agosto 24, 2007

O que é, afinal, "Progressive Scan"? E o que significam esses esotéricos 480i, 720p, 1080i?

(Clique aqui para um post sobre formato de tela de tevês de plasma - e cristal líquido)

Já há alguns anos que leitores de DVD se anunciam como tendo "progressive scan". Como a imensa maioria das televisões não tem "progressive scan", a maioria das pessoas não descobriu a diferença entre ter ou não esse recurso. E, mesmo os felizes possuidores de tevês HDTV-ready que tenham essa habilidade às vezes até percebem que a imagem fica bem melhor quando lida de um DVD, mas não sabem exatemente o quê está acontecendo. Então, como a tevê digital que vem aí está carregada de termos como "720p" ou "480i", que parecem fora do alcance de meros mortais, eu, como um nerd bem-informado, vou tentar explicar rapida e facilmente pro pessoal menos chegado a ler manuais de instruções e artigos técnicos.

Todo mundo sabe como funciona o cinema, não? NÃO? Então, vou tentar ser sucinto e esclarecedor. Pegue um fósforo em brasa numa sala escura e gire rapidamente. Em vez de você ver apenas uma brasa se movendo, você vai ver uma espécie de círculo em brasa. O mesmo fenômeno acontece quando você está numa pista de dança com luz estroboscópica - ao invés de você ver a luz se acendendo e apagando, você tem a impressão de que ela está acesa o tempo todo e que todo mundo está dançando em câmera lenta. Isso acontece porque você não vê o mundo numa única imagem contínua, mas por amostragem. Quarenta e oito vezes por segundo seu olho manda um quadro para o cérebro e ele "monta-os" num movimento contínuo.

O cinema se aproveita disso para funcionar. Ele é filmado em 24 quadros por segundo. Cada quadro é projetado duas vezes e nós temos a sensação de uma imagem em movimento contínuo. Beleza. Quando inventaram a televisão, usaram o mesmo princípio. Só que havia - sempre há em invenções novas - um porém. Aproveitando que os sistemas elétricos residenciais eram de 60 Hz (60 hertz, ou 60 ciclos por segundo), seria fácil criar um aparelho que mostrasse 60 imagens por segundo. O problema era que, com o sistema disponível para transmitir os dados pelo ar, um sexagésimo de segundo só conseguiria mandar 240 linhas de resolução para os televisores. E, devido a certas deficiências inerentes da coisa toda, essas 240 linhas acabariam dando só umas 200 linhas. Pouco, muito pouco.

Foi aí que alguém pensou, "ei, peraí! Vamos fazer cada quadro com 480 linhas e dividir o quadro em dois campos". O primeiro ciclo mandaria somente as linhas ímpares - a linha 1, a linha 3, a 5, a 7 e assim por diante. No lugar das linhas pares, apenas trevas e escuridão. No ciclo seguinte, viriam as linhas pares - a linha 2, a 4, a 6 etc. etc. No lugar das linhas ímpares, ver-se-ia apenas a coisa preta. No cérebro, as duas imagens se fundiriam e - voilá! - eis uma imagem de 480 linhas (na prática cerca de 350, devido a um monte de problemas técnicos inerentes ao sistema). A maneira de se desenhar a tela, como se tecendo uma malha, inspirou o nome, "entrelaçado", em inglês, interlaced. Esse sistema original de transmissão tinha 480 linhas entrelaçadas, daí o "480i".

Embora você não perceba, o seu cérebro e os seus olhos sabem que estão vendo apenas meia cena a cada quadro. Ver metade da imagem preta o tempo todo acaba cansando sobremaneira a vista. Quem já viu dois vídeos seguidos sabe o sono que dá, muito mais sono do que ver dois filmes no cinema, por exemplo. Quando você apenas vê tevê muito tempo não se cansa tanto porque está toda hora levantando pra ir ao banheiro, comer alguma coisa, ou mesmo desviando o olhar pra conversar com alguém ou atender o telefone. Quando as pessoas começaram a usar o computador pra valer nos anos 90, trabalhando o dia inteiro em frente a um monitor, os efeitos devastadores disso sobre a saúde forçaram à invenção de um novo tipo de tela - a progressiva, na época conhecida como "não-entrelaçada" (non-interlaced).

Esse novo tipo de monitor apenas desenhava a tela toda de uma vez a cada ciclo, de alto a baixo, começando pela linha 1, depois pela 2, 3 e assim por diante. Com quase toda certeza, você está lendo isto numa tela progressiva, ou não-entrelaçada. Muito menos cansativo e capaz de desenhar uma imagem muito mais firme, sem contar a nitidez e o detalhe muito maiores em qualquer coisa que se mova (vou explicar a razão já, já). Se o modo progressivo só tem vantagens, por que não foi então adotado logo pelas televisões?

Porque a transmissão continua sendo feita do mesmo jeito, de maneira entrelaçada. Um monitor progressivo não tinha como converter a informação entrelaçada, a não ser dispondo de grande poder de processamento e muita memória, duas coisas caríssimas até o século XXI. No entanto, sabendo do progresso vertiginoso da informática, quando foram delineadas as especificações mundiais para tevês digitais, foi prevista a varredura progressiva ("varredura" porque a imagem nas velhas tevês de tubo se formava com um canhão de elétrons que bombardeava cada ponto de uma linha da tela, depois baixava e bombardeava outro). Devido à largura de banda disponível, a resolução da imagem seria em 720 linhas progressivas ou 1080 entrelaçadas - os misteriosos 720p e 1080i (de interlaced, entrelaçado).

Na verdade, como o 1080i são dois meio-quadros a cada ciclo, só são enviadas 540 linhas por vez. O 720p envia (dã) 720 e usa mais largura de banda para formar uma imagem com menos resolução. À parte cansar menos a vista, qual a vantagem do 720p?

Se você estiver assistindo a uma figura estática, o 1080i tem uma imagem superior - pode exibir mais detalhes. No entanto, se alguma coisa começa a se mover, o quadro degrada-se tão velozmente quanto o movimento em cena. Por quê? Vamos usar um exemplo prático:





Na figura 1, temos uma cruz numa hipotética cena em 3 linhas - vamos chamar de "3p", porque essas linhas serão sempre desenhadas progressivamente. Na figura 2, temos a mesma cruz em 6 linhas de resolução. Será a nossa imagem entrelaçada, em "6i". Note que conseguimos perceber que no quadrado branco central há um detalhe cinza, invisível em 3p por ser muito pequeno. O quadro em 6i tem uma imagem superior.






No entanto, se a cruz começar a se mover em diagonal, para a esquerda e para baixo, os defeitos do entrelaçamento são revelados. Nas figuras 3 e 4 a transmissão em 3p mostra o movimento sem problemas, numa transição suave. As figuras 5 e 6 mostram como veríamos a cruz se movendo em quadros de 6 linhas. A figura 5 tem a cruz ainda
parada e na figura 6 ela já se moveu.
Como o sistema entrelaçado só envia metade da cena por vez, teríamos então num primeiro momento só as linhas ímpares da figura 5 - ou seja, a figura 7. No momento seguinte, a cruz já se moveu, mas só teríamos as linhas pares dela descendo em diagonal, ou seja, a figura 8, que nada mais é do que as linhas pares da figura 6. E nosso olho fundiria as figuras 7 e 8 na figura 9, que parece mais uma sopa de letrinhas do que nossa cruz, esteja ela imóvel ou se movendo!!!!






Figura 9


Calcula-se que com essa brincadeira uma televisão entrelaçada perca até 50% da qualidade da imagem. Tevês de plasma, de cristal líquido ou as topo-de-linha de retroprojeção, como a do Arnaldo, ou mesmo de tubo, como a do Carlos Sueli, são progressivas. Quando ligadas a um DVD desenham cada imagem de alto a baixo, de uma vez. O movimento é mais suave, as bordas não borram e objetos pequenos não somem quando se movem (o que pode acontecer no entrelaçamento se eles derem o azar de estarem fora dos dois meio-quadros em cada ciclo). O problema é que a transmissão atual ainda não é progressiva e os aparelhos não podem ser meio-progressivos. Para poderem exibir uma imagem da Globo ou da Record, ou mesmo da Sony ou do Discovery, eles são obrigados a processar a imagem em seus chips (sim, hoje em dia todas as tevês têm chips processadores de imagem).

O que esses chips fazem para tornar a imagem progressiva é pegar cada meio-quadro e "interpolar" as linhas que não são transmitidas. Em vez de desenharem linha 1, linha escura, linha 3, linha escura, eles fazem o seguinte - linha 1, linha interpolada, linha 3 etc. Na interpolação, o chip tenta adivinhar a linha que falta pegando as de cima e de baixo e fazendo uma média. Os aparelhos mais baratos simplesmente repetem a linha de cima. A imagem fica uma merda. Outros fazem a média da forma mais simples - se a linha 1 é branca e a 3 é preta, eles desenham uma linha 2 cinza. Outros, mais sofisticados, usam algoritmos cada vez mais complicados. Em vez de pegarem só a linha 1 e a 3, vêem todas em volta pra fazer seu cálculo - assim, se a 1 é branca, a 3 é preta, a 5 é preta e a 7 é preta, eles supõem que a 2 deve ser preta também e não cinza. É claro que tudo isso é simplificado e os programas de interpolação são bem mais complicados, mas o princípio da coisa é esse.

Só que, ainda assim, quando "desentrelaçada" via interpolação, ainda assim a imagem não fica perfeita. O movimento dela é mais contínuo, mas a definição perde muito. É por isso que uma transmissão de tevê comum vista numa tela de plasma ou cristal líquido sempre tem aquele aspecto um tanto "embaçado" ou "borrado". Não é à toa que esses monitores normalmente estão ligados a um DVD em lojas, usualmente através do cabo triplo de vídeo-componente, o mínimo para se enviar ao aparelho uma imagem progressiva - em 480p que é o limite máximo dos disquinhos.

No entanto, já há televisores com resolução de 768p ou mesmo 1080p - o máximo teórico da tevê digital. Por isso, existem alguns DVDs que usam seus chips para interpolarem a imagem - da mesma forma que os chips da tevê fazem o desentrelaçamento - e aumentarem a definição para 720p ou 1080i. Existem mesmo um aparelho da Samsung que joga a definição para 1080p, o que faz sentido, já que o único modelo de televisão que chega a isso é um LCD (cristal líquido) da gigante coreana. Os caríssimos leitores de Blu-Ray e HD-DVD mandam em 1080p, mas ainda custam muitas verdinhas e têm poucos títulos disponíveis.

Como o movimento fica melhor em progressivo, mesmo que em resolução teórica mais baixa, lá fora, onde já tem tevê digital, programas esportivos ou séries de ação preferem transmitir em 720p. Talk-shows, sitcoms, filmes de Yazujiro Ozu ficam melhor em 1080i - embora não seja compreensível porque alguém queira ver um sujeito parado entrevistando outro com alto nível de detalhe. Atualmente não se usa em lugar nenhum transmissão em 1080p, por problemas de largura de banda, mas com o desenvolvimento de softwares capazes de comprimir a imagem em tempo real com mais desenvoltura, enviando mais informação em menos bytes, podemos supor que é apenas questão de tempo chegar a tanto.

Em breve, um artigo explicando o princípio de funcionamento das tevês de plasma e cristal líquido, já que no final do ano começam as transmissões digitais e você, quando for trocar de aparelho, vai precisar saber essas coisas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado, muito útil para mentes interpoladas.