Rastros de Ódio
1956, John Ford
Láááá nos anos 80, quando o pessoal que gostava da sétima arte ainda sabia quem eram Rossellini, Antonioni e Resnais, e ainda não era moderno achar nouvelle vague e cinema novo chatos, o filme mais bem cotado de John Ford era "No tempo das diligências". Hoje em dia as poucas pessoas, normalmente mais velhas, que ainda assistem às fitas do genial diretor ídolo de gente como Bergman, Welles e Kurosawa, apreciam mais histórias com personagens com um lado obscuro e, por que não dizer, uma certa sociopatia, o que levou "Rastros de ódio" a ultrapassar seu primo em preto-e-branco e encabeçar a (longa) lista de obras-primas fundamentais da tela grande dirigidas pelo caolho fake (1).
"No tempo das diligências" ressuscitou o moribundo bangue-bangue, formatou um modelo que seria seguido pelo gênero, inclusive na tevê, até o surgimento de Leone e Peckinpah, e é tão perfeito no uso da linguagem cinematográfica que Orson Welles conta que, para aprender o ofício de diretor, assistiu-o dezenas de vezes. Aí saiu da cabine e foi fazer "Cidadão Kane". Rosebud! O blogueiro, entretanto, é cria dos anos 80 e, crescendo com os agoniados antieróis (brincadeirinha, é anti-heróis mesmo) dos filmes “noir” então tão em voga, tem como seu favorito de Ford (ao lado de “Vinhas da Ira” e “Paixão dos Fortes”) a doentia saga de Ethan Edwards.
“Rastros de Ódio” tem também outras vantagens sobre seu primo mais velho – a cor e os 17 anos a mais de evolução da linguagem cinematogrática tornam-no bem mais palatável ao público moderno, cada vez mais desacostumado à monocromia e à simplicidade e economia de planos das fitas mais antigas. Mas mesmo para quem se amarra em preto-e-branco, a cor teve bastante peso entre os motivos que levaram à reavaliação deste clássico. Enquanto nos anos 80 e 90 tudo que havia disponível para assistir eram cópias VHS esmaecidas e reenquadradas para a televisão, com a chegada do DVD a estupenda fotografia pôde finalmente voltar a ser apreciada. Se você chegou até aqui nesta matéria certamente tem uma relação diferenciada com cinema, então atenção para o aviso: existem duas versões do filme em disco, ambas com toda a esfuziante glória technicolor das cores originais, mas a segunda (edição de colecionador, com um disco só de extras) vem no formato widescreen original e tem uma definição de imagem quase inacreditável. Em 50 polegadas, com a ajuda de um player interpolador, é difícil acreditar, como disse um amigo, que com um blu-ray consiga se ver ainda mais coisa na tela.
A razão para tal visual é que a produção original foi feita em VistaVision, a tecnologia da Paramount para concorrer com o Cinerama e o bem mais modesto Cinemascope. O primeiro usava três câmeras e três projetores, o que o tornava um espetáculo sem igual (dizem alguns que nem o Imax consegue ser tão glorioso), mas pouquíssimo prático. Pouco mais de meia dúzia de longas foram feitos assim, e só um de ficção, “A conquista do Oeste” (e, mesmo com um episódio dirigido por Ford em pessoa, não é lá grande coisa). Já o Cinemascope usava uma lente especial para espremer no negativo comum de 35 mm um formato bem mais largo, com a proporção entre largura e altura de 2.55:1. Assim se ocupava a visão periférica dos espectadores, dando uma certa impressão de terceira dimensão e aumentando o envolvimento, mas a imagem era ampliada quase que duas vezes a mais do que o normal, incapaz de emular a clareza, nitidez e o brilho do Cinerama. No entanto, era bem mais prático e uma versão melhorada, o Panavision, é usada até hoje.
O VistaVision era basicamente uma câmera deitada. O filme corria duas vezes mais rápido, a área exposta em cada fotograma era consideravelmente maior do que o formato acadêmico e já vinha em “widescreen”, na proporção 1.85:1, praticamente o mesmo das tevês de plasma e LCD; no entanto, como o negativo – ainda por cima usando o processamento Technicolor, sem igual – era maior do que o normal, podia ser recortado para ser projetado com a largura que melhor conviesse. Outros clássicos produzidos em VistaVision são os também impressionantes “Intriga Internacional”, “Os Dez Mandamentos”, “Sem Lei e Sem Alma” (e também os pouco impressionantes, por pessimamente digitalizados, às vezes de fontes VHS, “Império dos Sentidos”, “A Face Oculta” e “Furyo – Em Nome da Honra”).
Mas tudo isso é digressão. Porque “Rastros de Ódio” é universalmente considerado um dos dez, talvez vinte melhores filmes de todos os tempos, influenciou uma carrada de cineastas e foi refilmado por Paul Schrader (“Submundo do Sexo”, substituindo índios por produtores de filmes pornô) e é difícil saber por onde começar. A esta altura todo mundo já deve estar familiarizado com o argumento: comanches matam uma família, com exceção da garotinha mais nova, e John Wayne vai atrás deles numa busca que se estende por dias, semanas, meses, anos... e talvez a menina nem queira mais ser resgatada...
Só de ler esse storyline já dá pra ver que Ethan Edwards, o sujeito interpretado por John Wayne não é um sujeito com muitos amigos ou objetivos na vida. Quando a história começa a guerra civil acabou faz já três anos, mas Ethan só agora está voltando pra casa – do irmão, ele não tem pouso certo. Sabemos disso sem uma linha de exposição – Ford era famoso por rasgar páginas e páginas de diálogos do roteiro. Basta um letreiro TEXAS 1868 e, em vez de um fade-in, uma porta se abrindo emoldurando uma mulher e um cenário que é o cartão postal do Arizona – vai saber, vai ver Monument Valley ficava no Texas no século XIX. Lááááá no meio do deserto que se descortina, vem vindo lentamente um vivente, enquanto a família da mulher sai de casa curiosa e o provável marido dela pergunta, “Ethan”?
A falta de pouso e de objetivo de Ethan nos três anos após a rendição (“eu não acredito em rendição”) não são contadas, mas mostradas. Ele veste uma calça da União, anda com moedas ianques de ouro recém prensadas, sem marcas de uso, e dá de presente pra sobrinha (sobrinha?) uma medalha mexicana do Imperador Maximiliano. O irmão não parece muito feliz com a volta dele e Ford é mais uma vez econômico – Martha, a cunhada de Ethan, ao guardar o sobretudo dele, acaricia-o rapidamente, mas o gesto, que nós vemos ao longe, através de uma porta, fazendo-nos sentir culpados por estar espionando, é quase sexual dentro do contexto. Faz-nos repensar a paternidade de Debbie, a garotinha mais nova, que ganhou a condecoração.
Outro adorável traço de personalidade de Ethan é mostrado quando chega em casa o filho de criação da família, Martin Pawley (Jeffrey Hunter) e o bom e velho Wayne o repreende por ele parecer um mestiço – comentário ainda mais simpático quando se leva em conta que ele é um mestiço (“um quarto cherokee, o resto é inglês e galês”), que foi encontrado por Ethan após um ataque nativo americano.
Os índios só começam a dar o ar de sua graça na manhã seguinte. O amigão de Wayne, Ward Bond, neste filme não consegue fazer papel de amigão de Wayne, como sempre, tão anti-social é Ethan. Ele faz o papel de um capitão dos Texas Rangers que dobra como pastor. Ordem e fé, interligados na visão de Ford e o precário símbolo do Estado na conturbada fronteira americana da época. Ele vem buscar o irmão de Ethan pruma patrulha, já que nativos americanos atacaram uma fazenda vizinha. Ethan vai no lugar de irmão e quando eles cavalgaram horas e horas descobrem que foram atraídos para longe pra deixar as fazendas sem proteção. A maior parte da patrulha vai para a fazenda onde dá pra chegar logo. Sobram Ethan, Martin e Mose Harper, o idiota ingênuo e infantil da área, cujo grande sonho é uma cadeira de balanço debaixo de um teto e junto a uma lareira. Martin quer galopar de volta à fazenda, mas Ethan, com toda a racionalidade que a sociopatia lhe deu, argumenta que os cavalos não aguentarão se não descansaram. Martin, enojado, corre para casa, enquanto Wayne prepara o intervalo de almoço dos equinos e finalmente, quando ninguém está olhando, se dá ao luxo de parecer preocupado.
Ethan obviamente chega primeiro que um Martin Pawley, cujo cavalo morreu, à fazenda. A destruição é tão total que aparentemente foi usada para estudo de case na academia do exército de clones do Imperador Palpatine – a cena é descaradamente plagiada no primeiro – ou quarto, sei lá - quando Luke Skywalker encontra seus pais adotivos mortos em Tatooine. Ethan vai seguindo uma trilha da casa em chamas até um depósito semiescavado, encontrando no caminho o vestido rasgado de Martha e depois apenas olhando lá dentro e desviando o olhar. Cena forte para 1956.
As meninas não foram encontradas e Ethan está ávido para ir atrás dos atacantes que as levaram. Durante o enterro, ele pede pra que ponham logo um amém naquilo tudo e se manda. Nominalmente a patrulha vai tentar resgatar as sobrinhas (será?) de Ethan, mas ele só pensa em matar (e possivelmente, com sorte, morrer) aqueles pele-vermelhas. É famosa a cena em que os rangers encontram o cadáver enterrado de um índio e o namorado da moça mais velha, furioso, profana o corpo atirando uma pedra nele. Ethan o ensina como se faz certo: atira nos olhos do nativo americano e explica que, segundo a crença dos comanches, sem olhos ele não poderá entrar no além-vida e terá que vagar eternamente entre os ventos (como o desajustado Ethan). O sujeito odeia tanto os índios que aprendeu os costumes deles para melhor poder ofendê-los (2).
A patrulha finalmente encontra os comanches. Ethan, obviamente, quer atacar logo, mas o pastor capitão argumenta que em caso de ataque os índios imediatamente matarão as meninas. Acaba que os pele-vermelhas fogem e Ethan promete não mais seguir as ordens de Ward Bond. Não é um problema por muito tempo, já que depois de um confronto sem vencedores, só Martin e Ethan, acompanhados pelo namoradinho da moça mais velha, prosseguem na busca.
E mesmo o namoradinho não dura muito tempo. Depois de atravessar uma garganta e se reunir aos dois companheiros, Ethan age estranhamente (3). Pouco depois, quando o namoradinho diz ter visto sua namoradinha, Ethan explica: não pode ser a garota, só alguém com o vestido dela, já que ele a encontrou morta na garganta. O garoto pergunta se “eles... o que eles fizeram...” e Ethan responde “O que você quer que eu faça, que eu desenhe? Nunca mais me pergunte isso!” O rapazola monta no cavalo e parte pro acampamento comanche. Ethan impede Martin de tentar detê-lo e ao longe se ouve alguns tiros, antes de um final, num tom diferente. Elegância e economia numa cena fortíssima pra 1956.
E finalmente começa o cerne do filme. Ethan e Martin atravessam paisagens desoladíssimas lindamente fotografadas – antes de fazer “Lawrence da Arábia”, David Lean mandou seu câmera assistir esta fita pra aprender a filmar deserto – e refletindo a aridez da alma de Ethan, gélida como o cenário congelado em que se passa uma das cenas mais famosas, quando Wayne tenta matar sozinho toda uma manada de búfalos pra eles não alimentarem estômagos índios naquele inverno.
Apesar de ter desde a infância como namoradinha uma vizinha, Martin acaba comprando por engano uma esposa índia. Tem gente que acha racista a cena em que, irritado por ela tentar dormir com ele, ele a empurra e ela rola ladeira abaixo. Levando-se em conta que Martin é um mestiço que renega suas raízes nativas americanas, é óbvio que a cena é uma metáfora e preconceituosa, sem dúvida – contra gordas, deixando claro que qualquer esperança de matrimônio pra elas é ridícula e risível. Contra pele-vermelhas, nem tanto. A moça vai ser encontrada depois morta após um ataque de cavalaria, levando Martin a perguntar por que mataram alguém que nunca fez mal a ninguém.
Aliás, esse ataque de cavalaria é uma cena pivotal do filme. Ao vê-los atravessar triunfalmente um rio (com um carro lá no fundo passando, claramente visível em 50 polegadas), Martin e Ethan vão conferir se encontram Debbie. Só encontram mulheres em profundo estado de choque após testemunhar o massacre das suas famílias de criação e ouvem o oficial falando que elas “não são mais brancas”, apesar de louras e de olhos azuis. Um dos raros closes do longa é um zoom no rosto de Wayne deixando claro o que ele pretende fazer quando encontrar sua sobrinha (sobrinha?). Ford era elegante demais pra ficar desperdiçando closes pra satisfazer o ego dos atores ou pra mostrar suas reações na falta de uma idéia melhor de como fazer a cena.
Finalmente eles encontram o chefe índio que levou as meninas, cerca de cinco ou seis anos depois do ataque. Quem o encontra na verdade é Mose Harper. Ethan quer vingança e morte, na falta de um melhor objetivo de vida. Martin Pawley quer se provar frente a Wayne, e tem a idéia de que participar da busca o faz um integrante mais autêntico da família assassinada. Apenas o ingênuo e inocente Mose, que tem um desejo puro e sincero de encontrar Debbie, é quem poderá cumprir essa tarefa.
O primeiro confronto entre Ethan e o cacique – mostrados como reflexos intolerantes um do outro – é memorável. Ethan pede pra entrar na tenda porque não gosta de ficar falando exposto ao vento (como o índio morto). Quando eles entram, o chefe Scar faz sua esposa mais jovem lhes mostrar alguns escalpos. A esposa mais jovem é Debbie.
Debbie se encontra com eles mais tarde. Ela é o pesadelo encarnado de Ethan. Sua (provável) filha dando prum índio que matou sua mulher. Só Martin e um providencial ataque dos comanches o impedem. Depois do tiroteio, refletindo metaforicamente sua influência sobre Ethan, ele retira o veneno de Wayne e finalmente toma uma atitude frente ao velho caubói. A longa busca fez dele um homem e ele está pronto para assumir suas responsabilidades adultas, que incluem voltar à fazenda vizinha lá do começo do filme bem na hora para atrapalhar o casamento de sua namoradinha, que cansou de esperá-lo, levando-nos a pensar que o mesmo deve ter acontecido com Martha, que resolveu começar família com o irmão à mão.
Impedir o casamento, como sói acontecer nos filmes de Ford, inclui uma bem-humorada luta com o noivo, sem objetivo além de impressionar a fêmea. Numa belíssima metáfora visual, depois de acabada a contenda os dois entram em casa, discutem e começam a brigar de novo, soltando poeira, mostrando que mesmo dentro de um lar mantêm a alma indômita e rústica dos caçadores-coletores viris e másculos – Ford não acreditava muito em homens com um lado sensível. No entanto, tudo é interrompido de vez quando cavalarianos trazem um vivente resgatado de uma tribo índia. É Mose Harper, o inocente, que novamente sabe o paradeiro de Debbie. Sua pureza o faz ganhar sua tão sonhada cadeira de balanço e um lugar na família. E, após mais de cinco anos rodando o sertão, matando gente e bicho, usando como combustível sua raiva e frustração, Ethan é apenas figurante no grande momento.
E tem gente que ainda diz que o filme é racista: a namoradinha de Martin, uma menina de comportamento exemplar até então, tem um ataque de fúria por seu amado querer ir resgatar sua irmã de criação. Ela não é mais branca, não tem mais cabaço, por que, por que Martin teria razão para querer se arriscar por ela? Mesmo o pastor capitão quer atacar logo, exatamente o que ele impediu Ethan de fazer láááááá no início da perseguição. Mas naquela época Debbie ainda era branca e seladinha. Martin então se apresenta para tentar resgatar a garota. É então que Ethan revela que um dos escalpos mostrados por ela quando eles primeiro a encontram era da mãe de Martin. Caramba, é preciso ter muita intimidade com uma mulher pra reconhecer seus cabelos décadas depois que a viu pela última vez. Será que Ethan tem a mesma intimidade com o pai de Martin?
Martin resgata a menina e acaba sendo obrigado a matar Scar. Ethan chega depois e o escalpa. É tudo que lhe resta a fazer, sequer a vingança é sua. Enquanto os brancos atropelam o acampamento, levando os guerreiros comanches a tentar proteger suas crianças e essencialmente executando um massacre indiscriminado, Ethan se vê frente a frente com Debbie e fora do alcance de Martin. No entanto, ele em vez de matá-la, levanta-a, olha-a contra o sol e leva-a de volta para casa. A mãe e o pai levam Debbie para dentro, Martin entra com sua namoradinha e Ethan não passa da soleira. Dá meia-volta e segue para vaguear entre os ventos no deserto.
Como Moisés, Ethan conduz seu povo à terra prometida da civilização domando a fronteira, mas ele mesmo não pode entrar. De “Os brutos também amam” a “Era uma vez no Oeste”, os desbravadores do sertão americano sempre iam embora no final da fita, justo quando tudo parecia pacificado, pra frustração do público. Em “Rastros de Ódio” Ford esclarece as razões disso – a vida na fronteira fez deles psicopatas ferozes. Caberá a seus filhos dar prosseguimento a um outro tipo de vida. Martin, assim, não é só um mestiço biológico, mas também cultural, ainda capaz de longas jornadas por terras inóspitas, mas com valores aprendidos num lar sólido, ainda que humilde.
John Ford tinha um olho – na verdade, dois, apesar do tapa-olho (1) – pra composição inigualável. Praticamente cada fotograma do longa é uma bela cena. Quando não, é porque um traveling ou um zoom levará a câmera praonde tudo vai encaixar. Ford se formou na escola do cinema mudo, aprendendo como contar histórias com imagens. Ao contrário dos diretores formados na televisão e que filmam para um público com a mesma formação, Ford prezava o plano aberto e reservava os closes somente pros momentos realmente emocionalmente importantes. Em vez de cortes seguidos enquadrando o que interessa na ação, ele deixa a movimentação dos atores conduzir nosso olhar para onde ele quer, também não abusando dos travelings.
A movimentação dos personagens, aliás, é outro ponto forte de Ford. Tão meticuloso Ford era com isso que em “O homem que matou o facínora” repetiu uma tomada quarenta e e duas vezes até que o ator parasse de segurar um corrimão enquanto falava e em vez disso pusesse a mão sobre ele. Como Howard Hawks, ele enfatiza os gestos casuais e relaxados, deixando-nos mais à vontade com os viventes na tela, e os coreografa para levar nossa visão dentro da cena aonde nos interessa e nos dar todas as pistas para seu comportamento. Como abominava diálogo, Ford precisava desse controle sobre o gestual pra nos contar sobre as complexas personalidades das criaturas da fita - Ford foi um dos primeiros cineastas a incentivar seus atores a escreverem as biografias completas, os hábitos e vícios de seus personagens.
Com tudo isso, não é difícil de ver porque ele é um dos monstros sagrados do cinema, arte visual por excelência. Idolo da garotada dos “cahiers du cinema” que depois revolucionou a sétima arte com a nouvelle vague, de gente como Welles e Bergman e ainda por cima extremamente popular com o público em sua época, hoje anda meio em baixa. Muita gente o toma por um artesão que contava bem suas histórias, desconhecendo que ele desenhava o filme todo na cabeça e o editava “na câmera”, fazendo apenas uma tomada boa de cada ângulo, começando e terminando onde deveria no produto final, para evitar que os editores tomassem liberdades. Esse povo, ao contrário de Ford, normalmente dá muita importância ao diálogo, cujo habitat natural é o teatro (e a literatura). E não compreende que criatividade não é inventar o excesso, é descobrir o óbvio. E que um filme sobre um psicopata pervertido numa missão doentia pode se passar quase todo de dia, em cenários luminosos e mesmo nos fazer dar algumas risadas, e ainda assim ir direto ao ponto.
(1)John Ford é frequentemente retratado com um tapa-olho, mas ao contrário de Raoul Walsh, ele não era caolho. O adereço servia para proteger sua vista esquerda (quem já trabalhou com aquelas câmeras que tinham visor para um olho só sabe como faz mal ficar muito tempo olhando por ali) e, segundo muitos de seus amigos e biógrafos, para lhe dar uma cara de mau.
(2)Mas ele não tinha que ter atirado nos olhos do índio antes dele morrer? Afinal de contas, depois de morto, mais cedo ou mais tarde os olhos se vão mesmo.
(3)A reação do guardinha que acha a primeira vítima do carcharodon carcharias em “Tubarão” é exatamente igual à de Wayne. Parece que nas academias de polícia também exibem este filme como estudo de case em “comportamento ao achar o corpo nu de uma bela jovem selvagemente mutilado”. Ou então que Spielberg, da geração baby-boomer, tendo vivido uma confortável vida de classe média, não tinha a vivência pra criar a cena.
abril 21, 2009
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1 comentário:
Muito bom, Uruba.
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