Eu sei, eu sei, o assunto todo nos obriga até a nos alinhar com a Veja e sua preconceituosa matéria sobre o que se passa na cabeça dos jogadores, mas desde que pela primeira vez ouvi o Adriano falar que queria abandonar o futebol eu avisei que talvez fosse menos pela depressão que tem toda a pinta de realmente acometê-lo do que pela vontade de se encostar num clube de futebol brasileiro com cacife pra montar um esquema pra pagar o salário dele, mas que, ao contrário do São Paulo, não lhe exigisse os mesmos absurdos que a Inter, tais como treinar, chegar no horário e mostrar em campo motivos pra ser titular. Um clube assim como o... Flamengo.
Jogador de futebol estrela e chupa-sangue existe desde o início dos tempos, mas desde que Romário – que ia parar de jogar aos 28 anos – forçou sua saída do Barcelona pra vir não jogar no Flamengo – que chegou a botar uma quadra de futevôlei na Gávea pra ver se o artilheiro aparecia pra treinar – a coisa só tem degringolado. Num panorama em que três bons jogos habilitam o atleta pra ir jogar na Europa, ficou uma carência tão grande por aqui que qualquer sujeito com seleção no currículo é absolutamente idolatrado pelos torcedores. Enquanto os bem sucedidos moradores lá de fora eram um bando de viventes sem amor à camisa e responsáveis por qualquer fracasso da seleção. Ronaldo Fenômeno, por exemplo, nunca foi tão admirado quanto agora, mesmo com 33 anos e 200 quilos, simplesmente porque fez meia dúzia de gols pelo Coríntians.
Mas o Ronaldo se garante mesmo gordo porque é técnico, habilidoso, com esplêndida visão de jogo e raciocínio tão rápido quanto suas pernas um dia o foram. Adriano é como a descrição da capacidade de luta que Ozymandias faz com Rohrschach – direita (no caso do Adriano, esquerda) devastadora, pouco mais do que isso. Sua única grande arma é (ou era) a incomum velocidade prum corpo tão grande. Se ele não estiver absolutamente na pontinha dos cascos, torna-se mais um estorvo do que uma vantagem.
Mas por que ele iria se preocupar com isso se tem onde se encostar? Multa rescisória não é problema, ele pode inventar uma mentira descarada e arrumar uma liberação. Robinho assinou um contrato com o Santos pra ganhar um salário bem maior, com a contrapartida de uma multa rescisória igualmente avantajada e quando quis ir pro Real Madrid disse que era injusta a multa e se mandou. Foi preciso a FIFA tomar providência. Bem feito para os hispânicos, que descobriram que não se deve se apaixonar por uma mulher que traiu alguém pra ficar contigo porque ela vai trair você pra ficar com alguém.
Por causa dessa história toda, com muita gente acreditando que Adriano – que, diga-se, parece mesmo sofrer de depressão – estava sinceramente mandando um pedido de ajuda, chegou-se mesmo a dizer que quem não estivesse do lado dele gostava era do Kaká. Kaká pode ser careta, bitoladamente crente e branco de classe média, mas mesmo o blogueiro que sempre acreditou que ele fosse mais uma invenção da mídia sãopaulina foi obrigado a reconhecer que desde que ele foi pra Europa aprendeu a marcar e sempre correu o tempo todo, armando o jogo e aparecendo pra concluir. Imagino que suas posições políticas sejam bem reaças, mas nada indica que Adriano seja um progressista. Em toda sua conversa sobre amar suas raízes faveladas e gostar da sua favela não li nada sobre usar seu prestígio e fortuna pra tentar mudar as condições do lugar.
E assim, graças ao Romarismo, um atleta relapso passa a ser mais defensável do que um que se dedica e se mantém em forma porque o primeiro tem melhores valores, como gostar de noitadas ao lado de celebridades fabricadas, e não honrar contratos. O mais curioso de tudo é que boa parte desse povo que defende o Adriano foi o mesmo que ficou indignado com o povo que trabalha na Europa por eles não terem amor à camisa amarelinha. O blogueiro não compartilha dessa opinião de que vencer Copas do Mundo seja uma missão sagrada e que o vivente deve abrir mão de tudo o mais, preferindo culpar o técnico que insistiu em escalar gente sem condições físicas, mas é menos a distância e o dinheiro do que esse apoio a criaturas que acham incômodo manter sua palavra assinada e registrada em cartório que cria essa estirpe.
Esses jogadores maravilhosos, ricos, jovens, em perfeita forma e talentosos reclamando de terem que treinar ou até mesmo correr em campo, sem lembrar que o pior da aposentadoria prum atleta é de que é pra sempre apóps uma carreira muito curta só fazem o blogueiro lembrar do grande poema de Edgar Lee Masters, “Lucinda Matlock”:
Eu fui aos bailes em Chandlersville
E joguei cartas em Winchester
Uma vez mudamos de parceiros
A caminho de casa sob o luar de junho
E então encontrei Davis
Casamos e vivemos juntos por 70 anos
Divertindo-nos, labutando, criando 12 filhos
Oito dos quais perdemos
Até que alcancei os sessenta anos
Eu fiei, eu bordei, cuidei da casa e dos doentes
E do jardim, e nos momentos de folga
Perambulei pelos campos onde cantam as cotovias
E perto do Rio Spoon, recolhendo conchas
E flores e ervas medicinais
Gritando às colinas verdejantes, cantando para os vales verdes
Aos noventa e seis havia vivido muito, só isso,
E tive finalmente meu doce repouso
E que é isso que ouço de desespero e cansaço
Fúria, descontentamento e esperanças perdidas?
Filhos e filhas degenerados
Vida é forte demais pra vocês –
É preciso uma vida para amar a Vida.
abril 26, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário