiram empatar. No jogo seguinte a Iugoslávia fez 4 x 0 na Bolívia e garantiu a vaga. Sobrou para a equipe brasileira golear a Bolívia também por 4 x 0 num jogo que não valia mais nada.
Os uruguaios arrasaram nas semifinais nossos carrascos, pelo placar de 6 x 1, curiosamente o mesmo escore da outra semifinal, Argentina 6 x 1 Estados Unidos. Estava armada a reprise da final olímpica de 1928.
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A final aponta o único vencedor de um torneio. As semifinais são conhecidas como meias-finais em outros países, porque serve para indicar dois times para as finais, ou seja, é metade do que se decide numa final, daí o nome. Do mesmo modo, as quartas-de-final indicam quatro times para as semifinais, ou seja, é um quarto do que se decide numa final, e as oitavas-de-final indicam oito times para as quartas, ou seja, é um oitavo do que se decide numa final. O nome dos jogos que indicam dezesseis participantes para as oitavas é... hm... deixa eu ver... jogo eliminatório e não se fala mais nisso.
O Uruguai saiu na frente, mas a Argentina virou para 2 x 1. Os uruguaios empataram e passaram a jogar recuados, aguardando os portenhos em seu campo para partir para o contra-ataque. A tática deu resultado e o jogo acabou 4 x 2 para os anfitriães. Com o futebol ainda nos primórdios dos sistemas de jogo, várias seleções começaram a jogar assim, porque afinal era a maneira do campeão do mundo.
Por causa das brigas idiotas o futebol brasileiro perdeu uma excelente chance de conquistar seu primeiro título mundial. Três dos times que jogaram a Copa excursionaram pelo Brasil, que os enfrentou com a equipe completa. A Iugoslávia foi derrotada por 4 x 1, os americanos por 4 x 0 e a França por 3 x 2. Em 1931, na Copa Rio Branco, a seleção bateu os campeões do mundo no Rio de Janeiro por 2 x 0, com gols de Nilo. Na revanche, em Montevidéu, no ano seguinte, Nilo não jogou, mas seu substituto fez os dois gols da vitória brasileira, iniciando seu período como grande ídolo do esporte nacional. Mas, ao contrário de Friedenreich, Leônidas da Silva deixaria seu nome indelevelmente inscrito na história da Copa do Mundo, em 1934 e 1938.
ANDRADE
Preto, pobre e centromédio, poderia ser este o slogan de José Leandro Andrade. Nascido em Montevidéu em 1901, Andrade saiu da miséria para o mundo e se tornou o primeiro astro negro internacional. Os europeus o descobriram nas Olimpíadas de 1924, quando o Uruguai, único país sul-americano no torneio do bárbaro esporte bretão, foi o campeão. Eles nunca haviam visto um negro jogar e causava-lhes surpresa que ele desarmasse os adversários apenas com sua agilidade, sem lhes tocar o corpo, ao contrário da maneira que se jogava no Velho Mundo, com muita força e contacto físico, tradição herdada dos tempos em que rugby e futebol compartilhavam regras.
Também era novidade para os europeus as fintas e dribles de Andrade e seus companheiros. Segundo uma testemunha da época, o jogador da seleção alemã Richard Hoffman, "ele era um sujeito alto com movimentos elásticos, que sempre preferiu o jogo direto e elegante, sem contacto físico, e estava sempre vendo vários lances à frente. Ele visivelmente se divertia jogando (...) mesmo durante o jogo estava sempre distribuindo sorrisos amigáveis". Foi com Andrade e a seleção uruguaia que se cunhou a distinção entre o jogo sul-americano, bonito e cheio de improviso, e o europeu, disciplinado taticamente, físico e eficiente.
Em suas viagens pelo mundo Andrade ficou conhecido como um consumidor desenfreado e frequentador da noite, chegando a ensinar passos de tango a Josephine Baker em Paris. Mas sua carreira acabou em 1938 e o futebol ainda estava nos primórdios do profissionalismo. Em 1956 um jornalista conseguiu localizá-lo morando num porão, cego de um olho e doente, acompanhado apenas por sua bela e leal esposa. No ano seguinte ele faleceria. Suas únicas posses eram uma velha cama, uma cômoda e uma caixa de sapatos repleta de medalhas.
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