agosto 30, 2007

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A coluna hoje do CONTROLE REMOTO no Segundo Caderno tem um editorial (???) dizendo que a tevê brasileira não produz obras-primas como ROMA (???) ou OS SOPRANOS (???) porque não pode tratar de assuntos como homossexualismo e violência.

Ainda esta semana, na coluna do genial comentarista de futebol americano .Gregg Easterbrook (clique, vale a pena, ele não fala só de futebol americana, fala de astrofísica, mulher pelada, ficção científica, história em quadrinhos, aviões a jato, o que lhe der na telha), ele justamente se indagava se as pessoas viam OS SOPRANOS pelo conteúdo de "soap opera" ou pelos peitinhos e assassinatos, considerando que bons só os primeiros episódios, com a premissa de um chefe da máfia tão cansado de assassinatos e violência que procurava uma analista.

Mas isso não vem ao caso, as séries que a mulher quer comparar com as novelas que a Globo passa às nove da noite são séries da HBO, uma tevê a cabo que nem faz parte dos pacotes básicos. Quem a compra sabe o que está fazendo e tem mecanismos no decodificador para gerar uma senha e tornar inassistíveis programas com certas classificações etárias - sim, eles TÊM classificação etária até em tevês a cabo. Tanto que OS SOPRANOS, ROMA e A SETE PALMOS todas TAMBÉM passam na tevê a cabo brasileira. Vi as duas temporadas de Roma e, apesar de bem escrita e tal, nada mais é que uma DALLAS com personagens históricos, muito mais peitinhos (e até uma ou outra boceta) e muito mais violência (com duelos de espada mal coreografados). A
HBO produz essas séries pra passar no seu canal fechado e se garante com o que cobra de patrocínio e vendas de DVDs. Nem ao menos passa comerciais (Embora o faça internacionalmente. Na Américao do Sul, por exemplo, o único país a exibir publicidade nos intervalos é o Brasil). Tal projeto é impensável pra Globo, que até pra fazer filmes sobre programas seus, usando atores da casa, roteiristas da casa e equipamento da casa, pedem patrocínio público. Na tevê aberta americana, o que passa são ER, CSI e sitcoms. Lá nas grandes redes nem peitinho tem, coisa que no Brasil está liberada desde o final dos anos 70 (anúncio do Sabonete Vale Quanto Pesa, 1979).

ROMA e, talvez (porque nunca vi, não sou de assistir telesséries) OS SOPRANOS e A SETE PALMOS são melhores do que as novelas brasileiras porque têm escritores melhores - os americanos são mais escolarizados e têm muito mais mercado de trabalho, o que garante uma disponibilidade maior de roteiristas de qualidade. E também porque não têm o formato de telenovela.

Filmar uma novela diária de 200 capítulos pode soar uma operação de guerra, mas barateia os custos. O uso dos mesmos cenários por meses a fio diminui o preço por episódio. Mostrando sempre os mesmos atores nos mesmos lugares, dá pra organizar a filmagem de modo a economizar tempo de estúdio. O uso de personagens já conhecidos do público há semanas facilita o trabalho do roteirista, que também não precisa se preocupar em fechar dramaticamente cada capítulo, ou ser sucinto, já que tempo é o que não falta. O preço que se paga é a falta de identidade visual e de qualidade na escrita. ROMA teve 22 capítulos. Cada temporada estreou já completamente escrita, com personagens coerentes e trama coesa e concisa. Mas esse formato é caro e não interessa a eles.

A queda da popularidade das telenovelas é firme e contínua. O formato está ultrapassado, não o conteúdo. Não adianta introduzir assuntos como homossexualismo, drogas e violência se as tramas continuarem conservadoras, vai parecer uma história em quadrinhos de super-herói da DC. A esperança talvez seja de que peitinhos e assassinatos atraiam homens e principalmente adolescentes. Não sou especialista, mas a impressão que tenho é de que novela é que nem jogo do bicho - vem caindo em popularidade e, principalmente, é coisa de gente mais velha, não vem formando novo público. Daí a esperança na carne - tripas e pele - para salvarem o ibope. Acho pouco provável. As redes abertas americanas praticamente desistiram da sitcom tradicional. É um formato ultrapassado. Estes são tempos de mudança. Internet, DVD barato e tevê paga em quantidade mudaram o gosto do público. E com a tevê em alta definição, mais mudanças virão. É preciso se adaptar, e não vai ser mais violência e peitinhos que trarão as crianças de volta

Comprar o DVD pirata de TROPA DE ELITE não é pirataria. Pelo contrário, é um direito de quem realmente pagou pelo filme. Na verdade, devia ser grátis

E-mail do meu amigo Zé José, que o postou no blog de sua revista, a Zé Pereira (revistazepereira.com):


PIRATARIA E CINEMA BRASILEIRO


Em artigo publicado no jornal “O Globo”, o diretor José Padilha expressa sua indignação por ver seu filme “Tropa de Elite” ser vendido de forma ilegal em camelôs. Segundo ele, as pessoas que compraram o DVD pirata do filme estão assistindo a ele de forma inapropriada, já que a mesma foi feita a partir de uma cópia inacabada. Isso torna mais do que compreensível sua frustração enquanto artista. Entretanto, incorreções em seu texto impedem uma maior reflexão sobre o tema. Padilha reclama com toda razão da inépcia e da cumplicidade da polícia — que não tem inibido como deveria uma prática que, afinal de contas, é ilegal. Erra, porém, ao cobrar do governo apenas mais eficácia na repressão a este tipo de crime. O governo precisa fazer muito mais.
Padilha diz que quem compra DVD pirata está prejudicando pais de família que vivem da atividade cinematográfica no Brasil. Não é bem assim: graças à política cultural de incentivo fiscal vigente, os filmes já chegam pagos aos cinemas e os profissionais que nele trabalham são previamente remunerados. Ademais, um filme que custou R$ 10,5 milhões dificilmente se pagará apenas com o dinheiro arrecadado nas bilheterias dos cinemas do Brasil — e certamente não dará lucro algum. O diretor fala de indústria cinematográfica brasileira, termo que não passa de peça de ficção. Que indústria é essa que é totalmente dependente do dinheiro público? Se um filme é feito com dinheiro de impostos — que poderia ser revertido para educação, saúde e segurança, por exemplo — ele não é só do seu produtor, pertence também a qualquer cidadão — que, ao menos em teoria, tem direito a educação saúde e segurança públicas gratuitas. Como artista consciente — com certeza o diretor de “Ônibus 174” e
produtor de “Os carvoeiros” o é — Padilha deveria cobrar do governo políticas para tornar seu filme acessível ao cidadão. Se “Tropa de elite” é um sucesso de vendas no comércio informal é porque existe demanda. Mas, como se sabe, há muito o cinema deixou de ser um bem cultural ou de lazer acessível às classes menos favorecidas. Na verdade, dadas as circunstâncias, Padilha deveria ver no pirata um aliado.

http://blogdozepereira.blogspot.com/

agosto 24, 2007

O que é, afinal, "Progressive Scan"? E o que significam esses esotéricos 480i, 720p, 1080i?

(Clique aqui para um post sobre formato de tela de tevês de plasma - e cristal líquido)

Já há alguns anos que leitores de DVD se anunciam como tendo "progressive scan". Como a imensa maioria das televisões não tem "progressive scan", a maioria das pessoas não descobriu a diferença entre ter ou não esse recurso. E, mesmo os felizes possuidores de tevês HDTV-ready que tenham essa habilidade às vezes até percebem que a imagem fica bem melhor quando lida de um DVD, mas não sabem exatemente o quê está acontecendo. Então, como a tevê digital que vem aí está carregada de termos como "720p" ou "480i", que parecem fora do alcance de meros mortais, eu, como um nerd bem-informado, vou tentar explicar rapida e facilmente pro pessoal menos chegado a ler manuais de instruções e artigos técnicos.

Todo mundo sabe como funciona o cinema, não? NÃO? Então, vou tentar ser sucinto e esclarecedor. Pegue um fósforo em brasa numa sala escura e gire rapidamente. Em vez de você ver apenas uma brasa se movendo, você vai ver uma espécie de círculo em brasa. O mesmo fenômeno acontece quando você está numa pista de dança com luz estroboscópica - ao invés de você ver a luz se acendendo e apagando, você tem a impressão de que ela está acesa o tempo todo e que todo mundo está dançando em câmera lenta. Isso acontece porque você não vê o mundo numa única imagem contínua, mas por amostragem. Quarenta e oito vezes por segundo seu olho manda um quadro para o cérebro e ele "monta-os" num movimento contínuo.

O cinema se aproveita disso para funcionar. Ele é filmado em 24 quadros por segundo. Cada quadro é projetado duas vezes e nós temos a sensação de uma imagem em movimento contínuo. Beleza. Quando inventaram a televisão, usaram o mesmo princípio. Só que havia - sempre há em invenções novas - um porém. Aproveitando que os sistemas elétricos residenciais eram de 60 Hz (60 hertz, ou 60 ciclos por segundo), seria fácil criar um aparelho que mostrasse 60 imagens por segundo. O problema era que, com o sistema disponível para transmitir os dados pelo ar, um sexagésimo de segundo só conseguiria mandar 240 linhas de resolução para os televisores. E, devido a certas deficiências inerentes da coisa toda, essas 240 linhas acabariam dando só umas 200 linhas. Pouco, muito pouco.

Foi aí que alguém pensou, "ei, peraí! Vamos fazer cada quadro com 480 linhas e dividir o quadro em dois campos". O primeiro ciclo mandaria somente as linhas ímpares - a linha 1, a linha 3, a 5, a 7 e assim por diante. No lugar das linhas pares, apenas trevas e escuridão. No ciclo seguinte, viriam as linhas pares - a linha 2, a 4, a 6 etc. etc. No lugar das linhas ímpares, ver-se-ia apenas a coisa preta. No cérebro, as duas imagens se fundiriam e - voilá! - eis uma imagem de 480 linhas (na prática cerca de 350, devido a um monte de problemas técnicos inerentes ao sistema). A maneira de se desenhar a tela, como se tecendo uma malha, inspirou o nome, "entrelaçado", em inglês, interlaced. Esse sistema original de transmissão tinha 480 linhas entrelaçadas, daí o "480i".

Embora você não perceba, o seu cérebro e os seus olhos sabem que estão vendo apenas meia cena a cada quadro. Ver metade da imagem preta o tempo todo acaba cansando sobremaneira a vista. Quem já viu dois vídeos seguidos sabe o sono que dá, muito mais sono do que ver dois filmes no cinema, por exemplo. Quando você apenas vê tevê muito tempo não se cansa tanto porque está toda hora levantando pra ir ao banheiro, comer alguma coisa, ou mesmo desviando o olhar pra conversar com alguém ou atender o telefone. Quando as pessoas começaram a usar o computador pra valer nos anos 90, trabalhando o dia inteiro em frente a um monitor, os efeitos devastadores disso sobre a saúde forçaram à invenção de um novo tipo de tela - a progressiva, na época conhecida como "não-entrelaçada" (non-interlaced).

Esse novo tipo de monitor apenas desenhava a tela toda de uma vez a cada ciclo, de alto a baixo, começando pela linha 1, depois pela 2, 3 e assim por diante. Com quase toda certeza, você está lendo isto numa tela progressiva, ou não-entrelaçada. Muito menos cansativo e capaz de desenhar uma imagem muito mais firme, sem contar a nitidez e o detalhe muito maiores em qualquer coisa que se mova (vou explicar a razão já, já). Se o modo progressivo só tem vantagens, por que não foi então adotado logo pelas televisões?

Porque a transmissão continua sendo feita do mesmo jeito, de maneira entrelaçada. Um monitor progressivo não tinha como converter a informação entrelaçada, a não ser dispondo de grande poder de processamento e muita memória, duas coisas caríssimas até o século XXI. No entanto, sabendo do progresso vertiginoso da informática, quando foram delineadas as especificações mundiais para tevês digitais, foi prevista a varredura progressiva ("varredura" porque a imagem nas velhas tevês de tubo se formava com um canhão de elétrons que bombardeava cada ponto de uma linha da tela, depois baixava e bombardeava outro). Devido à largura de banda disponível, a resolução da imagem seria em 720 linhas progressivas ou 1080 entrelaçadas - os misteriosos 720p e 1080i (de interlaced, entrelaçado).

Na verdade, como o 1080i são dois meio-quadros a cada ciclo, só são enviadas 540 linhas por vez. O 720p envia (dã) 720 e usa mais largura de banda para formar uma imagem com menos resolução. À parte cansar menos a vista, qual a vantagem do 720p?

Se você estiver assistindo a uma figura estática, o 1080i tem uma imagem superior - pode exibir mais detalhes. No entanto, se alguma coisa começa a se mover, o quadro degrada-se tão velozmente quanto o movimento em cena. Por quê? Vamos usar um exemplo prático:





Na figura 1, temos uma cruz numa hipotética cena em 3 linhas - vamos chamar de "3p", porque essas linhas serão sempre desenhadas progressivamente. Na figura 2, temos a mesma cruz em 6 linhas de resolução. Será a nossa imagem entrelaçada, em "6i". Note que conseguimos perceber que no quadrado branco central há um detalhe cinza, invisível em 3p por ser muito pequeno. O quadro em 6i tem uma imagem superior.






No entanto, se a cruz começar a se mover em diagonal, para a esquerda e para baixo, os defeitos do entrelaçamento são revelados. Nas figuras 3 e 4 a transmissão em 3p mostra o movimento sem problemas, numa transição suave. As figuras 5 e 6 mostram como veríamos a cruz se movendo em quadros de 6 linhas. A figura 5 tem a cruz ainda
parada e na figura 6 ela já se moveu.
Como o sistema entrelaçado só envia metade da cena por vez, teríamos então num primeiro momento só as linhas ímpares da figura 5 - ou seja, a figura 7. No momento seguinte, a cruz já se moveu, mas só teríamos as linhas pares dela descendo em diagonal, ou seja, a figura 8, que nada mais é do que as linhas pares da figura 6. E nosso olho fundiria as figuras 7 e 8 na figura 9, que parece mais uma sopa de letrinhas do que nossa cruz, esteja ela imóvel ou se movendo!!!!






Figura 9


Calcula-se que com essa brincadeira uma televisão entrelaçada perca até 50% da qualidade da imagem. Tevês de plasma, de cristal líquido ou as topo-de-linha de retroprojeção, como a do Arnaldo, ou mesmo de tubo, como a do Carlos Sueli, são progressivas. Quando ligadas a um DVD desenham cada imagem de alto a baixo, de uma vez. O movimento é mais suave, as bordas não borram e objetos pequenos não somem quando se movem (o que pode acontecer no entrelaçamento se eles derem o azar de estarem fora dos dois meio-quadros em cada ciclo). O problema é que a transmissão atual ainda não é progressiva e os aparelhos não podem ser meio-progressivos. Para poderem exibir uma imagem da Globo ou da Record, ou mesmo da Sony ou do Discovery, eles são obrigados a processar a imagem em seus chips (sim, hoje em dia todas as tevês têm chips processadores de imagem).

O que esses chips fazem para tornar a imagem progressiva é pegar cada meio-quadro e "interpolar" as linhas que não são transmitidas. Em vez de desenharem linha 1, linha escura, linha 3, linha escura, eles fazem o seguinte - linha 1, linha interpolada, linha 3 etc. Na interpolação, o chip tenta adivinhar a linha que falta pegando as de cima e de baixo e fazendo uma média. Os aparelhos mais baratos simplesmente repetem a linha de cima. A imagem fica uma merda. Outros fazem a média da forma mais simples - se a linha 1 é branca e a 3 é preta, eles desenham uma linha 2 cinza. Outros, mais sofisticados, usam algoritmos cada vez mais complicados. Em vez de pegarem só a linha 1 e a 3, vêem todas em volta pra fazer seu cálculo - assim, se a 1 é branca, a 3 é preta, a 5 é preta e a 7 é preta, eles supõem que a 2 deve ser preta também e não cinza. É claro que tudo isso é simplificado e os programas de interpolação são bem mais complicados, mas o princípio da coisa é esse.

Só que, ainda assim, quando "desentrelaçada" via interpolação, ainda assim a imagem não fica perfeita. O movimento dela é mais contínuo, mas a definição perde muito. É por isso que uma transmissão de tevê comum vista numa tela de plasma ou cristal líquido sempre tem aquele aspecto um tanto "embaçado" ou "borrado". Não é à toa que esses monitores normalmente estão ligados a um DVD em lojas, usualmente através do cabo triplo de vídeo-componente, o mínimo para se enviar ao aparelho uma imagem progressiva - em 480p que é o limite máximo dos disquinhos.

No entanto, já há televisores com resolução de 768p ou mesmo 1080p - o máximo teórico da tevê digital. Por isso, existem alguns DVDs que usam seus chips para interpolarem a imagem - da mesma forma que os chips da tevê fazem o desentrelaçamento - e aumentarem a definição para 720p ou 1080i. Existem mesmo um aparelho da Samsung que joga a definição para 1080p, o que faz sentido, já que o único modelo de televisão que chega a isso é um LCD (cristal líquido) da gigante coreana. Os caríssimos leitores de Blu-Ray e HD-DVD mandam em 1080p, mas ainda custam muitas verdinhas e têm poucos títulos disponíveis.

Como o movimento fica melhor em progressivo, mesmo que em resolução teórica mais baixa, lá fora, onde já tem tevê digital, programas esportivos ou séries de ação preferem transmitir em 720p. Talk-shows, sitcoms, filmes de Yazujiro Ozu ficam melhor em 1080i - embora não seja compreensível porque alguém queira ver um sujeito parado entrevistando outro com alto nível de detalhe. Atualmente não se usa em lugar nenhum transmissão em 1080p, por problemas de largura de banda, mas com o desenvolvimento de softwares capazes de comprimir a imagem em tempo real com mais desenvoltura, enviando mais informação em menos bytes, podemos supor que é apenas questão de tempo chegar a tanto.

Em breve, um artigo explicando o princípio de funcionamento das tevês de plasma e cristal líquido, já que no final do ano começam as transmissões digitais e você, quando for trocar de aparelho, vai precisar saber essas coisas.

agosto 23, 2007

Sobre um Basquete que não vai a uma olimpíada desde 1996

Tirando os Estados Unidos, qual o país existente com mais títulos no basquete mundial?

Surpresa, surpresa, é o Brasil. Na frente dele no ranking de todos os tempos estão apenas os EUA, a URSS e a Iugoslávia e estas duas últimas nações não existem mais, tendo-se desmembrado numa miríade de paisecos.

A grande era das conquistas masculinas começou com o bronze nas Olimpíadas de 1948, seguido pela prata no Mundial de 54, disputado aqui. Em 59 e 63 o Brasil foi bicampeão mundial e ganhou dois bronzes nas Olimpíadas em 60 e 64. Outro bronze veio no Mundial de 67, seguido pela prata no de 70. Em 74 houve um hiato e novo bronze veio no Mundial de 78. E depois acabou. A única conquista significativa depois disso acabou de fazer 20 anos, o ouro no Pan de Indianapolis em 87.

E, não por coincidência, 1978 foi a despedida dos grandes craques Ubiratan e Hélio Rubens e o começo do reinado de uma nova superestrela - Oscar.

Quem viu o Mundial de 1978 de basquete, nas Filipinas, transmitido cedinho de manhã, deve recordar de como veio aquela medalha de bronze. O Brasil estava um ponto a frente e faltavam uns quarenta segundos. Em vez de gastar o tempo, Oscar ou Marcel, não lembro quem, queimou um arremesso, os italianos pegaram o rebote, gastaram quase todos os trinta segundos (o tempo de posse de bola da época) e encaçaparam enquanto durante a jogada inteira o comentarista furibundo reclamava da estupidez brasileira. Faltando três segundos, os brasileiros deram a saída, o tempo ia acabar, Marcel rifou a bola lá do meio da quadra... e ela caiu! Sorte, pura sorte. Os destaques daquela equipe foram Hélio Rubens e Ubiratan, que só entravam quando a coisa ia mal, já que tinham ambos mais de 35 anos e estavam se despedindo da seleção.

Em 1981, a Bandeirantes transmitiu o Sul-americano de basquete. O promissor locutor Galvão Bueno estava a cargo do microfone e, profissional como sempre, conseguia manter o interesse do espectador durante todo o tempo. Contou também como os brasileiros, após uma longa hegemonia, haviam perdido o título para os uruguaios no último torneio com histórias estranhíssimas, com gente puxando a tabela pela corda, segundo ele. Começou então o Brasil x Uruguai. O jogo foi ficando complicado, Galvão reclamando que o placar do primeiro tempo, ambos na casa dos trinta pontos, era placar de infantil, até que a certa hora, depois de mais um arremesso errado porque forçado e marcado do Oscar, ele se irritou e, não sendo ainda um ícone nacional, soltou o que hoje em dia não poderia falar: "O Oscar não arma, não marca e não arremessa. Jogo em que ele faz menos de trinta pontos o Brasil entra com um a menos".

E essa foi a história da seleção brasileira sob Oscar. Ele nunca foi bom em rebote, apesar de sua altura, 1,99m (um gigante para a sua época). Defendia mal e não armava. Era um formidável arremessador, mas justamente por isso tendia a concentrar o jogo brasileiro. Os adversários, cônscios de sua importância para o time, marcavam-no impiedosamente e, infelizmente, nosso grande ala não reagia bem sob pressão e começava a tentar arremessar mesmo bloqueado ou desequilibrado. Do mesmo mal padecia Marcel. Quanto mais o jogo pedia calma, sangue-frio e inteligência, mais eles tentavam forçar jogadas impossíveis.

O grande feito de Oscar (e Marcel) foi a vitória sobre os EUA vinte anos atrás. Eu vi o jogo e me lembro claramente, inclusive de à noite ir à Gafieira Voadora,encontrar os amigos e ficar comentando a improvável partida. O Brasil estava quase vinte pontos atrás. A reação começou quando um estadunidense enterrou uma bola e ainda se pendurou no aro, o que levou o juiz a anular a cesta. Essa atitude mostrava o que se passava na cabeça dos americanos na hora - o título já estava ganho, era só levar pra casa. Eles relaxaram na marcação e na armação, o Brasil foi diminuindo a diferença e Oscar e Marcel acertaram praticamente todos os arremessos de três pontos que tentaram. Não só isso, eles começaram a tentar as coisas mais estapafúrdias em quadra - e foi funcionando! Renato Brito Cunha era o comentarista e numa dessas ele simplesmente disse, "desisto de comentar, isso vai contra tudo que se deve fazer no basquete", ao falar sobre um contra-ataque em que Marcel saiu correndo sem marcação, viu que havia ultrapassado a linha de 3 pontos e, em vez de bandejar, DEU UM PASSO PARA TRÁS para chutar e marcar uma cesta de três.

Oscar, apesar de nem de longe ter a aversão a treinos ou o caráter duvidoso do futebolista, fez pela seleção brasileira o que Romário fez no Flamengo e no Vasco. Concentrou o jogo e sobrecarregou o time, por não dividir com ele os fundamentos defensivos e a armação. O Brasil está pagando até hoje. Os ídolos são importantes, mas os esportes coletivos, como diz o nome, são coletivos. Exigem que todo mundo participe inclusive dos momentos inglórios.

(Certa vez, na arquibancada do Maraca, no começo dos anos 80, conheci um senhor que tinha sido juiz de basquete. Perguntamos pra ele quem ele achava que tinha sido o maior basquetebolista brasileiro e ele disse que era o Algodão. Olhando agora na Wikipedia, começo a entender por quê. Ele foi TITULAR do time campeão mundial em 1959, AOS 44 ANOS DE IDADE, numa época em que os atletas duravam bem menos do que hoje. Também achei sintomático que haja um verbete para Oscar e não para Edson Bispo ou Hélio Rubens).

(Não devia também ser um barato o Brasil ser um país sub-sub-sub-desenvolvido na época, com indicadores econômicos e sociais a níveis africanos e em 1963 ser bicampeão mundial nos dois esportes mais populares do mundo?)

agosto 22, 2007

Chega uma hora na vida em que o futuro parece nebuloso. O chão some sob nossos pés. Tudo parece difícil e confuso, nossas certezas todas desaparecem, duvidamos de tudo que fizemos ou queremos fazer. Geralmente esta hora chega uns dois segundos depois do médico dar uma palmada na gente. Quer dizer, médico não, não sei, os caras tão todos mascarados pra não serem reconhecidos, a gente nunca sabe, né? Mas de qualquer forma é nessa hora em que o futuro começa a nos parecer tremendamente nebuloso e inseguro. Já nesse momento começa a busca. Precisamos descobrir quem somos. Dão-nos um nome, mas em que nos ajuda um nome a descobrir quem somos? Pensando bem, se você por exemplo se chamar Jabotecler, ajuda pacas. Não tem como você não descobrir quem é. Não importa em que hora, em que dia, mas em um momento você vai estar andando pela rua e vai se dar conta. "Meu Deus, eu sou o Jabotecler". Isso é uma coisa que define uma pessoa. Jabotecler. Ninguém aí se chama Jabotecler, certo? Claro que não. Se se chamasse, não estaria aqui. Certamente estaria em algum lugar transcendental, cercado de discípulos doidos para aprender como o mestre descobriu seu lugar no Universo. É simples quando você se chama Jabotecler, afinal no Universo certamente só há lugar para um Jabotecler. Mas e se você se chama, digamos, Paulo? Quantos Paulo outros não haverá no Universo? Ou Aline e Ailime. Se bem que Aline e Ailime parecem também só estarem destinadas a um papel no Universo, mas isso é outro papo e outro papel. Se você não tiver que se preocupar com outras coisas que possam parecer mais importantes, tais como ter algo o que comer, o que vestir ou se batizar ou não o seu filho de Jabotecler Júnior, você começa a se preocupar com essas coisas metafísicas. Destino, beleza, arte, amor, paixão, sexo, morte. E onde encontrar as respostas? Infelizmente, o Jabotecler já tá cheio de discípulos e não tá aceitando mais, então tentamos usar o Universo para nos dizer o que fazer. Entrar em sintonia com o Cosmo. Usar as nossas percepções místicas. Eu tenho um primo adolescente que é capaz de ver o futuro. Ele é capaz de entrar num lugar e ter uma visão do que vai acontecer ali dentro de uns dez, quinze minutos. Toda vez que ia começar a aula de aeróbica na academia dele, ele ia dez minutos antes para o vestiário feminino. Até que um dia o Jabotecler o levou com ele para usar seus dons para fins mais nobres. Outras pessoas têm percepções diferentes. São esses que a gente procura pra nos darem uma ajuda, nos dizerem o que esperar do futuro, do Destino. Não nos satisfaz viver cada dia, precisamos que o próximo dê sentido a tudo, nos traga o que desejamos. Precisamos conhecer o futuro. Eu fiz o circuito todo. Fui a um tarólogo. Ele tirou o arcano XII, o Enforcado. Tirou depois o arcano VI, o Enamorado. Depois tirou o arcano IV, o Imperador. Deu XXII. Estourou e a banca ficou com tudo. Procurei depois um vidente, mas não achei nenhum em casa. Parece que estavam todos nos vestiários da convenção de professoras de aeróbica. Tentei finalmente uma moça que lia a sorte numa xícara de chá. Nunca esquecerei suas proféticas palavras - " Instruções - aqueça a água e deixe este saquinho em molho durante alguns minutos". É claro que a água era a minha vida e o saquinho era eu. Eu devia aquecer o meu coração. Dar lugar para mais um. Porque, afinal, dizem que o Inferno são os outros, mas não é isso. O futuro é que são os outros. Porque quando você olha pela rua, cada pessoa, cada rosto, cada tristeza, cada alegria que você vê, é um reflexo, um espelho. De você mesmo. Um momento que você vai passar, um desamor, uma grande paixão, uma conquista, um triunfo, um fracasso. Todos nós passamos por isso. Todos nós vamos ter pelo menos um pouco de cada uma dessas coisas. E, durante pelo menos um momento, vamos ser aquela pessoa que estamos vendo atravessar a rua. Aquele sujeito bonito, aquela moça bem-vestida porém carrancuda. Nós nunca vemos o nosso rosto, podemos apenas ver o dos outros. É como a nossa vida, o nosso tempo. Nós nunca vemos o nosso futuro, embora todo mundo possa vê-lo. Possa vê-lo em nossas crenças, nossas atitudes, nossas decisões, nossos amores. Somos anônimos na multidão, mas temos nosso coração e ele está refletido em nossos rostos. A não ser o Jabotecler, que nunca vai ser anônimo em lugar nenhum. Ele está no meio de nós. E nós, nós estamos no meio de todos. A vida é grande demais para ser apreendida num futuro. Ela tem um presente e um passado. Nós não precisamos vê-los todos juntos. Não precisamos sabê-los. Precisamos apenas vivê-los. Eu acho que é isso. Não precisamos de mais nada. Só isso. Aquecer a água e deixar o saquinho de molho. Eu jamais poderia imaginar tanta sabedoria numa xícara de chá. Deve ser a tal da sincronicidade. Aquela que o Jung inventou. Jung. Que nome esse, também? Deve ser o Jabotecler da Renânia. Ele tem sorte, tem seu nome. Nós? Nós temos nossos rostos e nossa vida.

agosto 21, 2007

A Tatuagem de Letícia


Bourbon Street Fest - Aterro do Flamengo - 19 ago

Oração



Eu andarei vestido e armado
Com as armas de São Jorge
Para que meus inimigos, tendo pés
Não me alcancem
Tendo mãos não me peguem
Tendo olhos não me vejam
E nem em pensamentos
Possam me fazer mal.


Armas de fogo
O meu corpo
Não alcançarão

Facas e lanças se quebrem
Sem o meu corpo tocar
Cordas e correntes se arrebentem
Sem o meu corpo amarrar.

Glorioso São Jorge, em nome de Deus
Estenda-me o seu escudo
E as suas poderosas armas
Defendendo-me com a sua força
E com a sua grandeza
E que debaixo das patas de seu fiel ginete
Meus inimigos fiquem humildes
E submissos a vós

Assim seja com o poder de Deus, de Jesus
E da falange do Divino Espírito Santo
São Jorge Rogai por nós

(Oração a São Jorge, na qual Jorge Ben (ainda não jor) se inspirou para escrever Jorge de Capadócia)
Foto tirada na Bourbon Street Fest no Aterro do Flamengo