março 30, 2010

Um Balanço da Primeira Temporada de Star Trek - A Série Original



O blogueiro (e seus convidados) resenharam toda a primeira temporada (alguns episódios mais de uma vez) da série clássica de Jornada nas Estrelas. Abaixo, um balanço do ano inicial do seriado e, em abril, começam as críticas da segunda temporada.

Minha prima adolescente nerd está começando a gostar de ficção científica e adorou o novo longa de “Star trek”. Daí quis emprestados os discos da série original. Eu escolhi os que tinham os episódios que achei que ela fosse gostar mais e deixei-os na casa dela. Pouco depois, ela me ligou, “ei, você deixou aqui só os discos 3, 6 e 7. Como é que eu vou entender alguma coisa?”

Pois é, antigamente os seriados saíam do horário nobre e eram enlatados pra serem vendidos para redes pequenas, independentes ou estrangeiras e não podiam se dar ao luxo de serem planejados pensando que todas elas iriam respeitar a cronologia, passar sempre no mesmo horário e depois de exibida a temporada inteira, reprisá-la na ordem certa pra quem perdeu alguma coisa. Fora, é claro, que não havia Internet e box de DVDs pra quem pegasse a coisa pelo meio entender a história.



Por isso tudo é que só agora, apesar de ser fã de “Jornada nas estrelas” desde garotinho, o blogueiro teve a chance de ver a primeira temporada na ordem correta, sem a intromissão de episódios de outros anos (1). E, apesar do cuidado dos criadores em fazerem cada programa independente dos outros, pra facilitar sua venda e distribuição posteriores – e que, neste caso, seria a encarnação onde o seriado finalmente encontraria seu sucesso – enfim pode se avaliar a evolução dos personagens, do conceito, e até mesmo perceber uma possível causa do fracasso de Kirk e a Enterprise em sua primeira exibição.

Os primeiros episódios são perceptivelmente diferentes dos outros em tom e conceito. Roddenberry, definitivamente, não planejava que o público da Enterprise fosse a garotada, apesar de na época acreditar-se serem eles os únicos espectadores pra ficção científica. A preocupação com realismo é clara nas diversas cenas que mostram os oficiais comendo em cena, um velho recurso cênico pra dar verdade a personagens. Kirk e Spock eram os protagonistas, é claro, mas havia ênfase em outros tripulantes. Coisas como a ordenança conversando com Sulu (ainda de camisa azul) ou mesmo seguranças comentando a bunda de Janice. Sexo, aliás, era um assunto muuuuuuito mais presente. Veladamente, é claro, afinal estávamos na tevê dos anos 60, mas em primeiro plano. Uhura paquerava Spock e no episódio seguinte cantava uma música sobre como ele era gostosão. Rolava (confessadamente pelas duas partes) um clima entre o capitão e a ordenança Janice. Uhura (de novo) levava uma cantada de um mecânico – embora na verdade fosse um monstro comedor de sal. O monstro comedor de sal, aliás, podia assumir a aparência das fantasias – principalmente sexuais - das pessoas para se aproximar delas. Um tripulante vê nele a garota que conheceu num “planeta de prazer”.

Tudo isso – os relacionamentos entre os personagens, sexo, o comportamento mais adulto – iria desaparecer com o decorrer da série. A vida na Enterprise ficaria cada vez mais restrita a um ato de vaudeville entre o capitão fodão, o vulcano frio e o médico emotivo, comportando-se como garotos de 13 anos cuja vida social se resume a tirar um sarro com a cara dos amigos. Kirk, como o “chefe” mais maduro do bando, ganha o direito de “ficar” com umas alienígenas e afins em vários episódios – mas nada além de “ficadas”, pela já falada redução da idade emocional de nossos heróis ao começo da puberdade. E essas ficadas seriam praticamente a tudo que se resumiria sexo na série a partir do meio da temporada. Todo o elenco abaixo do posto de capitão comportar-se-ia como se ainda na época vitoriana, parecendo ignorar tal atividade, com memoráveis exceções: a perversa atração da historiadora de bordo por Khan (em certo momento é sugerido um boquete sadomasoquista entre os dois) e a tocante história de amor entre Joan Collins e William Shatner no por isto mesmo famosíssimo “A cidade na fronteira da eternidade”.

Roddenberry conseguiria manter o cerne de sua ideia com temas adultos e provocantes, pelo menos em relação ao que se fazia na tevê na época e no quarto de século seguinte, mas é claramente perceptível a mudança de abordagem durante a temporada. Não só o positivismo militarista de Roddenberry seria contrabalançado com a chegada do zenpacifista Gene L. Coon, como também a postura mais intelectualóide do primeiro teria que se curvar ao fã de velhos seriados cinematográficos da Republic que Coon era. Kirk se tornaria um herói mais jovial, físico e disposto a enfiar a mão na massa no decorrer da primeira temporada, muito mais um comandante pirata do que o sisudo oficial que descarta uma sugestão subalterna em “O ardil corbomite” afirmando que sua nave NÃO É uma democracia.

Diga-se de passagem que o blogueiro agradece a inserção desse clima de seriado em “Jornada nas estrelas” e acredita que certamente não ficaria fascinado desde os 9 anos pelo show se ele se resumisse a mostrar seus heróis passando por um monte de perrengues que se resolviam sozinhos ou com a intervenção de outras criaturas. Quando no final dos anos 80, início dos 90, “A nova geração” chegou aqui, inicialmente apenas em episódios isolados em VHS, o blogueiro e os amigos alugaram as fitas, se juntaram entusiasmados para ver e foram gradativamente ficando decepcionados, todos com uma única grande reclamação: “cadê a ação?”. E isso apesar do comentário de um velho amigo, ao ver o começo do piloto: “uau, um semideus onipotente ameaçando a Enterprise porque os humanos são violentos e querendo fazer um teste com eles? Maneiro, continua a mesma coisa, vai ser muito divertido!”

Em compensação, quase logo de cara “A nova geração” deixa claro que sabe que os tempos mudaram e em um de seus primeiros programas refilma “Tempo de nudez”, quando todo mundo fica bêbado por causa de um vírus, e mostra que a nave vira uma verdadeira suruba – ninguém é de ninguém e até o andróide se dá bem e come a loura gostosa. Quem come quem, por que esses sujeitos se alistaram para viajar pelo espaço, quem é filho de quem são pontos importantes da trama. O elenco básico se estende por bem mais do que os três principais e meia dúzia de coadjuvantes da série original. Na verdade, “A nova geração” provavelmente é muito mais parecido com o que Roddenberry planejava desde o início do que “Jornada nas estrelas”.

O problema é que quando “Star trek” começou a ficção científica ainda não tinha ganho a aura de respeitabilidade que “2001 – Uma odisséia no espaço”, “Planeta dos Macacos”, “O enigma de Andrômeda” e afins lhe emprestariam. Quem gostava de sci-fi era a garotada e ela queria ação e heróis de verdade, não um bando de paspalhos que serve de joguete para um adolescente telepata (”O estranho Charlie”), semideuses que perderam sua humanidade (”Onde homem nenhum jamais esteve”), o já falado vírus embriagante (”Tempo de nudez”) ou um alienígena pequeno carregando uma nave grande (”O ardil corbomite”). Dos episódios iniciais, o único em que os protagonistas têm um papel ativo na resolução da história é quando enfrentam o monstro sugador de sal (”O sal da terra”), não por acaso o episódio que a rede de tevê forçou a barra para ser o primeiro, contra o que Roddenberry queria.

Foi por causa disso que a série provavelmente não decolou nos índices de audiência. O crítico de cinema Glenn Erickson (www.dvdsavant.com), grande fã de ficção científica, como se pode depreender de uma rápida visita a seu saite, explica que viu os primeiros episódios na época, quando era adolescente, mas não se sentiu muito atraído pelo excesso de semideuses. Fazendo a crítica dos blu-rays da primeira temporada, arrependeu-se profundamente e deu nota máxima ao programa. Tanto foi chamativa a falta de atitude da galera da Enterprise nos primeiros programas que foi baixada uma norma de que a resolução dos conflitos deveria sempre decorrer de ações dos protagonistas. Embora fosse uma boa ideia para levantar os índices de audiência, foi também o que afundou o promissor episódio “Corte Marcial”, quando o advogado supostamente genial interpretado por Elisha Cook Jr. não faz absolutamente nada durante o julgamento, já que a salvação da lavoura, no roteiro original descoberta por ele, é feita por Spock.

Curiosamente, apesar da clara percepção de que a passividade do povo da Frota Estelar teria sido um dos motivos dos relativamente baixos índices de audiência, a segunda temporada começaria novamente com semideuses fazendo gato e sapato da Enterprise para só no fim Kirk & cia. conseguirem tomar alguma atitude. Novamente o ibope começou devagar e, para o terceiro ano, os produtores resolveram que deveria haver muito mais ação, ainda mais infantilização das histórias e cortariam os custos, criando os episódios mais esquecíveis e deploráveis e condenando de vez o seriado, sem saber que tinham nas mãos uma das franquias mais lucrativas a médio e longo prazo da história da tevê.



E agora, como lista é o que pessoal mais curte na Internet, a listinha dos melhores episódios da primeira temporada:

MISSÃO DE MISERICÓRDIA
Usando o velho clichê de combatentes da liberdade contra invasores muito superiores em número e armamento, Gene L. Coon subverte o formato, satirizando as fantasias conservadoras por trás da trama, e faz uma contundente crítica ao intervencionismo americano – em plena Guerra do Vietnã!! - equalizando ianques e comunas na memorável linha do comandante klingon, “nós somos bem parecidos, (tirando) pequenas diferenças ideológicas”. Como diriam os Simpsons, “havia monstros naquela nave – e o pior é que éramos nós mesmos!”

A CIDADE NA FRONTEIRA DA ETERNIDADE
O maior galinha do espaço – capitão Kirk - encontra a maior galinha das novelas americanas – Joan Collins – e os dois vivem uma simpaticíssima história de amor, numa trama sobre escolhas morais e idealismo com um final inesperado que deve ter deixado em estado de choque os telespectadores dos anos 60 e 70.

EQUILÍBRIO DO TERROR
Dois honrados capitães estelares em lados opostos usam toda a sua astúcia para sobreviverem a um confronto refletindo suas ideologias.

A CONSCIÊNCIA DO REI
Sim, é verdade, algumas parte são um tanto desengonçadas, mas ainda assim a mistura de Shakespeare, nazismo e ficção científica funciona bem questionando as consequências e limitações do livre-arbítrio cristão: se tudo tivesse se desenrolado como parecia que iria, o desprezível Kodos, o Executor, poderia ter sido um herói.

UM GOSTO DE ARMAGGEDON
O que aconteceria no futuro se uma sociedade como a nossa levasse até o fim a preguiçosa tendência atual de buscar soluções de compromisso e não querer assumir as consequências de suas ações? Ora, algo bem parecido com a Guerra do Vietnã, como Coppola também mostraria em mais de três horas em “Apocalypse now”.

INIMIGO INTERIOR
Se o bem e o mal existem, você não pode escolher – você tem que integrá-los. Richard Matheson aproveita um defeito do teleporte e embute num thrillerzinho maneiro aquela ideia – novidade pra época – de yin/yang, opostos que se complementam, e acabam sobrando farpas tanto para a religião quanto para o racionalismo.

SEMENTE DO ESPAÇO
KHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAANNNNN!!!!!!!
Um deposto déspota iluminado geneticamente aprimorado contra o povo da democracia multirracial da Enterprise – que até compreende a ideologia do sujeito, embora não a aprove. No entanto, o ex-ditador tem os ingredientes certos – autoritarismo, resiliência, disciplina, dedicação, um pouco de psicopatia à Ethan Edwards – para se tornar um desbravador de fronteiras hostis. Não perca a pervertida cena em que Khan faz a historiadora do futuro ajoelhar e implorar pelo prazer da companhia dele.

(1)Ver a série em DVDs remasterizados também tira boa parte de seu ar “pobre” ao mostrar cores muito mais vibrantes e saturadas do que qualquer transmissão de tevê. Marissa, mesmo sem ser fã da série, ao ver um episódio, levou um susto: “ei, não tinha essa cor na tevê!”. Pela primeira vez ficou visível para o blogueiro a suave matiz esverdeada no rosto de Spock, supostamente devida ao seu sangue verde, por rico em cobre e não ferro, como o humano.

No entanto, a imagem realçada também deixa claro defeitos que as limitações das televisões da época disfarçavam: entre outras coisas, há várias tomadas fora de foco e é perceptível em várias cenas o encaixe entre as orelhas de Leonard Nimoy e a prótese vulcana.

março 29, 2010


A Lenda Vive!!!!
O Parque Shanghai continua no Largo da Penha 19. Não só o Obama o visita, mas também o blogueiro. O mais antigo parque de diversões do Rio ainda em funcionamento bateu o parquinho da Lagoa que ficava perto do Clube Naval, o aparentemente invencível Tivoli e provavelmente vai deixar a Terra Encantada na poeira, com sua micromania e sua autêntica mambembagem. E ainda fica embaixo da Igreja da Penha!


Faça como Dumbo: encha as ideias de cachaça e aprenda a voar! (se duvida, vá rever o filme)



A Menor Roda-Gigante do Mundo!


Uuuuusshh!


O fantasmagórico (e deserto) carrossel










A História da Copa do Mundo III

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FRIEDENREICH

Arthur Friedenreich nasceu em 1892, mas Charles Miller teve tempo de popularizar o esporte o suficiente para que aquele garoto humilde pudesse crescer jogando futebol na várzea. Sua mãe era mulata e seu pai alemão, o que lhe deu pele clara e olhos verdes e permitiu frequentar os clubes da elite e tornar-se jogador de futebol numa época em que o amadorismo servia para mascarar o racismo - acreditava-se que os brancos eram superiores aos negros em qualquer atividade. Mas com o esporte profissional os negros poderiam treinar o dia inteiro, enquanto os brancos, mais inteligentes, com empregos melhores que não poderiam abandonar par ajogar bola, ficariam em desvantagem. É claro que isso é uma completa e absurda bobagem, mas no começo do século XX o governo estimulava a vinda de italianos para o Brasil porque o problema do país era a falta de europeus (!!!) Por conta dessa absurda tolice Friedenreich passou a maior parte de sua carreira alisando o cabelo por duas horas no vestiário antes de cada jogo para que os espectadores não percebessem que ele tinha ascendência negra.

Friedenreich foi o introdutor no futebol brasileiro do drible curto e da finta de corpo. Antes dele os atacantes apenas estavam preocupados em chutar a gol e, para se livrarem dos marcadores, basicamente jogavam a bola na frente e corriam atrás dela, dando um corte de repente. A idéia de fintar o adversário frente a frente nasceu no Brasil com "Fried", como era chamado. Também a ele são creditados os primeiros chutes de efeito (intencional) vistos por aqui.

Friedenreich tornou-se famoso internacionalmente em 1919, quando a seleção ganhou sua primeira competição internacional, o Campeonato Sul-Americano, decidido nas Laranjeiras, quando marcou o gol da vitória de 1 x 0 sobre os uruguaios, que reconheceram o talento do centroavante e apelidaram-no "El Tigre". Ainda em sua época foi considerado o melhor atacante já surgido no Brasil. Em 1925 Friedenreich excursionou pela Europa com seu time, o Paulistano, e venceu nove dos dez jogos, levando a imprensa a chamá-lo de "melhor do mundo".

Friedenreich jogou pelo Germânia (atual Pinheiros), Mackenzie, Ypiranga, Paulistano, São Paulo FC e Flamengo, onde encerrou a carreira aos 43 anos. Ele também foi um dos primeiros jogadores a ter seus gols contabilizados, primeiro por seu pai e depois pelo amigo Mário de Andrada. Em 1962, Mário de Andrada procurou a imprensa e avisou que tinha as anotações completas provando que "El Tigre" assinalara em sua carreira 1.239 gols em 1.329 jogos, marca à época inédita e hoje só superada por Pelé. Infelizmente Mário morreu dias depois, antes que pudesse entregar as fichas dos jogos, e uma pesquisa só conseguiu apurar 554 gols em 561 jogos, ainda assim números extremamente respeitáveis.

Friedenreich nunca se profissionalizou e faleceu em 1969. Após abandonar o futebol ele empobreceu e morava numa casa cedida pelo São Paulo.

A ORGANIZAÇÃO DA PRIMEIRA COPA:

Sete países europeus - Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Suécia e Suíça - fundaram a FIFA em 1904, graças aos esforços do Presidente da União de Sociedades Francesas de Esportes Atléticos, Robert Guérin. Que se tornou também o primeiro presidente da FIFA. Imediatamente começaram os planos de um campeonato mundial.

A entidade realizou vários congressos entre 1904 e 1913, aumentando sempre o número de afiliados, mas ninguém se animava a promover um torneio mundial. As viagens transcontinentais eram lentas, caras e complicadas. Não dava para os times de futebol organizarem uma pequena baderna e paquerarem as aeromoças no 14-bis. Como se pode ver pelas fotografias da época, nem as cores haviam sido inventadas ainda.
Após uma pausa em suas atividades entre 1914 e 1918, por causa de um pequeno detalhe chamado Primeira Guerra Mundial, e um novo presidente, Jules Rimet, a FIFA começou a levar mesmo a sério a história de montar uma competição internacional. Em 1924, depois das Olimpíadas, Rimet reuniu vários presidentes de federações nacionais para mostrar que o torneio olímpico de futebol reunira 25 participantes de vários continentes e dera milhares de francos de lucro. Havia condições para organizar um certame mundial do bárbaro esporte bretão.

E a chance apareceu em 1928, após Rimet rodar a Europa tentando convencer os sujeitos que mandavam nas federações nacionais a levar a história adiante. Na Olimpíada daquele ano vários dos principais países do futebol não puderam participar porque já estavam se profissionalizando e os Jogos Olímpicos ainda eram teoricamente para amadores. Além do mais, a FIFA lutava com o Comitê Olímpico Internacional pelo controle do esporte a nível mundial. Num congresso naquele ano eles decidiram que "futebol internacional não mais pode ser confinado aos limites de uma Olimpíada, e muitos países onde o profissionalismo é organizado e reconhecido não podem mais ser representados pelos seus melhores jogadores". Até hoje o Comitê Olímpico e a FIFA brigam pelo controle do futebol olímpico.

O vice-presidente da FIFA, Rodolfe Seedrayers, propôs que o país que tivesse a honra de organizar a Copa pagasse, em ordem de prioridade, pelo transporte e acomodações de juízes, membros da FIFA e delegações. Como já explicado, na época ainda não existia desconto por reservas de vôo pela Internet, então tudo sairia muito caro. Quem se interessaria em sediar o torneio?

Teria que ser um país que estivesse comemorando o centenário de sua independência, pois o governo estaria disposto a pagar por vários tipos de comemorações e eventos. Um país que estivesse animado com o bárbaro esporte bretão por ter sido bicampeão olímpico, em 1924 e 1928, sendo considerado o melhor time (não-inglês) da época. Um país chamado Uruguai.

Que ficava do outro lado do mundo para os europeus. Mas que ainda assim levou tudo adiante e tornou a Copa uma realidade. O futebol teria seu torneio internacional.

BOX

Jules Rimet mandou pessoalmente forjar a Copa do Mundo, que dava nome à competição, em ouro maciço. O regulamento previa que o país que fosse campeão três vezes ficaria com o troféu permanentemente. Após a morte de Rimet, a taça foi rebatizada com seu nome.

Um futebol já bem diferente daquele oficializado em 1863, pois com a mudança da regra do impedimento em 1866 os times começaram a pensar em organização tática. E em 1925 a regra mudou novamente, levando a uma revolução que estava apenas começando na época da primeira Copa do Mundo. A revolução do WM.

março 25, 2010

Furtivo e Covarde

Segunda Versão

Tudo que está morto torna-se pai
Tudo que vive é o filho

Nunca devorei a carne dos inimigos caídos
Para herdar sua coragem

Nunca brindei com os crânios
dos inimigos
por sua valentia que me enobrecia

Nunca amei de verdade
Nunca amei à queima-roupa
Nunca amei dolosamente

Amei como nos ensinam a matar
nas escolas nas creches no emprego no governo na tevê

Amei furtivamente
A sangue-frio
Amei pelas costas
Covardemente

Mantendo o colarinho os punhos o paletó
impecáveis

Vivemos como matamos
Pois tudo que está morto torna-se pai

E só o filho está vivo

março 24, 2010

Amor Elementar

Conte-me uma chuva
Macia, fina
Um pouco melancólica
E envolvente

Beije-me uma tempestade
Um temporal de verão
O sabor da grama molhada
O cheiro do ozônio
Os raios estourando
O ar abundando de água

Até que a terra encharcada
Seja uma lama indistinta de nossos pés
Uma úmida pasta de pó, planeta
E restos de mortos enterrados

E nós o fogo

Os Mortos de Espanha


(o original em inglês está debaixo da minha apressada tradução. O título, por exemplo, THE SPANISH LIE, é um trocadilho intraduzível com OS ESPANHÓIS JAZEM e A MENTIRA ESPANHOLA)


Isto será respondido

As lágrimas não foram respondidas, mas isto será respondido

As lágrimas de Madri, Barcelona, Valencia -
As lágrimas não foram respondidas.

O sangue de Guernica, Badajoz, Almería -
O sangue não foi respondido

As lágrimas estão secas em seus rostos

O sangue está seco na areia

As lágrimas não foram respondidas: o sangue não foi respondido

Isto será vingado

Porque os homens de Guernica não falam,
Porque as crianças de Almería estão silenciosas.
Porque as mulheres de Badajoz estão mudas.
São mudas, não têm vozes, não há vozes.
Suas gargantas foram silenciadas com a areia do lugar
Elas não falam, nunca falarão, e as crianças,
As crianças de Almería estão quietas.
Elas não se movem, nunca se moverão, essas crianças:
Seus corpos quebrados, seus ossos estão quebrados, suas bocas estão -

Porque estão mortos, estão mudos, estão sem voz

Não acredite

Não acredite que uma resposta não virá

Não acredite

Porque o sangue não foi respondido

A mentira não foi respondida

Não acredite

Porque as lágrimas não foram respondidas

Que a mentira não será respondida

Não acredite

Isto será respondido
Isto será vingado
Isto será vingado com o tempo.

Há tempo.

Os mortos têm tempo nessas cidades
Em Badajoz, em Guernica, Almería

Eles podem esperar: eles têm muito tempo

Eles têm tempo
Eles podem esperar

THE SPANISH LIE

This will be answered.

The tears were not answered but this will be answered-

The tears of Madrid, of Barcelona, Valencia —
The tears were not answered.

TTie blood of Guernica, Badajoz, Almeria —
The blood was not answered.

The tears are dry on the faces.

The blood is dry on the sand.

The tears were not answered: the blood was not answered.

This will be answered.

Because the men of Guernica do not speak,
Because the children of Almeria are silent.
Because the women of Badajoz are dumb.
Are dumb, they have no voices, no voices.
Their throats are stopped with the sand of that place.
They do not speak, they will never speak, and the children,
The children of Almeria, they are still.
They do not move, they will never move, those children:
Their bodies are broken, their bones are broken, their mouths
are —

Because they are dead, are dumb, because they are speechless,

Do not believe.

Do not believe the answer will not come.

380



Do not believe

Because the blood has not been answered

The lie will not be answered.

Do not believe

Because the tears have not been answered

The lie will not be answered.

Do not believe it.

Tliis will be answered.
This will be answered with
Time,

There is time.

The dead have time in those cities
In Badajoz, in Guernica, Almeria.

They can wait: they have much time.

There is time.

They can wait

Pimentípoli Estreia no Odeon

Pimentípoli, a ficção científica de Zé José, com cenas filmadas aqui em casa, teve sua estreia oficial brasileira (já havia participado de um festival em Lisboa) no Odeon, no Cachaça Cinema Clube. Coadjuvando o fantástico ator Luiz Henriques Neto, que por coincidência é o blogueiro, estão no elencco também minha irmã Patrícia Evans e o famoso colunista Arnaldo Bloch. Aí embaixo vão algumas fotos da grandiosa noite de março:






Minha irmã com alunas, Arnaldo e Heitor



Patrícia, Xatto, Arnaldo e o diretor Zé José


Toinho e Miou-Miou (quem é quem?)


A equipe do filme o apresenta antes da sessão



Dupla de cineastas: Zé José e Isabelle Cabral






Amigos em Geral

A Razão Pela Qual Existem Universos Paralelos

Todos nós estamos cansados de ouvir falar dos universos paralelos, mas você já parou pra pensar de onde surgiu essa ideia? Na verdade é porque, segundo o princípio da incerteza de Heisenberg, elétrons são nuvens de probabilidades (1). Você só pode conhecer a posição ou a velocidade de uma partícula, nunca ambos. Como então isso funcionaria no nosso mundo regido pelas regras matemáticas deterministas da física clássica, em que só há uma solução para cada sistema? (Imagine a Teoria da Gravitação: a Terra só pode rodar em uma órbita em torno do Sol; tão deterministas são essas equações que quando uma órbita não casava com a calculada, encontrava-se um planeta - ou planetoide, pobre Plutão...).

A solução teórica foram os universos paralelos. Pra cada ponto em que uma partícula pode tomar uma direção ou outra, cria-se um universo paralelo onde a única opção que ela tinha era aquela. De acordo com a física clássica, este não é o pior ou o melhor dos mundos, é o único mundo possível a partir do momento inicial, porque tudo que aconteceu desde o instante zero é um desenvolvimento das forças primordiais já teorizadas e compreendidas e, no futuro, perfeitamente calculáveis e previsíveis. Não haveria como as coisas se desenrolarem de outro modo - tudo responde às equações de partículas: gravitação, eletromagnetismo, interação molecular forte e interação molecular fraca.

Mas com a mudança nesse ponto de vista apresentada pelo princípio da incerteza, nós vivemos apenas num mundo dentro de infinitas probabilidades e que a cada instante quântico gera exponencialmente outros infinitos universos.

Talvez seja este o objetivo da vida no Universo: a matéria orgânica é uma equação quase imprevisível, ou mesmo realmente imprevisível, já que, alimentando-se de entropia negativa, quem sabe introduz uma variável flutuante na equação primordial? Assim, inserido o elemento aleatório na Criação, a cada vez que tomamos uma decisão, criamos todo um novo e resplandescente universo.

Ou, mesmo que a física quântica acabe se provando furada, ainda assim o universo pode não ser determinista, mas uma árvore de infinitas variações sobre o mesmo tema: desde o surgimento da Teoria do Caos começou a se questionar a quantidade de variáveis que precisariam ser conhecidas para calcular qualquer equação. A Teoria do Caos, apesar do que costuma aparecer na cultura popular, na verdade tenta repensar o universo encontrando outros padrões de previsão em gráficos de fase (como os fractais, que parecem criar formas irregulares e altamente complexas através de simples comandos).

Mas esse pensamento fora da caixa dos Caóticos veio de um dia em que um cientista mandou uma informação de um computador pruma impressora de cálculos para a previsão do tempo. Naqueles primitivos anos 60, a CPU da impressora comia os últimos algarismos decimais de cada número, e, após duas horas, o programador voltou e descobriu que os resultados da impressora e do ccomputador divergiam absurdamente. A ideia anterior de que o infinitesalmente pequeno era desprezível em computações porque os erros acabariam se compensando e somente haveria diferenças pequenas passou a ser seriamente questionada. O título do texto do tal cientista que fez essa descoberta ficou famoso e é usado até hoje: "Pode o bater de asas de uma borboleta na China alterar o tempo na América?"

Com essa necessidade de se conhecer informação de praticamente todo o Universo pra fazer qualquer cálculo, torna-se teoricamente impossível se resolver completamente qualquer sistema: o próprio Cosmo é feito de informação e não haveria espaço nele pra processar TODO ELE ao mesmo tempo. E, se o cálculo fosse resolvido após algum tempo, ele não teria validade nenhuma, pois já teriam havidas incalculáveis mudanças desde a hora em que começou a computação.

Então, é por causa da Segunda Lei da Termodinâmica e da Entropia, e da física quântica, este provavelmente não é o único dos mundos possíveis, mas um grão de areia numa criação cujo verdadeiro tamanho e significado não podemos sequer começar a abarcar.

(1) Elétrons são nuvens de probabilidade que não podemos prever, cuja posição não podemos prever, mas que seguem em alta velocidade? Isso não são elétrons, são as mulhers malucas que eu costumo namorar, roqueiros e outros amigos malucos meus...

Daniela, Nina e Ana Sílvia no Arpoador




Pegar uma praia à noitinha no Arpoador virou a grande moda do verão. Especialmente pra jornalistas, escritores e afins. Clique na imagem para ampliar e lembre-se: eu nunca disse que eram boas fotos.

A Fronteira Final - A Primeira Temporada de Star Trek a Série Clássica



Missão de Misericórdia

Anteriormente: Operação Aniquilar


O que é exatemente ser “subversivo”? Na época da Guerra Fria, dos anos 50 ao anos 80 eram os que queriam subverter a ordem. Não interessava que a “ordem” na verdade fosse uma ditadura militar, subversivos eram os comunas sujos inimigos da liberdade. O que incluía, além dos ativistas e terroristas, também artistas e intelectuais de esquerda.

Mas o que realmente há de subversivo em, digamos, um musical de Chico Buarque chamado “O elogio da traição”? Será que algum integrante da TFP assistiria a essa peça e teria uma epifania, mudando suas opiniões? E um filme de Michael Moore? Qual o fã de Bush que assistiu “Fahrenheit 11 de setembro” e saiu de lá disposto a votar em John Kerry?

É por isso que assistir a um seriado de tevê americano dos anos 60 - quando, para manter o equilíbrio de poder com a União Soviética, os Estados Unidos financiavam prazeirosamente ditaduras militares em toda a América Latina - apresentar um episódio como “Missão de Misericórdia” pode, isto sim, ser considerado verdadeiramente subversivo. O programa subverte seu aparente formato de fantasia de guerra fria, típico da época, para voltá-lo contra si mesmo e questionar os valores por trás das tramas clichês de “comandos” combatentes da liberdade contra malvados invasores alienígenas. E ainda com claríssimas alusões à Guerra do Vietnã, a todo o vapor na época, assunto evitado por tudo que era show de tevê.



Os klingons, que aparecem pela primeira vez, dão à Frota Estelar uma guerra que ela não queria, embora, como comente Spock, os humanos parecem sempre estar arrumando conflitos que não queriam. Precisando de um posto avançado num quadrante estratégico, Kirk e o vulcano descem a um planeta cheio de humanóides num estágio tecnológico similar ao da Idade Média e, em troca de uma base, oferecem a seus governantes – aliás, governantes não, eles dizem ter apenas “conselheiros” - dinheiro, provisões, tecnologia, o que eles quiserem (na época ainda não havia sido criada pelos roteiristas a Diretriz Primária, que impedia a interferência nas culturas de planetas não federados). Para surpresa do capitão da Enterprise, os organianos não manifestam o menor interesse na proposta.

O que é tomado como um insulto pelo maniqueísta Kirk. Quem não está com ele, está contra ele. O militar tenta amedrontá-los dizendo que a única alternativa à sua proposição é uma invasão klingon, uma ditadura militar e opressora, mas isso não muda a opinião dos nativos. E eis que os klingons realmente chegam e ocupam o planeta, liderados pelo Comandante Kor.



Kor é um tremendo inimigo. Neste episódio os klingons, apesar de substitutos para os russos, não são traíras desprezíveis e pusilânimes, mas soldados com forte cultura guerreira (como seriam novamente retratados a partir de Nova Geração). A ótima atuação do comandante alienígena, visivelmente divertindo-se com o papel, fez o blogueiro reconhecer o rosto maquiado como um vilão já visto antes em outra ficção científica e uma rápida consulta aos créditos confirmou a sensação. Kor é interpretado por John Colicos, o Baltar da primeira “Battlestar Galactica”, onde ele tanto abusou de quebras de linhas e expressões faciais que quase conseguiu dar tridimensionalidade a um sujeito escrito apenas para ser mau.

Mas não é o caso de Kor, cuja visão de mundo vem de uma cultura guerreira, o que o faz antipatizar de pronto com os organianos, sempre sorridentes e condescendentes, aceitando passivamente as ordens dos klingons. Sua única simpatia vai para “Baromer”, o único que parece demonstrar ódio contra os invasores, que é justamente nosso capitão Kirk de roupinha medieval. Isolado da Enterprise, que teve que se mandar pra buscar reforço quando a frota inimiga apareceu, ele e Spock, disfarçado de mercador vulcano, resolvem iniciar ações de guerrilhas contra os invasores e começam por destruir um depósito de munições. O que só leva os conselheiros nativos a entregarem-nos, já que as represálias incluiriam sem dúvida ações de violência.

Numa versão tradicional dessa história, o conselho se dividiria, com algum representante mais jovem se desiludindo com os klingons e assumindo o “nosso” lado, mas nada disso acontece. Kirk é interrogado por Kor, que diz que os dois são no fundo bem parecidos. O capitão da Frota Estelar afirma que não, eles não têm nada a ver, ele vem de uma democracia e os klingons são uma ditadura militar. Kor retruca com um sorriso, dizendo que são apenas pequenas diferenças ideológicas, mas que no fundo os dois lados amam o combate. Mas quando tudo parece perdido, os próprios organianos parecem surgir do nada para resgatar Kirk e Spock, “porque seus captores planejavam atos de violência contra vocês”.

Só que a fuga de Kirk e Spock leva os klingons a matarem 200 organianos. O enfurecido capitão estelar cobra providências do conselho, que permanece passivo, o que leva nosso herói a um discurso que é uma completa subversão dos valores vendidos nesse tipo de show: “eu não gosto de você, do seu planeta e nem da sua cultura, mas vou lutar por vocês, mesmo que vocês não queiram”.

Mas se você pensa que este é o ponto alto do programa, ainda tem a hora em que Kirk e Spock conseguem improvavelmente encurralar Kor em sua sala, parecendo ter resolvido a questão, para mais uma vitória do nosso lado e o apoio incondicional dos organianos libertados da opressão. Mas não, Kor explica que o sucesso militar dos klingons é a vigilância. Até mesmo ele é vigiado. E nossos heróis veem que o escritório está grampeado e soldados estão vindo para resgatar seu chefe. A situação mostra a completa falta de coerência interna de uma frase do então recém assassinado Kennedy, um bordão em plena voga na época e pelos próximos 20 anos, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Liberdade e vigilância são termos contraditórios entre si, no entanto este lema foi envergado pelo intervencionismo americano e seus simpatizantes por décadas a fio.



Uma das coisas que mais irritava os Cheneys da época da Guerra do Vietnã era a passividade dos vietnamitas quanto ao conflito. Exatamente como para os organianos, as lutas entre os americanos e os comunistas pouco lhes diziam. Tudo que eles sabiam é que seus “salvadores” os tiravam de suas terras e os levavam para campos “seguros” longe de suas aldeias e suas famílias. Camponeses analfabetos, paupérrimos e budistas, eram completamente incompreendidos pelos ianques, que jamais conseguiram conquistar seus “corações e mentes”. E frente aos ocidentais materialistas, seu desapego pela vida parecia quase uma provocação.

Parte desse comportamento podia ser explicado pela pobreza – ele não tinha tanto pelo que viver -, parte pela sua religiosidade, provavelmente análoga à do camponês europeu medieval, antes da secularização do Ocidente. Gene L. Coon, autor deste episódio, depois de quatro anos lutando na Segunda Guerra como fuzileiro naval, passou mais de quatro anos nas tropas de ocupação da China e do Japão e certamente teve bastante contato com as filosofias orientais, que parecem ter tido o mesmo efeito sobre ele que tiveram sobre Thoureau. Pelo menos o pacifismo e o radicalismo de não violência aqui retratados lembram muito a filosofia de resistência passiva do famoso pensador.

Mas os organianos já atingiram mesmo o Nirvana há muito tempo. E literalmente. Tendo se tornado seres de pura energia, explicam que tudo que os beligerantes viram eram construtos para interação dos nativos com essa gentalha que ainda usa corpos. Ninguém morreu executado pelos klingons porque ninguém morre há milhões de anos. Um dos conselheiros explica que está ao mesmo tempo falando com Kirk e Kor, vigiando as naves em órbita e em cada planeta dos guerreantes. Ele é o alfa e o ômega, o princípio e o fim, o primeiro e o último. E declara que hoje ninguém morre, impedindo o conflito que abriria a guerra entre a Enterprise e seus reforços e a frota klingon. E Gene L. Coon arremata sua obra brilhantemente subversiva, não só ironizando a frustração de quem esperava uma historinha tradicional com uma grande e decisiva porradaria no final, como também a filosofia agressiva por trás de todas aquelas iniciativas “Aliança para o Progresso” da época. E tudo isso através de um curto comentário de Kor, deliciosamente declamado por John Colicos:

“Ah, teria sido glorioso”.

E este episódio foi.

Digno de nota:

Contagem de corpos: Hoje ninguém morre, graças aos organianos.
Avistamentos de Tenente Leslie (Eddie Paskey): um, muito rápido, virando o rosto na ponte.

Enxurrada na General Polidoro
















Cinco horas depois da chuva de sábado retrasado, o panorama na General Polidoro, aqui do lado de casa, era de cidade bombardeada. Esses carros todos estavam só no meu quarteirão. Algum tempo antes, ainda havia vários sujeitos limpando os carros encharcados e botando eles pra funcionar.

Quem conhece a General Polidoro sabe que ela não é retilínea. Parece não haver motivo para tanto, já que não há morros ou pedras em sua extensão, mas é que ela seguia um rio hoje enterrado, o Berquó. Como sói acontecer em terrenos pantanosos urbanizados na marra, é esse curso d'água que tenta se libertar da sua prisão subterrânea sempre que chove muito neste úmido Rio de Janeiro, assim como em tantos outros pontos da cidade.

março 21, 2010

Contando as Batidas

Robert Graves
Tradução livre, correndinha e precária de Luiz Henriques Neto

Você, amor, e eu
(Ele sussurra) você e eu
E se não mais do que só você e eu
Que importa pra você ou eu?

Contando as batidas
Contando as lentas batidas do coração
O tempo sangrando até a morte em lentas batidas
Acordados eles jazem

Dia claro
Noite, e dia claro
Ainda assim a tempestade desabará sobre eles algum dia
De um céu amargo

Onde deveremos estar
(Ela sussurra) onde deveremos estar
Quando a morte bater à porta
Ó, onde deveremos estar
Você e eu?

Em nenhum outro lugar
(Ele sussurra)apenas aqui
Como estamos, aqui, juntos, aqui e agora
Sempre você e eu

Contando as batidas
Contando as lentas batidas do coração
O tempo sangrando até a morte em lentas batidas
Acordados eles jazem

(tradução livre de Luiz Henriques Neto)

Counting the Beats

You, love, and I,
(He whispers) you and I,
And if no more than only you and I
What care you or I ?
Counting the beats,
Counting the slow heart beats,
The bleeding to death of time in slow heart beats,
Wakeful they lie.

Cloudless day,
Night, and a cloudless day,
Yet the huge storm will burst upon their heads one day
From a bitter sky.

Where shall we be,
(She whispers) where shall we be,
When death strikes home, O where then shall we be
Who were you and I ?

Not there but here,
(He whispers) only here,
As we are, here, together, now and here,
Always you and I.

Counting the beats,
Counting the slow heart beats,
The bleeding to death of time in slow heart beats,
Wakeful they lie.

Resolvido o Mistério do Navio MUITO Encalhado



Nesta postagem de 2008 comentei sobre como a demolição do Castelo foi feita de forma tão impetuosa que durante quase 20 anos a Esplanada realmente ficou sendo exatemente isso: uma esplanada. Ainda em meados dos anos 30 parecia uma zona de guerra bombardeada impiedosamente e somente a construção dos Ministérios - da Fazenda, do Trabalho e da Educação - iria começar a atrair gente prum lugar que ficava a DOIS QUARTEIRÕES DE DISTÂNCIA da principal via da cidade à época, a Rio Branco. Por que exatamente ninguém se interessou pelo local é um mistério, e outro muito grande era o que esse navio aí em cima estava fazendo tão encalhado lá. Talvez fossem enchentes e marés que afastassem as pessoas desse vazio de homens e ideias.



Mas finalmente encontrei outra foto do lugar, do mesmo ângulo, que parece corroborar a teoria exposta no post anterior (sentiu a aliteração?). Parece que realmente era mesmo um salão de baile, já que dentro do parque Shangai da postagem abaixo (sim, ele esteve uma época instalado no Castelo e realmente é ele na foto do Obama) e com uma cara de precariamente construído. Antes eu achava a hipótese um tanto implausível devido ao tamanho da coisa, grande demais pruma construção tão efêmera, mas esqueço que naquela época gostavam de construir edificações mirabolantes e enormes pra Feria do Centenário da Abertura dos Portos às Nações Amigas e da Independência pra depois simplesmente botar quase tudo abaixo. Então, pra vocês, eis acima um velho retrato do cordão do Bloco dos Laranjas, que deve ter arrebentado nos carnavais dos anos 30 numa área ao mesmo tempo perto da cidade e longe o suficiente pra dar uns apertos numas vadias.

Obama no Parque Shangai


Quem diria, ele na juventude passeou no Rio de Janeiro... Será que a Michelle sabe disso?

A História da Copa do Mundo II

Clique aqui para o capítulo anterior

COMEÇA O FUTEBOL NO BRASIL

A primeira notícia que se tem de futebol no Brasil é que um bando de marinheiros ingleses desembarcou do navio Criméia em 1876 e jogou uma animada pelada em frente à residência da Princesa Isabel, com a devida permissão, é claro.

Dizem que a princesa se entusiasmou com o jogo, mas como o conde d'Eu não respondeu às perguntas que ela ficava fazendo, "benhê, quem que é a bola?", "benhê, por que aquele sujeito macambúzio e taciturno que fica o tempo inteiro debaixo daqueles três paus tem uma camisa diferente dos outros?", "benhê, por que não dão uma bola para cada um e todo mundo fica satisfeito?", ela acabou se desinteressando. Sem público os ingleses acabaram voltando para o navio e terminou assim a primeira excursão-relâmpago de que se tem notícia nestas terras. Seria preciso um autêntico brasileiro para realmente trazer o bárbaro esporte bretão para nossas praias. E este autêntico brasileiro tinha um nome: Charles William Miller.

Charles Miller tinha dois anos quando os marinheiros do Criméia fizeram a pelada aqui. Era descendente de britânicos e foi mandado para estudar na Inglaterra, então a maior nação do planeta, quando tinha dez anos. Lá passou uma década e se tornou o astro do time de seu colégio. Ele também se tornou um bom jogador de críquete, mas felizmente quando desembarcou aqui em 1894 trouxe duas bolas de futebol, evitando que hoje em dia andássemos por aí cravando arames no chão e batendo em bolinhas com palmatórias gigantes.

Charles ficou surpreso ao descobrir que ninguém sabia como se jogava o bárbaro esporte bretão por aqui, ao contrário de hoje em dia, quando só comentaristas de futebol não sabem. Os primeiros times que conseguiu armar eram quase todos de ingleses que trabalhavam nestes tristes trópicos, no Banco de Londres, na Companhia de Gás e na Ferrovia São Paulo Railway. Estas duas últimas equipes protagonizaram o primeiro jogo entre brasileiros. Os ferroviários ganharam por 4 x 2.

O esporte também foi rapidamente adotado nas escolas católicas do país. Os padres e professores aprovavam porque evitava que na hora do recreio os alunos ficasem conversando entre si, em rodinhas que os monges não sabiam sobre o quê falavam. Também deixava os alunos sem energia para outras atividades mais temidas pelos religiosos. Não por coincidência o primeiro fabricante de bolas de couro cru no Brasil foi o padre Manuel Gonzales, do Colégio São Vicente, de Petrópolis.

Charles Miller fundou o São Paulo Athletic Club, criou o drible que leva seu nome, "charles", uma puxada de calcanhar também conhecida como "chaleira" (embora alguns digam que o "charles" original era uma espécie de drible do elástico) e marcaria o primeiro gol brasileiro contra argentinos em 1908, quando já pensava em abandonar o esporte para se tornar juiz e dirigente. Mas aí o movimento que ele começou não tinha mais como parar, tornava-se cada vez mais e mais popular. Nas palavras de Mário Filho, que antes de ser estádio era jornalista e escritor, era "tudo simples, simples demais. Era fácil jogar, meter o pé numa bola, sair correndo atrás dela. A bola era tão grande que não havia jeito de errar. Quando a bola entrasse, gol, nova saída. O quíper (goleiro) podia segurar a bola com a mão".

Os jogadores, quase todos de boa situação financeira, pois, como visto, estudavam em bons colégios ou no exterior, começaram a fundar os clubes. Garotos em não tão boa situação financeira viam-nos treinando e jogando e começavam a se interessar. E no mundo inteiro havia na época uma fascinação pela prática de exercícios. O remo, que dava ao praticante muitos músculos, era então o esporte mais popular. As moças adoravam ver os remadores e os rapazes gostavam de torcer pelos seus ídolos. Mas como todos nós sabemos, assistir de longe a uma corrida dentro d'água não é tão envolvente quanto ver o pessoal jogando bola. Logo havia um público para os matches do bárbaro esporte bretão, que foi crescendo, com os espectadores torcendo para um time ou para o outro e dando início ao que Mário Filho considera o grande motivo que faria o futebol ser levado muito a sério e ao profissionalismo: a gozação.

Sim, isso mesmo, a gozação. Os torcedores do time ganhador começaram a fazer piadinhas com os perdedores, tais como mandar um chapéu vários números maior para a "cabeça inchada" ou telegramas de pêsames. Isso era inaceitável. Era preciso fazer alguma coisa. Treinar mais. Arrumar jogadores melhores. Levar o jogo mais a sério. E assim foi. Em pouco tempo foram abandonados o amadorismo e os ideais racistas da época. Era preciso manter a ilusão do amadorismo, então o clube arranjava para os atletas empregos aos quais muitas vezes eles nem compareciam. As federações tentavam combater este hábito com fiscais aparecendo de surpresa nos pretensos locais de trabalho dos jogadores e pedindo para vê-los, mas logo todos os clubes estavam fazendo o mesmo e por volta de 1933 o profissionalismo começou a ser implantado no país. Era o caminho que o resto do mundo também vinha tomando, inclusive porque foi por essa época que apareceu a primeira competição internacional exclusiva de futebol: A Copa do Mundo.

março 20, 2010

Unwanted

Edward Field


The poster with my picture on it
Is hanging on the bulletin board in the Post Office.

I stand by it hoping to be recognized
Posing first full face and then profile

But everybody passes by and I have to admit
The photograph was taken some years ago.

I was unwanted then and I'm unwanted now
Ah guess ah'll go up echo mountain and crah.

I wish someone would find my fingerprints somewhere
Maybe on a corpse and say, You're it.

Description: Male, or reasonably so
White, but not lily-white and usually deep-red

Thirty-fivish, and looks it lately
Five-feet-nine and one-hundred-thirty pounds: no physique

Black hair going gray, hairline receding fast
What used to be curly, now fuzzy

Brown eyes starey under beetling brow
Mole on chin, probably will become a wen

It is perfectly obvious that he was not popular at school
No good at baseball, and wet his bed.

His aliases tell his history: Dumbell, Good-for-nothing,
Jewboy, Fieldinsky, Skinny, Fierce Face, Greaseball, Sissy.

Warning: This man is not dangerous, answers to any name
Responds to love, don't call him or he will come.


Livre Tradução Minha:

O cartaz com meu retrato
enfeita o quadro de avisos dos Correios

Paro ao lado dele esperando ser reconhecido
Posando de frente e depois de perfil

Mas todo mundo passa sem ver e tenho que admitir
A foto foi tirada já faz alguns anos

Eu já não era procurado então e ninguém me procura hoje em dia
Acho que vou gritar e ouvir o eco nas paredes de minha solidão

Gostaria que alguém encontrasse minhas digitais em algum lugar
Talvez num cadáver e dissesse, "é ele"

Descrição: Sexo masculino ou bem perto
Branco, mas normalmente vermelho de vergonha

Por volta de trinta e cinco e aparentando até mais
Um metro e setenta e sessenta quilos: físico nenhum

Cabelos negros embranquecendo e rareando rapidamente
Costumavam ser cacheados, estão cada vez mais apenas desgrenhados

Olhos castanhos sob cenho inexpressivo
Gordura no queixo, provavelmente vai virar uma papada

É perfeitamente óbvio que ele era impopular na escola
Não jogava bola e molhava sua cama

Seus apelidos contam tudo:
Bobão, Imprestável, Judeuzinho, Trautemberg, Fiapo, Feioso, Marica

Atenção: O elemento não é perigoso e responde quando abordado
Vulnerável ao amor; não o chame ou ele virá

O Zepelin pousa em Santa Cruz


Clique na imagem para ampliar

Quem viaja para a Costa Verde pela Avenida Brasil vê ao longe uma enorme estrutura. Eu sempre achei que fosse uma enorme fábrica ou um presídio com altíssimas muralhas, mas há alguns anos descobri que é simplesmente o hangar do zepelin da época em que ele cruzeirava pra cá nos anos 30. O hangar ainda funciona e é um dos poucos ainda de pé no mundo e planejo um dia dar uma passada lá pra visitar. Essa foto aí em cima, que peguei no saite rioquepassou.com.br, mostra a multidão em Santa Cruz, que se hoje em dia é longe do Centro, em 1930 devia ser lá onde a curva perdeu as botas no vento, pra receber os passageiros e pra ver o leviatã voador. Devia ser um acontecimento na zona rural do Rio da época. Santa Cruz até hoje tem um ar de ser uma outra cidade, com outro ritmo e atmosfera, diferentes da gente do lado de cá. O outro lado da linha de trem do Engenho de Dentro também tem essa cara, embora bairros como Realengo ou Madureira não tenham. Será que é por eu ser um babaca burguês da Zona Sul ou realmente existe essa sutil diferença cultural nesses bairros, não relacionada com a distância, mas com a cara deles mesmo?