abril 23, 2006

Além da Imaginação

Há alguns anos, o Luiz Carlos Maciel tentou levantar um projeto de uma série brasileira imitando ALÉM DA IMAGINAÇÃO. Ele chamou uns sujeitos pra escrever uns roteiros. Eu escrevi quatro e o que mais gosto é este aí debaixo. O Maciel gostava de um sobre uma borboleta, que vai ser o próximo a ser postado.

O formato de ALÉM DA IMAGINAÇÃO, acho que todo mundo aí sabe, era meia hora, com uma história de fantasia e final surpreendente, com ênfase na psicologia das personagens. Tinha escritores fantásticos como Charles Beaumont e o próprio idealizador, Rod Serling. Criou mitos da cultura pop: um Inferno onde o castigo é a imediata realização de todos os seus desejos; o último sobrevivente da Terra feliz porque vai finalmente poder ler todos os livros que sempre quis e a mulher e o patrão não deixavam, e então seus óculos caem e quebram (por que ele não foi nas lojas de óculos abandonadas procurar outro?); o garotinho onipotente que arruina a vida de uma cidade, e muitos outros.

Este roteiro veio de uma conversa que tive com o Maciel. Ele me contou que tinha ido a uma festa de crianças na véspera e ficou pensando em como poderia tirar uma história dali. "O Rod Serling criava seus enredos em cima dessas situações banais". Eu falei, "bem, o que tem de assustador em crianças é que elas vão nos substituir...", e como tinha acabado de terminar com a Vânia, uma grande mulher da minha vida, acabou saindo a história abaixo:


cena
casa de paulo/int/anoitecer
paulo/vera/tati/carol/maciel
a câmera passeia por fotos em porta-retratos ou por um mural com fotos. Um mesmo homem em diversos cenários, sempre acompanhado por uma bela mulher com expressão apaixonada. ouve-se vozes de crianças pequenas rindo e um homem e uma mulher brincando com eles. Após passar pelo homem - paulo - e suas mulheres, a câmera finalmente acha ele brincando com as crianças, em outro aposento ou no corredor. Maciel, no aposento das fotos, fala.
maciel: Você sabe que os seus filhos estão crescendo quando começam a perguntar "de onde vêm as criancinhas?". A maioria dos pais tem muitos problemas para lidar com essa questão... Não só por se sentirem constrangidos, mas por saberem, no fundo, que acabou o tempo da convivência com aquela criatura "pura e inocente". Que não há mais como escapar da questão sexual até no relacionamento filial... talvez por isso a maioria deles tente prolongar este período de latência com historinhas sobre florezinhas e abelhinhas... sem saberem que mesmo eles desconhecem a verdadeira resposta...
a câmera volta para o homem que brinca com as crianças, o quarentão charmosão e gostosão paulo. Ele levanta e pega as crianças e lhe faz cócegas. Elas riem.
paulo: Onde vocês pensam que vão? O que estão fazendo?
vera: Carol, Tatiana, deixem o seu tio em paz. Vocês têm que se arrumar...
carol: Ah, mãe...
vera: Vão. Vão arrumar suas coisas que a gente já vai. Seu tio tem uma festa pra ir...
tati: A gente pode ir?
vera: Não. A Carol tem que estudar. Vão, vão.
as crianças saem e entram num quarto. vera fala com o irmão enquanto ele mesmo se apronta. Ela olha para as fotos das mulheres.
vera: Você gosta tanto de crianças... por que nunca quis ter as suas?
paulo: Eu gosto das crianças dos outros, Vera. Dão menos trabalho.
vera: Mas você divide esse trabalho, Paulo... e você teve tanta chance de dividir com mulheres tão maravilhosas... A Helena, a Branca, a Denise...
paulo: A Rita, a Branca, a Fernanda, a Renata, a Branca...
vera: Você gostava muito da Branca, não é?
paulo pára um pouco para pensar, a menção do nome dela o tocou. ele pega o porta-retrato em que aparece com branca ou olha para a foto dela no mural.
paulo: Gostava. Gostava muito. Mas ela ficou muito estranha depois da operação...
vera: Ela teve que tirar o útero, não foi? Isso acaba com uma mulher, Paulo Ferenczi, você não entende.
paulo: Eu amava ela, Vera, não o útero dela.
vera: Eu sei. Nunca casou e nunca teve filhos. Tantas mulheres e nenhuma te levou a largar essa vida de festas e farras.
paulo: É. Eu sou um incorrigível farrista, maninha. Saindo sábado pra ir a uma festa de criança.
vera: Festa de criança, sei... é mulher ou negócios, Paulo?
paulo: Negócios. A Denise conseguiu falar com o Souto Ferreira e ele falou que ia estar nessa festinha, preu encontrá-lo lá...
vera: Negócios e crianças... você acha que isso combina?
paulo: Não muito. Por isso eu vou bem nos negócios.
as crianças voltam e abraçam o tio, dizendo "tchau, tio, tchau, quando é que você vai visitar a gente?"
vera: Meu irmão tubarão. Impiedoso homem de negócios...
paulo: Esse é outro problema com as crianças. Elas conhecem facilmente a personalidade das pessoas...
vera: Quer uma carona, mano?
paulo: Não, vou pegar um táxi...
vera: Você ainda vai pegar a Márcia?
paulo: Não, eu e a Márcia terminamos.
vera: Terminaram? Eu não sabia...
paulo: Pois é... ela também começou a vir com esse papo de casamento...
vera: Ah, Paulo Ferenczi, você não tem jeito...
paulo: Eu tenho. As mulheres é que não.
vera: Tá bom, tá bom... vai descer agora?
paulo: Vou... vamos.
os quatro saem enquanto.
paulo (ÀS CRIANÇAS): E você, Tati, quando é que vai aprender a ler..?
cena ii
táxi nas ruas do rio/int/noite
paulo/motorista de táxi
paulo vai no banco de trás pensativo. seu celular toca. Ele o pega. O visor indica quem chamou - márcia. Ele não atende. A secretária do celular atende.
paulo (OFF, NA SECRETÁRIA): Deixe o seu recado.
márcia (OFF): Paulo, onde é que você tá? Por que é que a gente tem que terminar justo agora que estamos indo tão bem? Hoje é sábado, seis e meia... me liga pra gente tomar alguma coisa e conversar. Vou ficar esperando, tá bom?
paulo guarda o celular e observa o jornal de domingo no lado de trás do banco. pega-o e folheia-o.
paulo: Já é o jornal de amanhã?
taxista: É. Eu tô comprando por causa da enciclopédia que está distribuindo.
paulo: Enciclopédia?
taxista: É. É uma coisa que eu sempre quis dar pros meus garotos, mas era muito cara. Agora o jornal tá dando, você só paga mais seis e noventa cada livro...
paulo: Nunca pôde comprar uma enciclopédia? Mas uma enciclopédia em CD-ROM custa menos de sessenta reais...
taxista: Mas e o computador, né, doutor?
paulo: Ah, tá... é verdade... o táxi não é seu não, né?
taxista: Não. Eu arrendo. Tenho que pagar cem pratas por dia, depois o lucro é meu... eu quero ver se hoje ainda tiro o dinheiro da enciclopédia... eu quero que meu filho vença na vida. Estude muito.
paulo: Entendo...estudo...
paulo fecha o jornal e olha pela janela.
cena iii
entrada do clube/int/noite
paulo/motorista de táxi/funcionários/convivas
paulo chega à festa, realizada em algum salão de clube chique, a hípica ou o fluminense, pelo menos. Ele dá um dinheiro extra para o motorista.
paulo: Guarda o troco pra enciclopédia.
taxista: Obrigado, doutor.
paulo: Eu não sou formado em nada, moço. Esquece o "doutor".
paulo caminha até o clube onde um porteiro lhe abre o caminho.
cena iv
salão de festa/int/noite
paulo/convivas/garçons/crianças/leila/lisa/clara/garotinho/
mulher 1/mulher 2/garçom/mulher elegante/altinho
paulo entra na festa. os adultos estão tomando seus coquetéis, de um lado. As crianças brincam de outro. A cena é inicialmente vista rapidamente, o que impede os espectadores de repararem que não há nenhum adulto com as crianças. Paulo se aproxima de um garçom e se serve. Seu olhar gira pela festa. Ele parece não conhecer ninguém. Aproxima-se de duas mulheres conversando.
mulher 1: E quando eu falei que precisava mudar pro horário de 7h00m, eles falaram que era trinta reais a mais por mês!
mulher 2: Tem uma academia em cada esquina, eles enchem de promoção pra te atrair, depois querem te tirar o couro.
paulo tenta se intrometer na conversa.
paulo: Vocês gostam de malhar?
as mulheres olham para o quarentão sedutor.
mulher 1: Não é gostar. Nós temos que malhar.
mulher 2: Estamos com trinta anos. Quem olha para mulheres de trinta anos que não malham? Você olharia?
paulo: Claro.
mulher 2: (RINDO) Claro que olharia. Um homem que vai a festas infantis para paquerar...
paulo: Quando qualquer conversa com alguém é uma cantada, então qual o problema de ser numa festa infantil?
as duas mulheres sorriem e saem.
mulher 1: Nós vamos ao banheiro... peraí...
paulo fica olhando para as duas mulheres que reagiram tão estranhamente, quando uma bandeja de festa é posta em frente ao seu rosto. É um garçom.
garçom: Whiskey?
paulo: Eu já estou bebendo (MOSTRA O COPO).
garçom: Pelo jeito, de menos.
paulo: Você fala demais para um garçom.
garçom: E você de menos para um convidado. Deslocado?
paulo: Eu estava procurando Souto Ferreira. Ricardo Souto Ferreira. Conhece?
garçom: Claro que conheço. Parece que ainda não chegou. Você não é o único procurando por ele.
paulo: Muitos candidatos a fechar negócio?
garçom: Muitas mulheres... (SAI)
paulo fica olhando, copo na mão. Uma mulher passa ao longe, num belissimo vestido de noite e sorri para ele com segundas intenções. Paulo se prepara para ir atrás dela, mas algo o segura. A câmera abaixa para mostrar que foi uma criança. Um garoto bem pequenininho.
garotinho: Tio... me ajuda a ir ao banheiro?
paulo: Como?
garotinho: Me ajuda a ir ao banheiro?
paulo olha estranhando para um lado e para o outro.
paulo: Por que você não pede a seus pais?
garotinho: Porque eles tão longe e você tá perto.
paulo olha para um lado e para o outro. A mulher que sorrira para ele já está conversando com outro homem. Ele sacode a cabeça e leva o garoto até a porta do banheiro. os dois entram, demoram um pouco e saem. Um homem que vai entrando, já meio alto, fala com paulo.
altinho: É isso, companheiro. Temos que ensiná-los a achar o buraco desde cedo.
paulo olha contrariado para o comentário idiota do inconveniente. solta o garoto.
paulo: Vai, filho.
garotinho: Aonde?
paulo: Aonde estão seus pais, seus amigos, sei lá.
garotinho: Mas você é meu amigo. Você tá aqui.
paulo: Seus amiguinhos do seu tamanho.
garotinho: Meus amiguinhos do meu tamanho são pequenos que nem eu. E aí, quem é que vai cuidar de nós?
paulo: Cadê seus pais?
garotinho: Eles tão por aí.
paulo: Olha, sinto muito...
a mulher elegante e maravilhosa passa novamente, agora na direção contrária e sorri novamente para ele. paulo a acompanha com o olhar.
paulo: Eu tenho que ir...
garotinho: E vai me deixar sozinho?
paulo: Você não está sozinho...
as duas mulheres que falavam sobre ginástica reaparecem.
mulher 1: Vai mandar pra mãe?
mulher 2: Acho que sim. Assim ele ocupa o garoto e a esposa e pode ficar livre para paquerar.
paulo: Ele não é meu filho.
mulher 1: Como você pode dizer isso da sua própria mulher?
paulo levanta-se começando a ficar irritado e perdendo a calma, fala com elas.
paulo: O que há com vocês que estão me perseguindo desde que cheguei?
as mulheres riem.
mulher 1: Perseguindo você? Nós?
elas riem e saem de braços dados. paulo está furioso, mas é um cavalheiro e não fará nada contra elas, embora cerre as mãoes. quer ir embora, mas o garoto puxa a borda de seu paletó.
garotinho: Não me deixa aqui...
paulo: Olha, garoto, eu não sou seu pai e tenho que achar o Souto Ferreira. É melhor você procurar seus pais...
o garoto começa a lacrimejar e a chorar, atraindo indesejada atenção a paulo. Passa o garçom e entrega um whiskey para paulo.
garçom: Deixe-o em paz. Acho que ele está falando a verdade. Ele não conhece Souto Ferreira.
paulo: Eu nunca o vi antes em minha vida. Ele se perdeu dos pais. Você sabe quem são?
garçom: Um bom garçom é discreto.
paulo: Você não é um bom garçom.
garçom: E nem bom fisionomista de crianças.
paulo: Souto Ferreira já chegou?
garçom: Nenhum casamento ainda terminou. Acho que não.
paulo: Eu não sabia que ele era tão excepcional nesse ramo...
garçom: Os melhores neste ramo também são discretos. (APONTA COM O QUEIXO PARA O GAROTO QUE AINDA CHORA) Por isso é melhor você dar um jeito nisto.
o garçom sai. paulo fala com o garoto.
paulo: Eu vou procurar seus pais. Se eu mandar você ficar aqui até eu voltar, você fica?
garotinho: Fico. Mas se você demorar, eu vou atrás de você.
paulo: Deveria ir atrás de seus pais.
garotinho: Eu perdi.
paulo: Eu vou achar.
paulo sai pela multidão. Procura algum rosto conhecido. Ouve uma voz maviosa atrás dele. Vira-se e encontra a mulher maravilhosa e elegante.
elegante: Perdido?
paulo: Até agora.
elegante: (SORRINDO) Você nunca perde uma oportunidade, não é?
paulo: Não... Eu as perco o tempo inteiro. Todos nós as perdemos. Um jogo de loteria que você não faz. Um telefonema que você não dá. Uma frase que você não fala. Todos nós perdemos.
elegante: Enganei-me então quanto a você?
paulo: Ainda não. Quando isso acontecer, você vai adorar...
a mulher elegante sorri. nisto reaparece o garotinho.
garotinho: Você parou...
elegante: (AO GAROTINHO) O que que seu pai parou, garoto?
garotinho: Ele não é meu pai.
elegante: Não? É o quê? Um alienígena que tomou o lugar dele?
garotinho: Não. Ele é grande.
elegante: Eu posso ver isso. Qual é o seu nome, garoto?
garotinho: Paulo.
paulo - o grande - vira subitamente pro garotinho, intrigado e ligeiramente perturbado.
elegante: Bonito nome.
paulo: É o meu nome também.
elegante: (A PAULO ADULTO) Perdeu uma excelente chance de ser original...
paulo: É coincidência. Eu não sou o pai dele.
elegante: Por que você quer tanto me convencer disso?
paulinho: Ele vai me ajudar a encontrar minha mãe.
paulo: (AO GAROTO) Não era o seu pai?
paulinho: Não. Você pode ajudar a achar o pai dela. (APONTA PARA TRÁS DE PAULO, ONDE DEVERIA ESTAR A MULHER ELEGANTE)
paulo: Ela sabe onde estão os pais de...
paulo vira-se e a mulher elegante sumiu. No lugar que ela ocupava, está uma garotinha, clara, chupando o dedão e com olhar pedinte. Neste exato momento, o garçom fala com ele.
garçom: Ele chegou.
paulo: Quem?
paulo olha para a entrada e vê uma confusão, muita gente junta impedindo a visão de quem está entrando. Num rápido zoom, ele consegue ver em meio à confusão o rosto do famoso megalionário.
garçom: Souto Ferreira.
clara: Eu não sei onde está a minha mãe.
paulo: Olha, menina, eu adoro crianças, mas no momento eu preciso fazer outras coisas...
paulinho: Tanta coisa que não pode ajudar a gente?
paulo: (PERDENDO A CALMA) Vocês têm que procurar seus pais!
as crianças olham para paulo e começam a chorar. Paulo faz um gesto de "que se dane" e começa a se levantar, quando dá de cara com o imponente sr. ricardo souto ferreira, que o olha com um jeito desaprovador.
ricardo: Um homem não pode tratar suas crianças assim...
paulo: Tem razão. Eles se perderam dos pais e estou tentando ajudá-las a encontrarem-nos.
ricardo: Pois faça isso. Elas merecem. Qual o seu nome, garoto?
paulinho: Paulinho.
ricardo: E de você, garota?
clara: Clara.
ricardo: Pois bem. O seu tio (APONTA PARA PAULO) vai ajudar vocês em qualquer coisa.
paulo mal pode acreditar em sua má sorte.
ricardo: Depois que os devolver, junte-se a nós. Gosto de homens que se preocupam com crianças.
ricardo souto ferreira sai, seguido pelo seu séquito. o garçom continua perto de paulo.
garçom: Parece que ele gostou de você.
paulo: E das crianças.
garçom: É, ele gosta de crianças. Não tem filhos.
paulo: Não?
garçom: Não. Essas mulheres todas estão perdendo seu tempo. Ele é estéril.
paulo: Isso não o impede de ser rico. Elas não estão perdendo tanto o tempo assim.
garçom: Não, não impede de ser rico. Talvez ajude. Afinal, com todo aquele dinheiro que vai parar na mão de estranhos quando ele morrer, o melhor mesmo é gastar tudo como der...
o garçom dá de ombros e sai, deixando paulo frente a frente com as crianças. Ele tem que parecer muito bom para elas, para impressionar souto ferreira.
paulo: Muito bem, Paulinho. Me diz então onde foi que você viu seus pais pela última vez...
clara: Mas eu quero os meus pais.
paulo: Eu vou ver o seu pai, garota...
clara: Eu não quero que você veja ele, quero que você me leve até ele.
paulinho: Ah, a gente podia brincar um pouco antes.
clara: Não, eu quero meus pais.
paulo: Vamos achar seus pais e aí vocês brincam com eles.
clara: Eu não quero brincar com meus pais.
paulinho: (A PAULO) Eu quero brincar com você.
paulo: Por que comigo? Não tem mais ninguém nessa festa pra você brincar?
paulinho: Tem ela (APONTA PARA TRÁS DE PAULO).
paulo se virar para trás e vê outra menina olhando para ele. Ele se vira, não acreditando.
paulo: Quem é essa agora? Sua irmã?
clara: Não. Ele não tem irmã. Nem eu.
paulo: Como você sabe disso? Vocês já se conhecem?
clara: Já.
paulo: Então vieram juntos...
clara: Não. Nós nunca ficamos juntos.
paulo: E como você sabe se ele tem irmã ou não?
clara: Porque ele não tem. Nenhum de nós tem.
paulo: Nenhum de nós quem?
clara: As crianças.
paulo: Que crianças?
lisa: Nós. Nós somos as crianças.
paulo: Você é amiga deles?
lisa: Não.
paulo: E qual o problema com você?
lisa: É que eu não acho meus pais.
paulo: O que está havendo com essa festa, que nenhuma criança está com seus pais e todos os adultos estão sem seus filhos?
clara: Não sei. Ajuda a gente.
as mulheres mal humoradas reaparecem.
mulher 1: Isso dá cadeia, hein, meu amigo?
mulher 2: Cadeia só de pensar.
paulo: Eu estou tentando ajudá-la. Um verbo que vocês não devem saber conjugar.
mulher 1: Vê lá o que é que vai conjugar com essa menina.
mulher 2: Ou como vai ser esse ensinamento da língua portuguesa...
as duas riem e saem, deixando paulo ainda mais furioso.
lisa: Por que que você ficou com raiva delas?
paulo se desarma com a inocência da pergunta da garota e toca nela.
paulo: Porque elas são duas víboras. Vocês não têm nada a ver com isso. Nem com a irresponsabilidade dos pais de vocês. Vocês têm razão. Eu é que estou sendo muito adulto.
clara: Gente grande é assim.
paulo: É. É assim mesmo. Trazem as crianças como pretexto pra fazerem negócios. É assim que cuidam de seus filhos. O que o seu pai faz, Paulinho?
paulinho: Ele trabalha num escritório.
paulo: Escritório de quê?
paulinho: De computador, impressora.
paulo: Você sabe o que eles fabricam lá?
paulinho: Eles não fabricam nada. Só escrevem e fazem conta no computador e depois imprimem tudo e falam muito no telefone.
paulo: Setor de serviços. Setor terciário.
clara: Que que é terciário?
paulo: Terciário? O que está lá embaixo. Como filhos frente a carreiras.
clara: Que carreira?
paulo: Escrever e fazer conta no computador e falar muito no telefone.
lisa: Eu tô perdida.
paulo: Todos nós estamos, por isso aprende a não fazer cara de choro. Vamos, vocês três.
clara: Quatro.
paulo: Como assim, quatro?
clara: Quatro. Eu sei contar até quatro.
paulo: Está bem, comigo é quatro. Que bom que você sabe contar até quatro.
clara: Não, com você é cinco.
paulo: Quatro, Clara, quatro! Olha só: um, dois, três...
paulo pára ao ver que apareceu mais uma garota junto deles e fala, desanimado.
paulo: ... quatro...
clara: Então, como eu disse. Quatro.
paulo: O que está acontecendo aqui? E você, quem é?
Leila: Leila.
paulo: E o que você fez a seus pais para eles a abandonarem?
leila: Eles não me abandonaram.
paulo: Você sabe onde eles estão agora?
leila: Não.
paulo: Então vocês agora são quatro e não param de crescer.
paulinho: Até a gente virar gente grande, não é?
paulo: Não. A gente pára de crescer muito antes disso.
clara: Eu quero a minha mãe.
paulo: Eu também, mas a minha está em casa, vendo o Limiar do Desconhecido na tevê, provavelmente, a essa hora, bem longe daqui e eu estou sem carro.
clara some do grupo das crianças.
paulinho: Você não tem carro? Por quê? Gente grande sempre tem carro.
paulo: Eu não gosto de dirigir.
paulinho: Não gosta de dirigir? Todo mundo gosta de dirigir e de brincar com o carro.
paulo: Pois é. Isso que me assusta...
reaparece a elegantissima mulher, no lugar onde estava clara.
elegante: Está cuidando bem de sua prole.
paulo: Não é minha prole. Eu não tenho filhos. Não deixei a nenhum ser humano o legado de nossa miséria.
elegante: Não fale isso muito alto.
paulo: Por quê? É crime?
elegante: Não. É o meu namorado. Ele é muito sensível quanto a esse assunto.
paulo: Seu namorado? Pensei que você estivesse desacompanhada.
elegante: Estava. Até ele chegar.
paulo: Solidão é um problema fácil de resolver sob o seu ponto de vista.
elegante: Não para ele. Ele diz que sente muita falta de uma família.
paulo: Ele podia adotar alguém.
elegante: É o que ele está fazendo. Só que me adotou primeiro. E agora... (MALICIOSA) eu não vou deixar que ele continue...
paulo: E quem é o seu namorado, de quem devo invejar não só a opção de escolher qual a família que quer como também a opção que fez da... (OLHA PARA ELA E FAZ UM GESTO SUGESTIVO SOBRE A BELEZA E CURVAS DA ELEGANTE MULHER) ... família que queria...
elegante: Ricardo. Ricardo Souto Ferreira.
paulo: Eu já imaginava.
elegante: Eu sei. Você tem uma tremenda imaginação. Pena que agora eu esteja acompanhada.
paulo aperta os olhos, cansado.
paulo: E eu também. Por um monte de filhos que nunca tive...
clara: Teve sim, a gente está aqui.
clara fala do lugar onde estava a elegantissima mulher.
paulo: Mas não me culpem por isso.
e agora quem reaparece é o garçom.
garçom: Conseguiu contacto?
paulo: Nem com ele nem com elas. Apenas arrumei um monte de filhos.
garçom: É assim que é a vida da maioria das pessoas que conheço.
paulo: Onde estão os pais dessas crianças, que não aparecem? Por que ninguém parece se preocupar com elas?
garçom: Você se preocupa. Aquela bela mulher com quem você conversava se preocupa. Souto Ferreira se preocupa.
paulo: Aquela bela mulher é a mulher de Souto Ferreira.
garçom: Hm. Isso sim é preocupante.
paulo: Por quê? Você não é apenas um observador desinteressado?
garçom: Digamos que eu me projetei em você e torcia pelo seu sucesso.
paulo: Continue torcendo. Quem sabe não há uma reversão de expectativa?
garçom: Vai ser difícil. Eu sou torcedor do Fluminense também. (SAI)
o garçom deixa novamente as crianças com paulo.
paulinho: Vamos brincar?
leila: Eu quero brincar.
lisa: Mas vamos brincar de quê, aqui?
paulinho: Vamos brincar de cabra-cega. (A PAULO) Você tem um pano pra emprestar?
paulo: Não. Eu vou precisar da gravata.
paulinho: Pra quê?
paulo: Pra me enforcar... vamos, crianças, vamos parar com isso. (ENCHE-SE DE ENERGIA) Vamos procurar seus pais. Eles estão por aqui.
clara: Não estão não.
paulo vira-se surpreso para a menina.
paulo: Não?
clara: Não. Por isso que eu preciso achar eles.
paulo: Assim fica difícil.
paulinho: É, Clara. Ele nem tem carro...
paulo: O que aconteceu com seus pais, Clara?
clara: Eu quero achar eles.
lisa: Eu também.
leila: E eu.
outras crianças se aproximam e se juntam ao grupo.
criança: Ajuda a gente.
criança 2: Ajuda.
lisa: Não ouve eles não. Dá atenção pra gente que a gente chegou primeiro.
paulo: Por que comigo? O que vocês querem comigo afinal? Por que não me deixam em paz? Eu só queria falar com o Souto Ferreira. Eu só queria conhecer a mulher com o vestido de noite. Por quê?
Clara: Porque a gente está perdida.
paulo: Mas e os outros adultos..?
paulo está ficando atarantado, bastante atarantado e perturbado. Ele gira seu olhar pela festa. Ele vê souto ferreira sendo perseguido por outros sujeitos que querem fechar negócios com ele e mulheres interesseiras. O altinho que ele viu no banheiro está em outro canto, perto do garçom. Pega dois uísques, leva até atrás de uma pilastra, vira os dois e procura outro garçom, onde deposita os copos e pega mais dois uísques. As mulheres chatas, um e dois, estão, para supresa do nosso cansado herói, meio escondidas atrás de uma pilastra, num canto obscuro, longe dos olhares da maioria da multidão, dando um amasso - uma na outra - e olhando olhos nos olhos, indubitavelmente, apesar da distância, para o estupefato paulo, que tem a impressão de ver a elegante mulher com vestido de noite passando de um lado para o outro, mas quando ela vem para uma luz mais clara é só uma mulher feia com um vestido muito parecido.
paulo: Não era ela.
paulinho: Ela quem?
clara: Minha mãe?
paulo: Não. A mulher que eu estava procurando...
clara: Você tá procurando sua mãe também?
paulo: Só se você for freudiana... não, uma mulher. Uma mulher que lembra muito alguém que amei demais. Branca.
paulinho: É mesmo? E do que vocês gostavam de brincar?
paulo: Não dá pra explicar nesse horário.
clara: Eu quero meus pais.
criança: A gente tá perdido.
lisa: (PARA A CRIANÇA) Você tá perdido, a gente tá achado. Vai pra outro lugar!
paulo aparta lisa e a criança.
paulo: Deixa ela em paz. Chega disso tudo. Vamos organizar isso, crianças. Vamos organizar. Você, Paulinho.
paulinho: Que que tem.
paulo: Qual o nome do seu pai?
paulinho: Paulo.
paulo: É, é verdade. Eu já sabia disso. E da sua mãe?
paulinho: Denise.
paulo: Paulo e Denise. Eu tive uma Denise. Belo casal que formávamos.
paulinho: Belo mesmo. Mamãe vive falando.
paulo: Sua mãe é a Denise? Denise Palmeira?
paulinho: Não. Denise.
paulo: (ANSIOSO) Como ela é?
paulinho: Bonita.
paulo: (NERVOSO) Em que sentido..?
clara: Ela é bonita.
paulo: Você conhece a Denise?
clara: Conheço. Mamãe fala dela.
paulo: Sua mãe??? Quem é a sua mãe????
clara: Branca.
paulo: Branca de quê?
clara: Como assim, de quê?
paulo: Qual o seu nome inteiro?
clara: Clara... Medeiros...
paulo: (INTERROMPENDO-A) Branca Medeiros? Você não pode ser a filha da Branca Medeiros! Ela teve que tirar o útero! Ela não podia ter filhos!!!!
clara: Você não deixou eu terminar. Deixa eu terminar.
paulo: Terminar o quê?
clara: Meu nome. Clara... Medeiros... Ferenczi.
paulo: Ferenczi? Não pode ser. Ferenczi é o meu nome!
as crianças se aproximam do assustado paulo.
paulinho: E o meu.
lisa: E o meu.
leila: E o meu.
criança: Eu também!
criança: E eu!
as crianças vão se aproximando devagar e sempre, com suas carinhas inocentes de paulo, que vai recuando e aos poucos ficando acuado.
paulo: Não. Não pode ser. Eu não tive filhos. Nunca.
Clara: É o que a mamãe sempre diz. Ela diz que foi isso que ela teve que operar...
paulo: Não. Não. Quem são vocês?
clara: E ela diz também que foi porque você nunca entregou nada. Por isso que nunca teve filhos. Que você só tirava. Que foi por isso que ela teve que operar. Que você nunca entregou nada. Nada de você.
paulo: Eu entreguei sim. Eu amei a ela. Amei muito a ela. Amei demais... (OLHA PARA AS OUTRAS CRIANÇAS) ...
paulinho: É, mas mamãe também fala isso. Que você nunca quis entregar nenhum pedaço da sua alma.
clara: É. Assim não aparece criancinha. Se você não entrega nenhum pedacinho.
lisa: Não entrega nada pra eles não. Dá só pra mim.
paulo: Não... não... afastem-se! Vão embora! Vão embora!
paulinho: Não, a gente não quer ir embora. A gente quer ficar.
clara: Mas mamãe falou que a gente não pode. Tem que ter um pedacinho da alma de alguém pra fazer a gente.
paulo: Não! Vão embora! Vão embora!!!!
lisa: Não dá pra eles não, moço. Porque se você dá aos poucos, você fica com muito. Mas se dá muito de uma vez...
paulo: Vão embora!!!!
paulinho: A gente só quer ficar. Ficar mais um pouquinho...
clara: Tá tão cedo pra ir embora.
lisa: Eu quero viver. Deixa a gente viver!
paulo: Não... não...
paulo fica encurralado numa parede. As crianças se aproximam. A câmera faz uma tomada em que a massa das crianças avançando obstrUi a visão de paulo. ele parece tomado pelas crianças. mais e mais crianças chegam. A massa vai se juntando. Paulo já caiu no chão e agora só se vêem mais e mais infantes se aglomerando sobre outros, todos querendo seu pedaço. corte para uma mulher vendo as horas em seu relógio e dando um toque no homem ao seu lado.
mulher 3: Já tá tarde. É melhor chamar as crianças...
homem: Tá bom... Paulinho! Leila!
algumas das crianças ouvem o chamado e se afastam do bolo. outros casais chamam por clara, lisa e outras crianças e o bolo vai se desfazendo. As crianças correm da aglomeração, juntam-se aos seus pais - os adultos que até há pouco virtualmente ignoravam a presença dos petizes - e vão saindo com eles, até que o bolo acaba e não há nenhum vestígio de paulo no espaço em que ele estava. Nenhum mesmo? bem, não exatamente. Sobrou seu elegantissimo celular, que está tocando. a secretária eletrônica atende.
paulo (OFF, NA SECRETÁRIA): Deixe seu recado.
márcia (OFF): Paulo? Sou eu, a Márcia... olha, eu falei que tava te esperando, pra você me ligar, deixei um recado aí nessa secretária... mas mudei de idéia. Não aparece aqui não. Eu... eu... é que um amigo meu passou aqui e a gente ficou conversando, aí a gente acabou ficando... ah... (PAUSA) a gente acabou ficando... é isso. Não sei mais. Aliás, sei. Não quero mais você. Eu não sentia você realmente em mim. Não sentia que você estivesse entregando algo pra mim. Eu não sei. Só não me liga. Não me liga não. Cansei de esperar, Paulo. Vou partir pra outra. É isso que eu quero. Deixa pra lá, você não me ligava mesmo...
a câmera abre e o salão está vazio, ela sobe até uma janela ou clarabóia para mostrar o céu e entrar a voz de maciel.
maciel (OFF) : "De onde vêm as criancinhas?". A pergunta que exaspera tantos e tantos pais. Que inspira tantos cuidados. Que tem normalmente como resposta cautelosas histórias sobre flores, abelhas, cegonhas, barrigas e tantas outras mudanças de assunto. Talvez por isso nós nunca aprendamos a verdadeira resposta para esta pergunta tão simples. Hoje, Paulo Ferenczi, que recebeu essas mesmas respostas de seus pais e aprendeu depois de mais crescido o que sempre julgou ser a reposta final, aprendeu que as crianças não vêm de nenhum destes lugares que ele pensava... mas sim do Limiar... do Desconhecido!

O segundo gol do Vasco...

... diz que foi culpa do goleiro da Ponte, que foi tentar cabecear um escanteio. Mas ora, Morais não chutou completamente livre, da marca do pênalti, depois de uma troca de passes rápidos? Que diferença ia fazer se o goleiro estivesse no gol?

Trailer do livro sobre a Copa do Mundo para adolescentes

A EVOLUÇÃO TÁTICA: O BRASIL CRIA O 4-2-4 E O FUTEBOL CONTEMPORÂNEO
O mundo estava mudando nos anos 50. Surgiram a bomba de hidrogênio, a foto de Einstein fazendo careta, o rock´n´roll, a Revolução Cubana, o foguete espacial, o cérebro eletrônico (que depois ficaria conhecido como computador) e a bossa nova. Com o fim da II Guerra Mundial todas as fábricas de armas começaram a fabricar outras coisas. Com metade do planeta precisando de reconstrução havia emprego para quase todos. Com um monte de técnicas arriscadas testadas para salvar vidas de soldados, a medicina avançou bastante. Os antibióticos ficaram disponíveis para o público. Apesar da Guerra Fria, o antagonismo entre os americanos e os soviéticos, a humanidade nunca fora tão próspera. E, com a prosperidade, as pessoas se alimentavam melhor e ficavam menos doentes.
Essas pessoas saudáveis davam também atletas bem melhores. O WM exigia que cada jogador treinasse à exaustão para se tornar bom especificamente em sua posição. Também requeria treinamento para a entediante tarefa de ficar o jogo inteiro perseguindo um único adversário, a "marcação homem-a-homem". Todo esse treino só foi possível com a profissionalização do futebol. Mas o profissionalismo aumentara desde então, aplicando os avanços da medicina na área esportiva. Os atletas dos anos 50 podiam correr bem mais do que os dos anos 20. E era necessário repensar o esporte para essa nova época.
E essa nova época surgiu no Brasil. As raízes estão no artigo que Flávio Costa escreveu para "O Cruzeiro", clamando por uma tática que não limitasse a improvisação. Ele aplicou suas idéias ao criar a "diagonal". Zezé Moreira começou a aplicar a marcação por zona. E Fleitas Solich começou a implantar o 4-2-4 no Flamengo tricampeão estadual. O húngaro Bella Guttman fez o mesmo no São Paulo e alguns analistas europeus insistem em dizer que ele trouxe o sistema de seu país, ignorando que desde 1949 já se forjava aqui esta idéia.
FIGURA 15
E o que tem o 4-2-4 de tão revolucionário? A princípio parece uma tática defensiva. Usa quatro zagueiros. Mas não é só o número que interessa. Compare com a ilustração do WM. Os defensores estão muito mais próximos entre si. A defesa inteira pode agir como uma unidade, de forma coordenada. Um beque pode ajudar ou cobrir outro com muito mais facilidade. Além disso, cada um fica responsável por um espaço muito menor. Eles não marcam mais "homem-a-homem", eles não seguem o atacante aonde ele vá. Eles guardam seu setor e dão combate a quem aparecer por ali. O truque húngaro de posicionar Puskas e Kocsis entre o lateral e o beque simplesmente não funcionaria contra esse sistema.
BOX
Com o WM a defesa tinha três integrantes - o beque central (stopper) e os laterais. Com o 4-2-4, o zagueiro central ganhou um companheiro para ajudá-lo a guardar a área, que passou a ser conhecido como "quarto zagueiro". Até hoje esses jogadores são conhecidos assim, mesmo que uma linha de quatro não tenha um jogador central e o quarto defensor seja o lateral-esquerdo, se contado da direita para a esquerda.
Avancemos até o meio-campo. São apenas dois jogadores, contra o quadrado do WM. Mas esses dois são atletas modernos, que correm muito mais. Eles defendem e atacam. Assim a defesa não tem quatro integrantes - tem seis! Com tantos defensores o 4-2-4 abre mão da superioridade numérica no meio.
O meio-campo também arma as jogadas para a linha de frente, com quatro integrantes. Dois deles são centroavantes, o que levava à loucura o solitário beque central do WM. Os outros são pontas. Os atacantes, também com excelente preparo físico, quando perdem a bola têm a função de atrapalhar a saída de jogo adversária, para dar tempo aos meio-campistas de se recomporem, que também têm a missão de avançar, formando às vezes um ataque com seis jogadores!
E até a defesa precisa se recompor também. Observe a ilustração. O meio-campo. Com tão poucos integrantes pode haver dificuldade na armação das jogadas. Além disso, há visivelmente um espaço entre eles e a linha lateral, que os locutores da época chamavam de "zona morta". Ora, por esse espaço um defensor moderno, capaz de correr o campo todo, pode se infiltrar e ajudar na criação ofensiva. E foi o que Nílton Santos e Djalma Santos fizeram, criando o lateral atacante. Sempre que o lateral de seu time, ou Roberto Carlos na seleção, fizerem um gol ou cruzamento, você está assistindo ao princípio do 4-2-4 em ação.
Assim o Brasil lançou uma tática com uma defesa sólida, com marcação por zona, um meio-campo que realmente atacava, criava e defendia e atacantes móveis que se infiltravam por entre os espaços deixados pelo obsoleto WM. O sistema aproveitava ao máximo a tendência natural dos brasileiros para o ataque, bem como sua capacidade de improvisação. Tradicionalmente em nosso futebol até os zagueiros têm um certo grau de habilidade, o que aumentava a eficiência do 4-2-4 e seu lateral atacante.
O ataque era entretanto o ponto fraco do 4-2-4. Os brasileiros usavam uma dupla de atacantes de área, assim como os húngaros, mas insistiram nos pontas. Com laterais e apoiadores disponíveis para fazerem as jogadas pelos lados do campo os ponteiros tornavam-se supérfluos. Eram jogadores especializados demais, como aqueles do WM. E isso já podia ser observado na seleção, pois Zagallo, extrema-esquerda e futuro técnico campeão, já tinha a tendência de voltar para ajudar o meio-campo a marcar (daí seu apelido, "Formiguinha"). No Fluminense Telê Santana fazia o mesmo pela direita. Mas eliminar os extremas era impensável no time do Brasil, porque nesse setor jogava um dos maiores monstros sagrados do esporte: Garrincha.
Mas encontrar um Garrincha não era uma tarefa fácil. Depois da acachapante vitória do Brasil em 1958 o mundo inteiro copiou esse sistema de jogo, sem os mesmos resultados. Já em 1962 o Brasil jogou em 4-3-3, recuando definitivamente Zagallo para o meio-campo. No resto do planeta futebolístico, sem Garrinchas, os pontas se extinguiram.
O desenvolvimento natural do 4-2-4 era o 4-4-2. São táticas tão parecidas que a seleção brasileira que venceu a Copa das Confederações em 2005 pode ser escalada em qualquer um dos sistemas (com dois no meio-campo, Emerson e Zé Roberto, e quatro no ataque, Robinho, Adriano, Kaká e Ronaldinho, ou quatro no meio-campo, Emerson, Zé Roberto, Kaká e Ronaldinho, e dois no ataque, Robinho e Adriano). Apenas no Brasil levou-se mais tempo para aceitar a morte dos pontas devido ao extraordinário talento de Garrincha.

Novas Postagens

Um mês trancado em casa escrevendo um livro sobre Copa do Mundo para adolescentes, esperando pela Semana Santa, quando ia terminar e viajar. E então:
- Viagem cancelada;
- Briga com mulher;
- Computador pifado;
- Celular perdido;
- Começa a reforma da casa; dá infiltração na parede e a casa tem que ficar toda quebrada e desarrumada enquanto espera a fachada do prédio ser consertada;
O computador ainda está a meia-bomba, pois o HD serial ATA que instalei só funciona se eu ligar o cabo de dados DEPOIS do boot. Mas ainda vou descobrir o porquê e instalar o Windows decentemente. Mas enquanto isso, vou mandar um posts novos.

Mera... Coincidência?

Onze jogos do Vasco sem Romário este ano - quatro antes dele sair, sete depois. Onze jogos sem derrota.