outubro 19, 2008

Blogue Sem Lei I

Sem Lei e Sem Alma (Gunfight at Ok Corral), de John Sturges

Saindo do Odeon durante o Festival do Rio, o blogueiro comprou na banca ali em frente "Gunfight at OK Corral" por 7,99 e gostou tanto que resolveu rever westerns clássicos e postar sobre eles.


Antes de “Segunda Sem Lei” denominar o começo da semana no Baixo Gávea era a sessão de bangue-bangue na Bandeirantes (hoje Band). O western já tinha sido banido dos cinemas, até mesmo em sua última encarnação italiana; mesmo a Globo já os tinha varrido para os corujões, retirando-os até mesmo da Sessão da Tarde (1), mas o gênero ainda teria durante muito tempo apelo para a platéia masculina, o que levava a emissora paulista a apostar que fitas com mais de 20 anos no horário nobre poderiam render uma lucrativa audiência na relação custo/benefício.

Foi assim que há muito tempo atrás vi pela primeira vez “Sem Lei e Sem Alma”, até curioso porque a crítica do JB tinha dado 3 estrelas pra fita e naquela época de fim de ditadura rarissimamente filmes-pipoca como westerns levavam mais que duas. Tinha Kirk Douglas e Burt Lancaster, ainda com status de estrela à época e me diverti à larga, mas mesmo naqueles tempos achei que parecia apenas um bangue-bangue bom, faltava alguma coisa. Hoje em dia eu sei que o longa carecia da dimensão mitológica dos clássicos do gênero.

Mas eu vi “Sem lei e sem alma” numa tevê de 20 polegadas, dublado, de uma cópia 16 mm telecinada e reenquadrada para o formato quase quadrado dos televisores de tela curva na época. Quando botei o DVD no aparelho e ele começou a rodar, já bateu logo de cara uma ótima notícia: o logotipo do VistaVision (2). Só a qualidade superior do negativo maior e o formato original ocupando toda a área de um monitor de 50 polegadas já dão à fita algo de que ela carecia tremendamente: uma dimensão, se não mitológica, ao menos mais épica.

Quartos de hotel e salloons não são mais apertados e com uma aparência barata, eles se estendem de um canto a outro da tela, exibindo em maior definição mais detalhes da cenografia, papéis de parede nuançados, a textura da pintura, as rendas dos tecidos. A cuidadosa iluminação valoriza as cores quentes e saturadas e dá profundidade nas cenas noturnas ou em ambientes mais escuros. Os personagens continuam sem essa profundidade, mas, afinal de contas, este é um bangue-bangue no molde clássico, de fábulas para barbados, como bem definiu o crítico americano Glenn Erikson.

Wyatt Earp é um herói tão sério que Burt Lancaster praticamente não tem a chance de dar seu sorriso cínico. Logo no começo um velho amigo de família diz que ninguém poderia imaginar que ele acabaria se transformando num agente da lei; pouco depois Earp encontra Doc Holliday que se lembra de tê-lo atendido dez anos atrás, quando ainda era dentista, e que desde então sempre soubera que Wyatt acabaria como delegado. Homens de verdade sabem avaliar o caráter dos outros com precisão e por isso mesmo o velho amigo de família lá de cima vai acabar se revelando um xerife aquém das exigências do cargo.

Holliday e Earp não se entendem à primeira vista, mas ganham o respeito um do outro quando mostram seu valor, Holliday num confronto e Earp quando, mesmo a contragosto, resgata o ex-dentista de um linchamento, devido ao seu código de ética. Pouco antes Holliday justificara a maneira como tratava sua amante Kate, explicando que ela o lembrava de “tudo que eu não gosto em Doc Holliday”. Earp é o contrário, rememora-o de tudo que ele gosta em Doc Holliday.

Por isso, quando eles se reencontram em outra cidade, ambos se mostram muito mais amáveis um com o outro. Para deixar bem claro o que Earp representa para Holliday, o encontro é num barbeiro e o ex-dentista está justamente terminando seu ritual de beleza – sozinho. Treze anos antes John Ford já usara a barbearia como metáfora para civilização na fronteira em sua própria versão do duelo dos Earps com os Clantons.

Ganhando o respeito de Wyatt Earp (e, por conseguinte, da sociedade que ele representa), Holliday recupera parte de seu amor-próprio e chega mesmo a flertar com a grande jogadora chegada à cidade, a ruivíssima belezura Rhonda Fleming. Mas, como ele diz, ela é uma dama, e acaba caindo nos braços de Earp. A vida de xerife é dureza e ele não pode sair dez minutos pra namorar que uma gangue invade a cidade e baleia seu assistente. Nesse mundo de homens de verdade, mulheres são uma distração e companheirismo advém da amizade masculina. Depois querem saber de onde saíram os caubóis gay de “Brokeback Mountain”. Mais um pouco e eles iam parecer um bando de gregos ou macedônios, que não consideravam muito viril um sujeito gostar daquela coisa macia e sem pêlos chamada “mulher”.

Earp localiza seus inimigos, os Clantons, e junta-se a seus irmãos para enfrentá-los. No momento em que sai para o confronto, Holliday abre a porta de seu quarto e os dois são enquadrados juntos, com o ex-dentista no espelho, usando uma roupa quase exatamente igual à de Earp, uma imagem quase idêntica, embora menor. Essa é a terra em que os homens resolvem seus problemas pessoalmente e, mais importante do que a lei, são os valores americanos: família, coragem, determinação e masculinidade. Nessa afirmação de valores viris, John Sturges ganha a platéia e faz um enorme sucesso de público, mas perde a dimensão mitológica.

A direção, aliás, é outra coisa que se perde numa tela pequena. A fita é do tempo em que close era uma tomada do diafragma do sujeito pra cima, e não a câmera enfiada no nariz dele. Sturges encena seus diálogos quase que só em plano geral, com poucos cortes, fazendo os personagens se moverem pelo cenário enquanto falam, dentro do enquadramento estabilizador. Esse estilo carece de uma imagem bem grande, que não transforme os atores em pontinhos, com suas expressões indistinguíveis, mas visto num tamanho apropriado é muito mais dinâmico do que as cabecinhas falantes paradas, uma em cada canto da tela, aparecendo alternadamente em seguidos planos e contra-planos, marca registrada dos longas de ação de hoje, planeados para passarem a maior parte de sua existência em vídeo doméstico. Destarte, o diálogo ok (o duelo é em OK Corral, sacou, sacou?) parece muito melhor, ainda mais com Kirk Douglas emprestando a ele toda sua carismática canastrice, fazendo um ótimo parceiro para um Burt Lancaster atipicamente contido, como pede o papel.

Além desses dois e da deliciosa Rhonda Fleming, o filme ainda tem entre seus atores os futuros astros de spaghetti Lee van Cleef e Jack Elam. Dennis Hopper faz um perturbado Billy Clanton e nos deixa pensando se o ar aflito e angustiado dele é por causa da influência de seu falecido amigo James Dean ou porque ele ainda não se recuperou de ter encontrado sua supostamente casta namorada adolescente Natalie Wood na cama com o diretor quarentão Nicholas Ray durante as filmagens de “Juventude Transviada”. Também presente na fita estão DeForrest Kelley, o dr. McCoy de “Jornada nas Estrelas”, em uma de suas 5.289 aparições como coadjuvante em bangue-bangues antes de partir para o espaço, e John Ireland, baleado pelos Earps em Ok Corral pela segunda vez em 11 anos – a primeira foi em “Paixão dos Fortes”, de John Ford, quando era ele quem fazia o Billy Clanton. Na versão de John Sturges ele faz o pistoleiro contratado Johnny Ringo. De comum nos dois papéis, só ele corneando Doc Holliday.

Aliás, pra quem tiver curiosidade, a amante de Holliday no filme, Kate, viveu até os 90 anos, chegando a ver o começo da II Guerra – ela testemunhou também a Guerra Civil e são dois mundos tão completamente diferentes que é difícil imaginá-los ambos durante uma única vida. O episódio da gangue invadindo a cidade também é baseado em fatos reais, mas o resto é bem, bem romanceado. As três versões subsequentes da história – uma delas do próprio Sturges – seriam bem mais fiéis e revisionistas, com heróis menos luminosos e bandidos ainda mais sádicos. Mas o verdadeiro tempo do western já tinha passado. O tempo em que os homens eram homens e ninguém fazia piadinhas sobre “Brokeback Mountain” por causa disso.

“Sem lei e sem alma” pode ser encontrado até por 7,99 reais em banca de jornais.

(1) Lembro nos anos 70 de Artur da Távola, em sua coluna no Globo, congratulando a TV Globo por ter tirado de sua programação vespertina os “desenhos violentos” dos outros canais (leia-se “Capitão Aza”). Em vez de ver bigornas caindo na cabeça de patos falantes, que saíam amassados e já estavam inteiros na cena seguinte, os pirralhos passaram a ter a chance de ver caubóis disparando contra índios à queima-roupa e sendo empalados por flechas de fogo ou caindo do telhado de saloons em seus espasmos de morte.

(2) Pra quem já ultrapassou as 29 polegadas e aderiu à conexão do DVD via video-componente, ou já aplainou a tela, é bastante visível a diferença de qualidade entre um disco e outro. Os piores são alguns lançados a partir de videolaser ou velhas telecinagens pra tevê de empresas que tinham os direitos para vídeo doméstico na era do VHS e o contrato nada falava sobre mídias futuras. Os melhores são os THX e Superbit, sendo que estes dispensam extras para poder usar menos compressão digital. A fonte original também influi bastante e fitas filmadas em VistaVision ou Ultra Panavision 70, ou Super65, principalmente se em Technicolor, são superiores ao Cinemascope e Super35. Finalmente, os negativos Technicolor entregam cores quentes e saturadas.

4 comentários:

Anónimo disse...

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