maio 14, 2009

A Fronteira Final - A Primeira Temporada de JORNADA NAS ESTRELAS - A série clássica



Semente do Espaço

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Inimigo Interior, por Roger Filósofo



Este é um dos episódios favoritos de todo mundo. Tem o capitão Kirk dando porrada num superomem, a galera da Enterprise dando lição de moral e, principalmente, o vilão que ficaria irado no segundo longa da franquia, que muito trekker considera o melhor.

O povo da NCC 1701 encontra uma nave terráquea do século XX, antes da invenção do voo interestelar, e a resgata para encontrar 72 viventes em animação suspensa. Como todos sabem, 13 anos atrás, em 1996, estourou a III Guerra Mundial entre os seguidores de líderes geneticamente aperfeiçoados e ao fim das hostilidades alguns deles sumiram.

Se você não lembra disso tudo, precisa da ajuda de uma historiadora, como a que tem na Enterprise e é convocada pelo capitão Kirk pra, como ele mesmo diz, finalmente ter alguma coisa pra fazer. Como falta do que fazer é sempre um problema – a mente ociosa é o jardim do diabo – a moça passou o tempo fazendo pinturas de seus ídolos, Napoleão, Alexandre, César, e fantasiando com os homens másculos e viris de outros tempos que não o século XXIII. Daí, quando ela bota os olhos naquele exemplar eugênico dormindo na nave “Botany Bay”...

Kirk e amigos logo descobrem que o caboclo que eles acordaram é Khan Noonien Singh, um dos líderes eugênicos e o melhor deles. Bem intencionado, pacífico, trouxe prosperidade ao seu povo e lhe tirou a liberdade. Spock não compreende a admiração da galera da Enterprise por ele, mas eles lhe explicam que admirar não é necessariamente concordar, o que devia soar muito estranho aos ouvidos do povo que vivia a Guerra Fria, onde o inimigo era sempre um sujeito desprezível com hábitos estranhos e provavelmente vinha do espaço exterior, daí o sotaque russo.

Khan é culto, educado, tem uma figura perfeita e fica visivelmente feliz quando descobre que seus oponentes são melhores do que imaginava. Mas sua obsessão por controle absoluto o torna uma pessoa de difícil convívio, embora faça dele um tremendo amante para mulheres com tendências submissas, o que é justo o caso da historiadora, insatisfeita com a perfeição liberal e racional dos homens positivistas do século XXIII – parece que Kirk é uma exceção e o resto dos machos futuristas está mais para Scott, McCoy e, por que não dizer, Sulu.

O subtexto sexual de “Jornada nas Estrelas” dificilmente afloraria tão à superfície quanto neste episódio. Depois de conferir a historiadora – finalmente ela arrumou algo pra fazer - e ser desmascarado, Khan é confinado a seus aposentos e recebe a visita de sua fã e, numa cena intensamente perversa, leva-a aos poucos a implorar para ficar (e obviamente dar umazinha). A moça ajoelha clamando por ter o privilégio da companhia dele e por um momento eu e meus incrédulos companheiros assistindo tivemos a claríssima sensação de que ela iria partir para o boquete. Mas eles partem mesmo é pra dominar a nave.



Khan consegue tomar a Enterprise com facilidade, com todo o seu avantajado intelecto, mas quando ameaça matar o capitão Kirk, é demais até mesmo para os hormônios da historiadora, que liberta o comandante da astronave e está tudo pronto para a porrada final entre o campeão da democracia e o da autocracia. Adivinhem quem vence.

Ao final, Kirk não prende Khan, mas solta o tirano, seus seguidores dele e a historiadora num planeta que é um inferno, para que lá ele possa construir seu império. Final estranhíssimo, sugerindo que a autocracia é um passo necessário antes da democracia, que a democracia é um luxo de tempos de fartura pela qual devemos zelar e que o comodismo de quem esquece isso leva a uma perda de virilidade – o que fará nossas mulheres darem para selvagens amorenados de outras culturas.

Essa idéia final de que para civilizar o planeta que é um inferno faz-se necessário um sociopata com delírios de grandeza é extremamente semelhante à visão amarga do John Ford dos anos crepusculares (confira “Rastros de Ódio” na seção “Blogue sem Lei”). Mas se para as mulheres o povo da democracia que vinha depois, com suas idéias de cooperação e igualdade, era mais adequado para o casamento, os psicopatas eram perfeitos para a vida na horizontal.

A controvertida visão é muito bem vendida pelos diálogos, os melhores até agora no seriado, explorando muito bem a interação do trio Kirk-Spock-McCoy, parte fundamental do charme do programa. A esgrima verbal entre Khan e o capitão, bem como o povo da Enterprise exaltando as virtudes de um tirano, pra surpresa do Spock, são momentos muito bem redigidos, embora o ponto alto seja mesmo a sessão sadomasoquista na cabine de Ricardo Montalban. Uma inacreditavelmente acurada visão sexual sobre o comodismo do homem urbano logo no alvorecer da emancipação feminina, antecipando em muito a atual moda de dominação e submissão, com cada vez mais casais fãs de algemas, vendas e lingeries, tentando simular a atração animal de tempos menos civilizados.

Pena que alguns anos depois Khan perderia todas as suas nuances para se tornar apenas mais um vilão malvado, numa inegavelmente excelente atuação de Ricardo Montalban, em “Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan”, no começo da reciclagem da Guerra Fria que a era Reagan traria.


Digno de nota:

- Contagem de corpos: Zero. Os escritores continuam piedosos com o povo da Enterprise.
- No meio da luta com o Ricardo Montalban, dá pra ver claramente que William Shatner foi substituído por um dublê mais alto, mais longilíneo, tinha cabelo e penteado diferentes, um rosto mais comprido e feições pouco parecidas com o Kirk.

Amanhã: A galera da Enterprise cheia de cachaça nas ideias em "Tempo de Nudez"

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