maio 26, 2010

Estreia dos Debates Cinematográficos na Escola de Artes


Sim, eu sei, todo mundo já viu esse filme, mas como quem vai são basicamente os adolescentes alunos de canto da Patrícia, que NÃO assistiram, a fita pra estrear debate na minha Escola de Artes recém-inaugurada (tour virtual aqui) vai ser mesmo o único, o inenarrável, o inesquecível CASABLANCA, a primeira vez em que fui ao cinema com uma das grandes paixões da minha vida, dez anos antes de realmente ficarmos juntos (1). O evento começa às 14 horas e o Roger, que divide as resenhas de Star Trek comigo, o nosso filósofo psicopata, também vai. O lugar é Escola de Artes Patrícia Evans, na Av. Princesa Isabel 323 sala 1212, depois do Túnel Novo, o primeiro prédio depois de cruzada a Barata Ribeiro. Quem acompanha o blogue está convidado - entrada franca.

(1) Tinhamos ido passear em Itacoatiara num dia chuvoso e lá lhe contei a história do filme. Menos de quinze dias depois, ele estreou (?) no Paissandu Nostalgia, aquela coisa bem anos 80: um cinema de rua que só passava filme em preto e branco. Mas só iríamos ficar juntos uma década depois. Doze anos após essa sessão, a Vânia viu que estava passando Casablanca num Estação Barra da Tijuca desses e disse: "quero ver porque nunca vi no cinema!" "Viu sim, a primeira vez em que viu, e viu comigo, sua ingrata!" "É verdade!"

A História da Copa do Mundo - A Jules Rimet é Nossa, Com Brasileiro Não Há Quem Possa - A Copa de 70


O BRASIL EM 1970: 4-2-4, 4-3-3 OU 4-4-2?

Os brasileiros consideram atacantes somente os indivíduos que ficam enfiados lá na frente e têm como única preocupação fazer o gol. Se o sujeito gosta mais de jogar a partir da intermediária ou volta para armar as jogadas de ataque, nós o consideramos um "meio-campista". Às vezes o chamamos de "número 1" como em 1998, ou de "meia-atacante" como em 2002.

Os europeus, entretanto, têm uma idéia diferente. Para eles a posição de "meio-campista" ou "apoiador" é aquela mesma de Zito e Didi em 1958 e 1962. Para ser considerado jogador de meio-campo o sujeito tem que ajudar a defender, fazer a saída de bola, ou seja, receber da defesa e dar prosseguimento à jogada, além, é claro de ajudar no ataque. Ele seria como o antigo centromédio atacante, mas muito mais rápido e capaz de correr para cima e para baixo, cobrindo a defesa e apoiando os atacantes, flutuando o tempo todo, quase voando. Por isso ele passou a ser conhecido como "volante". Zito, Didi, Gérson, Falcão, Ricardinho e Juninho Pernambucano são alguns que fizeram a fama nessa posição.

No entanto, jogadores como Zico, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, que nós consideramos de meio-campo, são contados como atacantes na Europa. É por isso que os europeus juram que o Brasil de 1970 jogava em 4-2-4: Clodoaldo e Gérson no meio e Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino na frente. Zagallo até hoje diz que sua tática era o 4-3-3: Rivellino era um "ponta-esquerda recuado", assim como o técnico quando jogador. E vários analistas alinham aquela seleção em 4-4-2: Clodoaldo, Gérson, Rivellino e Pelé; Tostão e Jairzinho.

Nas laterais do ataque jogavam os pontas. Como consequência, os outros atacantes ficavam dentro da área. Era pouco espaço para dois jogadores e a tendência era que um ficasse entre os zagueiros disputando a bola com eles (o "centroavante trombador") e outro, mais habilidoso, ficasse um pouco mais atrás, partindo de trás com a bola dominada, como Ademir, ou armando a jogada. Na seleção de 70 era Pelé quem fazia isso. Este jogador, o "ponta-de-lança" recuou um pouco mais e passou a ser contado no meio-campo. É a posição em que Ronaldinho Gaúcho joga hoje.

Dois jogadores no meio-campo era muito pouco para marcar os apoiadores adversários e ajudar na defesa. Como consequência, um dos volantes passou a ter funções de defesa, inclusive ficando no lugar dos laterais quando eles atacavam. Assim nasceu o cabeça-de-área ou volante de contenção. Mas em 1970 o Brasil ainda tinha o técnico Clodoaldo para a posição.

A COPA DE 1970

Depois do fracasso de 1966 o Brasil teve uma sequência de maus resultados internacionais. Durante um tempo houve até um comitê para cuidar do escrete canarinho: a COSENA (Comissão Selecionadora Nacional), numa desesperada tentativa dos militares para recuperar o prestígio do time. Mas parecia que nada conseguia tirar a seleção da depressão pós-1966.

O comentarista João Saldanha, ex-técnico do Botafogo em 1957, era um dos mais articulados e inteligentes críticos aos técnicos do selecionado. Seu sucesso acabou levando-o ao cargo de treinador da seleção. Tão seguro ele estava de suas idéias que no momento em que aceitou o cargo imediatamente declinou seu time titular e os 11 reservas. "Vamos ter 11 feras", avisou.

E o Brasil passou pelas eliminatórias como um rolo compressor. Tostão finalmente desencantou com a amarelinha e foi o artilheiro. Saldanha queria um time agressivo dentro e fora das quatro linhas. Contra o Paraguai, houve uma confusão com a delegação no hotel. Saldanha mandou seus jogadores descerem para enfrentar os torcedores adversários e os pôs para correr. Eram as Feras do Saldanha.

A ditadura militar continuava e o Brasil era presidido por Médici, fã do atacante Dario. Numa entrevista perguntaram a Saldanha por que ele não convocava o favorito do presidente. "O presidente não me consultou para formar o ministério e eu não vou consultá-lo para formar a seleção", respondeu João, militante comunista. Assim que as Feras empataram com o Bangu num jogo-treino ele foi substituído por Zagallo, o ponta-esquerda bicampeão do mundo. Que começou chamando Dario.

Mas ele não fez só isso. Mudou a zaga, escalou o volante Piazza como zagueiro, tirou o autêntico ponta Edu, chamando Clodoaldo e Rivellino para compor o meio. Obviamente com essas mudanças ele foi chamado de retranqueiro e traidor do autêntico futebol brasileiro. As expectativas não eram boas.

O México organizou a Olimpíada de 1968 e a Copa de 1970. Ambos os eventos foram únicos, por disputados na altitude. Quanto mais longe do chão menos ar e, com menos oxigênio qualquer esforço é mais cansativo. A seleção chegou um mês antes para se adaptar a esse problema. Não haveria nenhuma chance de se repetir o desastre de 1966. O Brasil seria o time com melhor preparo físico do torneio.

Quem chama o grupo da Argentina para 2006 de "grupo da morte" precisava ver o do Brasil. Três dos últimos quatro finalistas estavam juntos: Brasil e Tcheco-Eslováquia, de 1962, e Inglaterra, de 1966. Ninguém esperava muito daquela equipe retrancada de Zagallo na estréia e quando os tchecos saíram na frente parecia que a coisa iria ser muito complicada. Mas, menos de 15 minutos depois, Rivellino cobraria uma falta certeira. E, no segundo tempo, quando os tchecos cansaram veio a goleada por 4 x 1.

O próximo jogo do Brasil pôs frente a frente os dois últimos campeões mundias. A seleção jogou sem seu organizador, Gérson. A defesa brasileira fez uma trapalhada que quase pôs os ingleses na frente. Jairzinho cruzou para Pelé dar uma esplêndida cabeçada e o goleiro inglês, Banks, fazer a melhor defesa da história das Copas. Os britânicos foram melhores no primeiro tempo, mas aos 23 Tostão viu que seria substituído - finalmente as substituições eram permitidas - e resolveu arriscar. Driblou quatro defensores e cruzou para Pelé, que abriu para Jairzinho. Brasil 1 x 0. Era a terceira vez que as duas equipes se enfrentavam em Mundiais. Nas duas primeiras o título ficou com os brasileiros. Na partida com a Romênia Zagallo poupou alguns jogadores, mas a vitória veio por 3 x 2.

No grupo 2 estavam os outros dois bicampeões, Itália e Uruguai. Ambos se classificaram. Os uruguaios eliminaram a Suécia no saldo de gols - um contra zero. Os mexicanos e soviéticos empataram entre si e ganharam os outros jogos em sua chave.

No grupo 4 a Alemanha ficou em primeiro. O Peru tinha a melhor seleção de sua história. Nas eliminatórias ganhou a vaga em cima da Argentina em Buenos Aires. Seu treinador era Didi, bicampeão pela seleção brasileira. Seu próximo adversário.

Tostão foi o grande nome do jogo. Fez dois gols e comandou a goleada por 4 x 2. Félix, o goleiro brasileiro, falhou num dos gols, com a bola entrando entre ele e a trave, lembrando a jogada do título de 1950. E era justamente o Uruguai o próximo adversário. Todos os campeões do mundo estavam nas semifinais. Nas quartas-de-final os alemães se vingaram da bola duvidosa de 1966 eliminando os ingleses por 3 x 2. Os italianos deram um passeio nos anfitriães: 4 x 1.

Os uruguaios garantiam que venceriam a semifinal. Repetiriam o feito de 1950. Continuavam tendo mais garra e raça. Gigghia foi convidado a assistir o jogo com a delegação. E quando a partida começou, as coisas começaram a dar certo para eles.

Bem-marcado, o meio-campo brasileiro ficava tocando a bola de um lado para o outro sem conseguir penetrar. Num chute fraco de Cubilla os uruguaios fizeram 1 x 0. Félix falhou novamente. O time brasileiro perdeu-se completamente em campo e não conseguia fazer nada. Foi quando Zagallo fez uma alteração tática: vendo Gérson bem marcado, mandou ele recuar; Clodoaldo deveria chegar mais no ataque. Funcionou. Os beques do Uruguai estavam preocupados com o Canhotinha de Ouro quando Clodoaldo entrou na área aos 44 do segundo tempo para completar cruzamento de Tostão. O Brasil foi para o vestiário mais aliviado com o empate. Mas levou uma bronca histórica de Zagallo.

Que levou mais de meia hora para surtir efeito. O jogo continuou feio de se ver e fechado. Só aos 31, depois de muitos toques para o lado é que os brasileiros conseguiram armar uma jogada sensacional, com passes perfeitos de Pelé para Tostão e deste para Jairzinho. O artilheiro ganhou na corrida da defesa e fuzilou o gol de Mazurkiewicz.

O Brasil ainda aumentaria com um gol de Rivellino, mas foram duas jogadas de Pelé que ficariam famosas nessa partida: um drible sem bola em Mazurkiewicz e uma cotovelada em seu marcador. A primeira não deu em nada - com o gol vazio, o Rei chutou para fora, mas a finta foi tão bonita que entrou para a história. A segunda foi fruto da experiência de uma longa carreira internacional: todo o estádio viu a falta, menos o juiz.

BOX

Ao lado de Gigghia, Jairzinho é o único jogador a marcar gols em todas as partidas possíveis numa Copa. De grande explosão e força física, ganhou o apelido de "Furacão da Copa", mas o artilheiro foi Gerd Muller, com 10 gols, maior marca depois dos 13 de Fontaine em 1958.

Todos os campeões do mundo estavam nas semifinais: a outra partida pôs Alemanha e Itália frente a frente. Nas quartas-de-final os alemães se vingaram da bola duvidosa de 1966 eliminando os ingleses por 3 x 2. Os italianos deram um passeio nos anfitriães: 4 x 1.

Foi um jogo extremamente emocionante. Os italianos fizeram 1 x 0 e se fecharam lá atrás. Beckenbauer não deixou seu time desistir e os alemães empataram aos 44 minutos do segundo tempo. Um placar de 1 x 1 não parece tãããããão empolgante assim. O detalhe é que a prorrogação teve cinco gols. Aos 4 Muller fez para os germânicos; aos 8, Burgnich empatou. Riva virou para a azzurra aos 13. Muller voltou a empatar aos 4 do segundo tempo, mas Rivera desempatou um minuto depois. Beckenbauer jogou o tempo extra com o braço direito enfaixado; a Alemanha já tinha feito as duas substituições permitidas. Hoje em dia cada time pode fazer três. O futebol continua sendo o único esporte com um número tão baixo de trocas.

Os italianos estavam cansados depois daquela correria toda. Os brasileiros estavam emocionalmente exaustos depois de espantar o fantasma de 1950. Quem vencesse levaria para casa definitivamente a Taça Jules Rimet. O Brasil era o favorito, mas a Itália estava invicta há 18 jogos e mais de dois anos. O melhor ataque e a melhor defesa estavam frente a frente. Um ditado americano diz que "o ataque leva o público aos estádios, mas é a defesa que ganha os campeonatos".

Mais uma vez choveu no dia da final. O bom técnico da azzurra, Valcareggi, ex-auxiliar e sucessor de Helenio Herrera, o criador do catenaccio, deixou o grande armador Rivera no banco. Acreditava que o campo molhado prejudicaria os jogadores mais habilidosos. Armou seu time na retranca e esperou. Pouco. Uma cabeçada de Pelé inaugurou o placar. Na verdade o jogo estava tão fácil que o Brasil começou a brincar desnecessariamente. Clodoaldo tentou um passe de calcanhar na frente do ataque italiano e Bonisegna empatou. O Brasil não precisava passar por isso. A Itália ganhou novo ânimo e se fechou mais ainda.

Mas o esforço de correr o tempo inteiro atrás dos brasileiros acabou pesando. Gérson desempatou aos 20 do segundo tempo chutando de fora da área. Rivellino aumentou cinco minutos depois. E aos 41 o Brasil fez o mais belo gol em jogada coletiva da história das Copas. O DVD oficial da FIFA descreve-o assim: "se você já viu esse gol, aproveite para rever. Se não viu, eis um alerta: isso realmente aconteceu". O lance começa com Clodoaldo driblando quatro na defesa brasileira e acaba com Carlos Alberto acertando uma bomba de primeira, depois de passar por Tostão, Rivelino, Jairzinho e Pelé. Brasil 4 x 1. Pela segunda vez a seleção canarinho dispara uma goleada em final de Mundial. Inacreditável.

A Copa de 1970 foi a primeira a ser televisionada em cores para a Europa. Para o Brasil e grande parte do mundo foi a primeira vista ao vivo, graças à transmissão por satélite. As imagens da conquista de Pelé e companheiros seriam vistas em todo o globo e criariam definitivamente a lenda do "beautiful game". A imprensa européia escolheu aquele time o melhor de todos os tempos. Os belos gols da campanha povoam canais e programas esportivos até hoje. Os jogadores daquela conquista se tornaram lendas. Mas a era do jogo de toque, com a bola rodando de um lado para o outro enquanto se esperava a chance de um lance de ataque se encerrava ali. Uma pequena nação, que só profissionalizara seu futebol nos anos 60, armava a próxima revolução no esporte. O carrossel holandês.

BOX

O time tricampeão: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza (Fontana) e Everaldo (Marco Antônio); Clodoaldo (Edu) e Gérson (Paulo César); Jairzinho, Pelé, Tostão (Roberto) e Rivellino.

GÉRSON

Quer saber o que fazia de Gérson craque? Pega os vídeos da Copa de 1970. Vê o segundo gol do Brasil contra os tchecos. Ele levanta uma bola da meia-cancha que cai no peito de Pelé, cercado de adversários, na área. Vê também o gol de desempate contra a Itália, com o chute preciso depois de esconder a bola dos adversários. Nem precisa ver o resto, ele organizando e comandando a seleção dentro de campo. Se Pelé era a alma daquele time, Gérson era indiscutivelmente o cérebro. Não por acaso os jogos mais duros foram contra a Inglaterra, quando ele não jogou, e contra o Uruguai, que destacou implacável marcação sobre o maestro. Mostrando que além de jogar ele ainda sabia comandar, o careca canhoto avisou a Clodoaldo para se mandar para a frente, pois ele ficaria mais atrás, atraindo os marcadores. Não deu outra, o empate saiu justamente em gol de Clodoaldo, praticamente ignorado pela defesa.

A perna direita de Gérson só servia para ele subir no ônibus, daí ele ser o Canhotinha de Ouro. Criado na era do 4-2-4, era um apoiador que organizava o time e defendia como poucos, sendo capaz não só de um lançamento preciso de 40 metros como de um chutão para o lado quando necessário. No começo de sua carreira, seu técnico mandava-o ajudar na marcação. Gérson não sabia e perguntou como fazê-lo. O treinador lhe explicou que só ficar parado na frente do adversário já ajudava, pois ele perderia tempo tendo que circundá-lo, tempo que poderia arruinar o ataque ou permitir à defesa o desarme. O apoiador assim fez e com a prática acabou se tornando um dos grandes ladrões de bola do meio-campo.

Mas foi justamente ajudar na defesa que o tirou do Flamengo. Flávio Costa teimou de pô-lo para marcar Garrincha, justamente numa das últimas grandes atuações do genial ponta. Gérson levou um baile, desentendeu-se com o treinador e os dois, de forte personalidade, se tornaram inimigos. O Canhotinha foi para o Botafogo. O clube da estrela solitária agradece até hoje.

"No princípio ele era afoito, corria muito. Depois chegou à perfeição como jogador de meia-cancha". O comentário é de Didi, a quem ele substituiu no Botafogo e na seleção brasileira. Com esplêndido sentido de organização e estratégia, chutador fantástico e ótimo driblador, Gérson era um brilhante estilista, com tanta visão de jogo que dizia-se que era um "técnico dentro de campo". Mas nem por isso ele tirava o pé nas divididas. Pelo contrário, raramente perdia uma e quebrou a perna de 3 adversários em sua carreira, sendo que só a de Vaguinho, do Coríntians, em 1971, foi por acidente. Em 1962 foi num lance com o rubro-negro Mauro, num treino contra os juvenis. "Ele veio para quebrar; eu só escorei", justificou-se o apoiador. A outra vítima foi o peruano De La Torre, num amistoso contra o Peru, como conta o Canhotinha, "o De La Torre já havia batido numa porrada de gente. Pedi para o Pelé passar uma bola dividida e entrei com a sola".

Com tal espírito de liderança e agressividade, Gérson era um jogador polêmico, amado por uns e odiado por outros. Paraná, da seleção de 1966, por exemplo, estava entre os últimos, tendo acusado o apoiador de ter comido pasta de dente para ter indisposição e não jogar contra Portugal na Copa. O Canhotinha realmente não participou da partida, mas teve diagnosticado naquele ano pedra nos rins, depois de sérias crises renais.

Falador e disposto a defender os jogadores contra os dirigentes, Gérson ganhou o apelido de "Papagaio" e, como consequência lógica, tornou-se comentarista depois de pendurar as chuteiras em 1975, quando jogava pelo Fluminense, para infelicidade do presidente tricolor, Francisco Horta, que acabara de contratar Rivellino e pretendia reviver a fantástica dupla de meio de 1970. Ele teve vários convites para ser treinador, mas, segundo diz, prefere ganhar quinhentos para falar mal dos outros do que mil para os outros falarem mal dele.

Gérson nasceu em 1941 e jogou por Flamengo, Botafogo, São Paulo e Fluminense. Atuou nas Copas de 1966 e 1970 e hoje é comentarista de renome. Infelizmente, em 1976, fumante inveterado que era, fumando até em intervalos de jogos, emprestou sua imagem para um comercial de cigarros, o Villa Rica. O anúncio pregava que aquela marca barata teria o mesmo sabor das mais caras, sendo por isso sua preferida, e terminava com ele explicando a razão: "gosto de levar vantagem em tudo". Esta frase foi usada fora de contexto para definir aproveitadores, corruptos e outros tipos afins, o que não corresponde em absoluto à personalidade do jogador, e acabou se tornando a chamada "Lei de Gérson".

TOSTÃO

O Santos era pentacampeão da Taça Brasil quando enfrentou o Cruzeiro em Belo Horizonte, em 1966. O placar foi de absurdos 6 x 2 para os mineiros (!!!!) Depois de anos vencendo os duelos contra o Botafogo, Pelé e amigos tinham finalmente um adversário de verdade. O que foi provado no jogo de volta, em pleno Pacaembu, quando os cruzeirenses viraram um 2 x 0 no primeiro tempo para 3 x 2. Os grandes destaques naquela equipe foram Dirceu Lopes e um garoto de 19 anos chamado Eduardo Gonçalves. Tão franzino e pequeno em sua infância que foi apelidado de Tostão.

Tostão, como Pelé, já nasceu um cracaço. Em 1958, quando a seleção conquistou a Copa da Suécia, ele foi carregado em triunfo pelas ruas de Belo Horizonte. Para seus conhecidos, ele simbolizava o futuro do futebol brasileiro. Começou a carreira no América Mineiro, clube do qual seu pai era torcedor fanático. Marcando dois gols numa vitória de virada sobre o Cruzeiro por 2 x 1, aos 18 anos foi contratado pelos cruzeirenses a peso de ouro. E como valeu. Até 1971 seria pentacampeão mineiro (4 vezes artilheiro), conquistaria a Taça Brasil, o torneio Roberto Gomes Pedrosa (artilheiro) e inscreveria seu nome na história do futebol mundial.

Tostão não era um jogador esfuziante. Como Pelé, mesmo na adolescência mostrava maturidade e economia em campo. Não desperdiçava tempo com nenhum drible que não encurtasse o caminho para a meta adversária. Anos depois, diria que seu técnico no Cruzeiro sempre perguntava aos jogadores: "você acha que jogou bem? Fez gol? Deu passe para gol? Sofreu pênalti? É assim que se mede atacante". Leitor de James Joyce e Herman Hesse nas concentrações, sua inteligência e visão de jogo ajudavam-no a antecipar a jogada tanto do adversário quanto do companheiro. Profissional e correto, continuava treinando sozinho depois que acabava a sessão do time, tentando corrigir seus pontos fracos, como o chute de direita.

Aos 19 anos, além de fazer 6 no Santos de Gilmar, Zito, Carlos Alberto e Pelé, Tostão ainda foi para a Copa na Inglaterra. Foi um dos poucos que não se queimou. Depois dos anos apáticos e confusos que se seguiram ao fiasco de 1966, foi convocado em 1969 para integrar as "Feras do Saldanha", jogando ao lado de Pelé, o que muitos diziam ser impraticável, já que atuavam na mesma posição. Saldanha provou que ambos podiam ser escalados juntos, levando o baixinho mineiro a ser o artilheiro das Eliminatórias.

Até que, num jogo pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa em 1969, Ditão, zagueiro do Corinthians, resolveu, sem nenhuma má intenção além de afastar o perigo, dar um chutão para a frente. E na frente tinha o Tostão.

A bola bateu no rosto do mineirinho e descolou sua retina esquerda, ameaçando sua visão. O craque foi operado em Houston, onde clinicava o dr. Roberto Moura (o do colírio), grande autoridade mundial. Sua recuperação foi lenta e no ínterim, Zagallo assumiu a seleção e o pôs na reserva de Pelé. Não só havia o problema da posição como o do olho. Mas atuações decepcionantes do ataque acabaram levando à efetivação de Tostão e o resto é história. Marcou 2 gols na Copa, fez diversos cruzamentos da esquerda, lançamento para o segundo gol contra o Uruguai e sua inesquecível jogada contra a Inglaterra, com um charles, 3 dribles sobre ingleses, sendo um por debaixo das pernas, e o cruzamento perfeito para o peito de Pelé. Recentemente Tostão admitiria que só partiu para aquele lance de efeito porque viu que iria ser substituído e resolveu tentar resolver, mesmo que de forma espetacular.

Em 1971 Tostão brigou com a direção do Cruzeiro e foi vendido para o Vasco em 1972 pela maior quantia já paga por um jogador no Brasil. Ele não chegou a ter pelo clube cruzmaltino as mesmas grandes atuações da época da Raposa mineira e, em 1973, sua retina inflamou, afetando sua visão e ameaçando deixá-lo cego, o que o levou a abandonar o futebol aos 26 anos, quando a maioria dos craques está ainda chegando ao seu auge. Uma pena que na época não houvesse ainda os óculos de proteção que jogadores como Davids, que sofre de glaucoma, usam.

Tostão fez vestibular para Medicina, foi aprovado e desapareceu no anonimato durante 20 anos. Antes da Copa de 1994 foi convidado por Luciano do Valle para ser comentarista e, surpreendentemente, aceitou, depois de tanto tempo afastado do futebol. E, não satisfeito, mostrou ser um analista arguto, discorrendo sobre táticas, apontando detalhes significativos de modo muito mais articulado que a média dos locutores, tornando-se extremamente bem-sucedido, como em tudo que tentou na vida. Logo tinha uma coluna também nos principais jornais do país. Curiosamente, quando de sua "ressurreição", durante uma entrevista a uma revista, para fazer a foto foram procurar uma bola de futebol. Tiveram que procurar no vizinho.

Tostão jura que passou duas décadas afastadas do futebol para se dedicar à medicina e não por mágoa. Mas é difícil de acreditar, depois de sua volta espetacular. Por que negar esse talento ao mundo?

RIVELLINO

Roberto Rivellino nasceu em 1946. De família originária da Itália e craque no futebol de salão (hoje conhecido como futsal), em 1962 foi fazer teste no clube da colônia italiana, o Palmeiras, e foi recusado. Saiu dali, foi para o maior rival, o Coríntians, e foi aprovado. E já em 1965, com 19 anos, estava na seleção brasileira.

Do futebol de salão Rivellino trouxe para os gramados o esplêndido controle de bola, o chute forte, preciso e repentino e a capacidade de driblar em espaços mínimos. O raciocínio rápido desenvolvido na quadra pequena transformou-o em excelente armador. Também era ótimo lançador e foi o criador do drible do elástico, em que empurrava a bola com o lado externo do pé, passando-o por debaixo dela no percurso para trazê-la de volta e sair pelo outro lado. Romário volta e meia gostava de repetir esse lance.

Deslocado como ponta-esquerda recuado na Copa de 1970, foi um dos destaques do torneio e marcou 2 gols em potentes chutes, que lhe valeram o apelido de Patada Atômica. Depois que Pelé abandonou o escrete canarinho, herdou a camisa 10 sem que ninguém discutisse, bem como o status de maior craque do Brasil, e seu prestígio não foi abalado com a má campanha na Copa de 1974; pelo contrário, foi um dos poucos que se salvou aos olhos dos analistas e torcedores.

Com tanto prestígio, vários títulos pela seleção e sem nunca ter ganho um campeonato com o Coríntians, Rivellino começou a ser visto com inexplicável suspeita pela Fiel. Em 1974, depois de perder um título para o Palmeiras, o presidente Vicente Mateus o acusou de boicote e ele pediu para ser vendido, transferindo-se para o Fluminense, que à epoca montava uma equipe inesquecível, com Carlos Alberto, Doval, Paulo César, Dirceu e Marco Antônio, onde finalmente seria campeão por um clube. Campeão não, bicampeão.

Rivellino ainda disputaria a Copa de 1978, mas problemas físicos impediram que fosse titular da equipe. Encerrou sua carreira em Mundiais com um campeonato, um 3o. lugar e um 4o. lugar, uma excelente média. De volta ao Brasil, transferiu-se para o El Helal da Arábia Saudita, em busca dos dólares do petróleo, onde permaneceu até 1981.

Depois de discutir com a direção do El Helal, Rivellino tentou juntar-se ao São Paulo, mas o clube árabe não liberou seu passe e o apoiador encerrou a carreira, ainda em ótima forma. Tornou-se comentarista de futebol, não particularmente brilhante, e desde 2004 é dirigente do Coríntians.

JAIRZINHO

Em 1965 Garrincha foi vendido para o Coríntians. E os botafoguenses mal sentiram sua falta. Um garoto de 20 anos, recém-saído dos juvenis, herdou aquela mitológica e lendária camisa 7 listrada e começou a marcar gols sem parar. Foi perfeito para ambos. Nenhum outro atacante driblador poderia lutar contra a mística de Garrincha. Mas um rapaz grande, forte, rápido e excelente finalizador, típico jogador dos novos tempos de vigor e força física, não teria que lutar contra a lembrança das espetaculares jogadas do Anjo de Pernas Tortas. E ajudaria a conduzir o clube da estrela solitária na transição para o futebol moderno.

Jairzinho morava na rua General Severiano e acabou frequentando o clube, fazendo um teste e sendo contratado. Dispunha de boa técnica, mas não excepcional. Sua principal qualidade era a velocidade extraordinária para alguém tão forte. Quando arrancava era difícil pará-lo e os zagueiros eram levados de roldão. Com Gérson por trás para providenciar os lançamentos na corrida, ele fez tanto sucesso que foi convocado para a Copa de 1966, para a reserva de... Garrincha.

O semideus do futebol já começara sua decadência, e Jairzinho acabou jogando contra Portugal. Afundou junto com o time, mas o fracasso não atrapalhou sua carreira. De volta ao Botafogo ganhou a camisa 10 e o comando do ataque, fazendo parte da grande equipe bicampeã carioca em 1967/1968. Esteve entre as Feras do Saldanha nas eliminatórias de 1969 e foi como nome indiscutível para a Copa de 1970. Com seus chutes fortes e precisos, fez gols em todos os jogos até a final, totalizando 7. A velocidade de suas arrancadas trouxe-lhe o apelido de "Furacão da Copa".

Jairzinho era um atacante perigosíssimo, mas não era um jogador de soberba técnica. Dependia muito de seu vigor físico, num estilo mais europeu, tanto que na Europa ele é sempre lembrado como um dos destaques da seleção de 1970, na frente de outros craques mais lembrados aqui no Brasil, como Rivellino, Gérson e Tostão. Em 1974 ele era o centroavante canarinho na Copa de 1970, mas já beirando os 30 anos não dispunha da mesma força e não conseguia mais levar os zagueiros em suas arrancadas. Não teve boas atuações e, findo o torneio, seguiu para o Olympique de Marselha, para onde havia acertado sua transferência antes mesmo do Mundial.

Previsivelmente ele não foi bem e voltou depois de uma temporada para o Cruzeiro. Em 1976 sua experiência foi fundamental para a conquista da Libertadores, na época um torneio extremamente catimbado e violento, onde torcedores atiravam pedras e defensores marcavam atacantes usando alfinetes e estiletes (é sério!). Em seguida perambulou por clubes de menor expressão até encerrar a carreira.

Jairzinho nasceu em 1944 e atualmente é empresário, tendo sido um dos descobridores de Ronaldo Fenômeno.

A História da Copa do Mundo - A Copa de 1966


A EVOLUÇÃO TÁTICA: A ERA DO FUTEBOL-FORÇA

No final dos anos 50 e início dos 60, as coisas pareciam feias para o tradicional futebol europeu. Desde a retomada das competições internacionais, depois da II Guerra, o mundo do futebol tinha sido dominado por duas nações "de fora" - Hungria e Brasil. O reinado de 30 anos do WM estava acabando. Era um sistema que valorizava as virtudes tradicionais da escola clássica do Velho Mundo: disciplina para permanecer em seu posto, treinamento para tornar a jogada roubar bola-lançar ponta-cruzar-chutar a mais rápida e objetiva possível e determinação para vencer os embates homem-a-homem em cada um desses passos. Os húngaros e depois os brasileiros saíram atropelando todo mundo que passou pela frente com sistemas de jogo de alta mobilidade, passes curtos, improvisação e "aproximação indireta" - ou seja, rodar a bola procurando o caminho mais curto, ao invés de rumar direto para a meta adversária.

Todos sabiam que a vitória alemã na Copa de 1954 tinha sido um acidente. Era preciso se adaptar aos novos tempos. Mas os jogadores disponíveis aos treinadores das antigas grandes potências simplesmente não se prestavam para o estilo indireto e criativo do 4-2-4 voltado para o ataque. Alguém precisava criar um novo sistema de jogo que aproveitasse as melhores características européias clássicas: velocidade, objetividade e determinação.

Nessa época o ex-competidor olímpico de pentatlo, o belga Raoul Mollet, estudioso do esporte, começava a lançar seus livros e sistemas de treinamento intensivo. Mollet dava uma ênfase inédita à musculação, a "malhação". Embora pregasse que o competidor de qualquer modalidade deveria se apoiar num tripé de técnica-força física-equilíbrio psicológico, o que realmente ficou de revolucionário de suas idéias foi justamente a preponderância da força física na preparação do atleta. Com mais potência muscular todas as suas capacidades aumentariam. Mollet é o "pai" das estrelas esportivas supermusculosas de hoje, até em redutos tradicionalmente de sujeitos magros e esguios.

Obviamente Mollet voltou também seus olhos para o esporte mais popular do mundo, o futebol. "Estou absolutamente convencido de que craques como Di Stefano, Puskas e Stanley Matthews podem ser anulados por quem esteja preparado para correr o dobro: adversários capazes de fazer do futebol um jogo em que a luta pela bola e pelos espaços do campo dependa fundamentalmente do fôlego apurado. Cuidando mais do aspecto físico, o atleta menos talentoso poderá superar oponentes mais brilhantes".

Em 1963, os brasileiros bicampeões mundiais de futebol perderiam para a Bélgica por 5 x 1. Subitamente o mundo começou a se interessar pelas idéias daquele coronel belga.

Alf Ramsey, técnico da seleção inglesa, foi um dos primeiros. Como todo mundo na época, ele tentava adotar com seu time o 4-2-4 do Brasil. Mas na preparação para a Copa de 1966 ele percebeu que, depois que Stanley Matthews pendurara as chuteiras, e com o fim do WM, um sujeito que ficava parado na lateral do ataque o tempo todo, sem participar da ação durante a maior parte do tempo, era um completo contra-senso. "Procurei pontas para meu time, mas não encontrei nenhum que me satisfizesse", declararia ele depois.

Em vez de escalar os pontas, o que Ramsey fez? Pôs mais dois apoiadores no seu time e criou o 4-4-2, o mais difundido estilo de jogo até hoje. No 4-2-4 brasileiro, os apoiadores eram de longe os maiores sacrificados, pois precisavam defender e atacar sem parar, indo de uma área a outra o tempo todo. E enquanto isso ficavam aqueles caras ali parados na lateral esperando a bola... A conclusão lógica era que esses sujeitos deveriam era ajudar lá na meia-cancha e, quando desse, partir para o ataque, como faziam os outros dois lá do meio-campo.

E assim foi feito. O 4-4-2 era considerado um esquema defensivista e retranqueiro, já que só tinha 2 atacantes, mas provou-se extremamente flexível e adaptável: os 4 da meia-cancha podem ser dispostos em diversas formações, escolhidos entre as 3 categorias básicas do jogador desse setor: o cabeça-de-área, mais defensivo; o volante, que ajuda na marcação e na armação, articulando o time; e o ponta-de-lança, que faz a ligação com o ataque.



Com mais gente para roubar a bola no meio e todos eles com imenso vigor e força física, estava criado o estilo que iria demolir os brasileiros em 1966. Mas o Mundial da Inglaterra ainda era apenas o começo dessa nova época. Os jogadores europeus tinham o vício de roubar a bola e, com seu fantástico fôlego e disposição, sair correndo com ela até a meta adversária. É daí que vem o ditado de "quem tem que correr é a bola, não o jogador", difundido pelos defensores do que a partir de então ficou conhecido como "futebol-arte", com muito mais ênfase na técnica. Na verdade, a filosofia de Mollet não se contrapunha à habilidade, muito pelo contrário, como os holandeses demonstraram com seu incansável rodízio na Copa de 1974, criando a síntese dos dois estilos, que ficou adequadamente conhecida como "Futebol Total" e que ninguém conseguiria repetir sem Cruyff.

E enquanto na Inglaterra se criava o 4-4-2, na Itália difundia-se o estilo que domina a Azzurra até hoje: o catenaccio com líbero.

Em 1947, a Liga Italiana era bastante desequilibrada. Os times mais ricos dominavam-na completamente. Então subitamente a desconhecida Triestina chegou em segundo, apresentando um sistema de jogo defensivo inspirado no ferrolho suíço. Notando seu sucesso, as outras equipes começaram a imitá-lo e por volta de 1960, o brilhante técnico argentino Helenio Herrera levou-o à perfeição, dirigindo o Milan e vencendo 2 vezes a Liga dos Campeões empilhando 1 x 0 sobre 1 x 0, num tempo em que as finais de Copa do Mundo acabavam em 3 x 2 e 5 x 2.

Catenaccio em italiano quer dizer "tranca" e, como o nome diz, é inspirado pelo ferrolho suíço. Só que sem a mobilidade daquele esquema. Os suíços introduziram um centromédio que, quando eram atacados, recuava para trás dos zagueiros cobrindo seus erros. Como ele ficava livre lá atrás, ficou conhecido como "líbero".

Os italianos simplesmente fixaram o líbero atrás da defesa. Ele não avançaria para apoiar o ataque. Tampouco os outros zagueiros ou o meio-campo. Cada um dos beques marcava um atacante adversário, os apoiadores tinham grande preocupação em marcar e a ligação para o ataque se dava em lançamentos longos diretos lá de trás, em velozes contra-ataques.



Com a difusão do 4-2-4 e seus 4 atacantes, o catenaccio evoluiu de um "1-3-3-3" para um "1-4-3-2" e continuou assim mesmo depois que todo mundo passou a jogar com só 3 ou 2 na frente.

O catenaccio é que transformou o campeonato italiano numa coleção de 0 x 0 e 1 x 0 até os anos 90. Com a vitória da Itália sobre o supertime do Brasil em 1982, essa filosofia de jogo se espalhou pelo mundo inteiro, culminando na grotesca Copa de 1990. Poucos jogadores conseguiram explorar o potencial do líbero para armar o time e articular, já que na verdade, não tinha nenhuma tarefa ou posição fixas. Beckenbauer, em 1974, mostrou o que alguém da posição poderia fazer, mas poucos seguiram seu exemplo. A maior parte dos treinadores ainda pensava em Raoul Mollet e dava preferência a atletas como Gentile, estupendos marcadores sem muito talento na armação.

O próprio Brasil adotou um estilo variante em 1990 e mesmo em 2002, quando o defensivismo inerente do esquema foi suplantado pelo imenso talento dos laterais e atacantes.

A COPA DE 1966

Em 1964 o presidente brasileiro João "Jango" Goulart foi deposto pelos militares. Começava uma ditadura que iria durar 20 anos. E, como Mussolini, Hitler e o governo comunista húngaro já haviam demonstrado, futebol era um maravilhoso instrumento de propaganda.

Paulo Machado de Carvalho, o chefe da delegação na campanha do bi, havia se desentendido com João Havelange e saído. Quem voltou foi Feola, com problemas de saúde e pouca energia. Assim, a preparação brasileira, tão meticulosa nas duas Copas anteriores, foi muito menos organizada. Perturbada por pressões de dirigentes de clubes e políticos, foram convocados 47 atletas, divididos em 4 equipes: vermelha, branca, azul e verde. Mas nenhuma delas era a titular: os jogadores foram distribuídos um tanto aleatoriamente, embora todo mundo brigasse para ficar no mesmo time que Pelé, titular indiscutível.

Com toda essa confusão, o Brasil chegou à Copa sem ter uma equipe definida. Os bicampeões mundiais que não haviam parado de jogar tinham mais de 30 anos. Os futuros campeões de 1970 estavam em começo de carreira e sujeitos à pressão de substituírem aquela geração de ouro. Assim os brasileiros entraram em campo com meio time com idade para jogar futebol masters - Garrincha, Bellini, Djalma Santos, Zito, Gilmar - e a outra metade com idade para disputar sub-23: Jairzinho, Denílson, Lima, Alcindo. Havia até os sub-20, como Tostão e Edu, que foi o mais jovem jogador brasileiro a jogar numa Copa, superando Pelé. Ele tinha 16 anos.

Uma geração era velha demais para correr. A outra era nova demais para ter força física. E, na Copa do futebol-força preconizado por Raoul Mollet, foram presas fáceis para os europeus. Ainda mais insistindo em jogar com pontas e apenas dois no meio-campo. O Brasil afundaria física e taticamente na Copa da Inglaterra e a técnica de seus jogadores não adiantaria muito.

A estréia, como em 1958 e 1962, foi uma vitória medíocre. Os astros da companhia, Pelé e Garrincha, fizeram 2 x 0 sobre a Bulgária em cobranças de falta. Foi a última vez que eles jogaram juntos. O Brasil nunca perdeu um jogo com os dois em campo. A seleção búlgara era muito fraca, mas mostrou aos brasileiros o que eles teriam pela frente: sua marcação duríssima sobre o Rei o tirou do segundo jogo.

Garrincha perdeu pela primeira vez em 55 jogos com a seleção na derrota de 3 x 1 para a Hungria. Os húngaros encurralaram o Brasil na defesa e o placar saiu barato para os brasileiros. Tostão e Gérson estrearam mal em Copas. Coincidentemente, a última derrota brasileira em Mundiais fora para... a Hungria, em 1954, 14 jogos atrás!

E voltaram os fantasmas daquele jogo e da final de 1950. Alguns jogadores não tinham "espírito de seleção". Garrincha foi sacado do time. Tostão e Gérson também. Ao todo foram trocados nove jogadores! Pelé voltou mesmo fora de condições. E pela frente tinham o melhor atacante europeu dos anos 60. O africano Eusébio.

Sim, porque naquela época Moçambique ainda fazia parte do completamente anacrônico Império Português. Aquele mesmo do qual o Brasil fazia parte! Assim o africano Eusébio acabou na seleção portuguesa, que fez três na Hungria na estréia, três na Bulgária na segunda rodada e três no Brasil.

Pelé foi marcado com violência e passou o final do jogo só fazendo número. Aquele seria o último ano sem substituições em jogos oficiais no futebol. A regra 3 seria mudada em 1967. Mas, mesmo antes de ficar virtualmente com 10 em campo, os brasileiros já tinham sido atropelados: precisando vencer, em meia hora estavam perdendo de 2 x 0. A seleção levou um banho de bola e voltou para casa. Não seria em 1966 que os brasileiros conquistariam a Jules Rimet.

E nem a Itália. Perdendo da URSS e da maior surpresa da Copa, a Coréia, os italianos também saíram na primeira fase. Dos bicampeões só o Uruguai do grande Pedro Rocha prosseguiu, classificando-se em seu grupo atrás dos anfitriães ingleses. Os uruguaios cairiam de quatro nas quartas-de-final, uma derrota e uma aliteração.

Já a Inglaterra teve um jogo catimbado contra os argentinos. Um engraçadinho já disse que juiz que apita jogo da Argentina merece ganhar adicional de insalubridade. Rattin, o capitão portenho, foi expulso e assoou o nariz na bandeirinha de córner - que nas ilhas britânicas reproduzem a bandeira nacional. Começava em 1966 a história de uma das maiores rivalidades em Copas. Os ingleses venceram por 1 x 0.

Os portugueses entraram para as quartas contra a Coréia do Norte. Não levaram o jogo a sério. Mal foi dada a saída os coreanos fizeram 1 x 0. Aos 21 e 22 aumentaram. Depois de eliminar a Itália, eles faziam 3 x 0 na então poderosa seleção portuguesa! Mas os portugueses abriram os olhos e aí o jogo acabou. Cinco minutos depois Eusébio começou a jogar, marcando o primeiro gol afro-lusitano. Ele marcaria mais três vezes. Torres completaria a espantosa virada para 5 x 3 aos 33 do segundo tempo.

Mas o descuido dos primeiros vinte minutos cobraria sua conta. Exaustos pela correria necessária para a virada, os portugueses jogaram uma partida irreconhecível contra os britânicos e perderam de 2 x 1. Na outra semifinal, URSS x Alemanha fizeram outro jogo violento. Os soviéticos perderam um jogador por expulsão e outro por contusão. Com apenas 9 em campo não conseguiram evitar a derrota por 2 x 1. Na decisão do terceiro lugar eles perderiam por 2 x 1 para Portugal, na última partida de de Yashin e Eusébio em Mundiais.

E a final veria nascer a maior polêmica na história das Copas. Os alemães perdiam por 2 x 1 até os 44 do segundo tempo, quando empataram em uma confusão na área. O jogo foi para a prorrogação. Aos 9 minutos do tempo extra Hurst chutou uma bomba que bateu no travessão, quicou no chão e voltou para a área. O juiz deu o gol. Os ingleses juram que entrou. Os alemães que não. Pegue um vídeo na sua locadora e decida você mesmo.

O Brasil mostrou o caminho do jogo contemporâneo com o 4-2-4. Os ingleses o formatavam definitivamente ao dispensar os pontas, como a Hungria de Puskas, e jogar com quatro no meio-campo. Obcecados com o "verdadeiro futebol brasileiro" insistiríamos com os ponteiros até o meio dos anos 80. Não por coincidência essa época marcou uma fase sem conquistas para a seleção. A última grande conquista viria com o tricampeonato de 1970. Não havia extremas naquele time.

EUSÉBIO

Em 1961, em Portugal numa escala de volta de uma excursão à África, o treinador Bauer, do São Paulo, ex-centromédio brasileiro da Copa de 1950, conversou com seu antecessor Bella Guttman, então no Benfica, sobre um jogador que viu no Sporting Lourenço Marques, em Moçambique. O húngaro foi conferir, gostou do que viu e o atacante de 19 anos foi contratado e ficaria famoso justamente como carrasco do Brasil em 1950.

Eusébio nasceu em 1942, em Moçambique, que na época ainda era colônia de Portugal, em pleno século XX. Coisas do salazarismo (procure numa enciclopédia). Assim sendo era cidadão português. Em 1961 estreou no Benfica. Numa de suas muitas excursões, o Santos de Pelé perderia de 3 x 0 para o time lusitano. Três gols de Eusébio. O time português foi bicampeão europeu (e em 1962 perderia a decisão do Mundial interclubes para Pelé & cia.), vice em 1963 e a seleção portuguesa subitamente passou a figurar entre as grandes da Europa.

Em 1965 Eusébio foi escolhido jogador europeu do ano. Ele era muito, muito rápido. Para dizer a verdade, ele era campeão português juvenil nos 100, 200 e 400 metros rasos. Ciscava e cortava bem em velocidade e tinha um pé direito poderoso e preciso. Um "ataque-de-um-homem-só", como bem definiu a imprensa inglesa.

E realmente bastou ele para eliminar o bicampeão mundial Brasil na Copa de 1966. Também foi ele quem marcou 4 gols da vitória portuguesa sobre a Coréia, depois de começar perdendo por 3 x 0. O esforço desse jogo refletiu-se na partida seguinte, quando perderam para os anfitriães, os ingleses, terminando em terceiro. Mas a carreira de Eusébio estava longe de terminar. Em 1968 e 1973 foi o maior goleador da Europa. Em 1972 visitou o Brasil e até atacou de ator num programa humorístico. Em 715 jogos do campeonato português ele marcou 727 gols, mais de um por partida!!!!

Infelizmente a seleção portuguesa não conseguiu alinhar um bom time a seu lado depois de 1966 e não se classificou para as Copas de 1970 e 1974. Eusébio se despediu do time nacional num 2 x 2 contra a Bulgária pelas eliminatórias em 1973. Saindo do Benfica em 1975, até 1978 Eusébio jogaria por times menores portugueses e nos campeonatos americano e mexicano, cujos títulos conquistaria (ambos em 1976).

Em 1978 seu joelho encerrou sua carreira. Curte uma boa aposentadoria e é o grande ídolo do futebol lusitano, continuando até hoje influente na seleção local. Ao lado de Pelé é o único artilheiro que marcou comprovadamente mais de mil gols oficiais, com 1.137 tentos assinalados.

SIR BOBBY CHARLTON

Ele não era um gênio. Não tinha a explosão de Eusébio. Mas sabia como roubar a bola, como mantê-la, era um lançador soberbo e concluía bem com os dois pés. E foi o melhor jogador da grande era inglesa.

Bobby Charlton nasceu em 1937. Jogando pelo time de seu colégio foi descoberto pelo olheiro do Manchester United. Em 1956 já era profissional. Em sua estréia marcou 2 dos gols da vitória de 4 x 2 sobre o Charlton Athletic (nenhum parentesco).

Em 1958 um avião com o time do Manchester caiu sobre Munique. Nove jogadores morreram. Bobby saiu ileso. Boa parte da seriedade com que encarou o futebol tem suas raízes nesse trauma. Naquela Copa o garoto ganhou uma vaga na delegação britânica, que precisava preencher tantas vagas que haviam ficado em aberto. Ele nem chegou a jogar e a Inglaterra saiu na primeira fase, mesmo depois de ser o único adversário que o Brasil não derrotou.

Em 1962 a Inglaterra estava melhor e menos traumatizada. Passou a ter um certo trauma de Garrincha, é verdade, depois que o anjo de pernas tortas acabou com o jogo. Eles saíram nas quartas, mas em 1966 jogariam em casa.

E foi essa Copa que fez a fama de Bobby. Bobby Moore era a alma daquela seleção, mas o cérebro era Charlton. De seus pés saíram os gols que eliminaram a sensação Portugal na semi-final. De sua atuação na semi-final, disse Beckenbauer: "A Inglaterra nos bateu porque Bobby Charlton foi um pouco melhor do que eu hoje". Bastou isso.

Bobby Charlton foi eleito o jogador europeu do ano em 1966. Ganhou a Liga dos Campeões em 1968 e vários títulos e Copas nacionais. Mesmo assim sempre se manteve modesto, sério e concentrado. Em 1970 jogou seu quarto mundial, mas nas quartas-de-final Beckenbauer foi um pouco melhor do que ele e os campeões foram eliminados depois de um emocionante 3 x 2. Foi o último jogo de Bobby pela seleção inglesa.

Bobby Charlton pendurou as chuteiras em 1973 e atualmente é gerente do Manchester United e respeitado comentarista esportivo. Em 1994 ele foi sagrado Cavaleiro do Império Britânico, ganhando o título de "sir".

maio 25, 2010

A Copa de 1962 - Um Anjo de Pernas Tortas Entorta o Mundo


A EVOLUÇÃO TÁTICA: O 4-3-3

O Brasil chegou no Chile para disputar a Copa com virtualmente os mesmos jogadores de 1958. A única diferença era a idade: Didi já tinha 33 anos, Nilton Santos 37, Zagallo 31, Zito 30. Nenhum deles aguentaria a correria exigida pelo 4-2-4. A solução foi recuar Zagallo para o meio-campo. Zagallo já ajudava o meio na Copa de 1958, mas ele era basicamente um ponta-esquerda que recuava para marcar. Em 1962 ele foi um armador que avançava para apoiar o ataque.



Apesar de não contar com um verdadeiro extrema-esquerda na competição, o Brasil não teve falta de jogadas por ali: os gols de Zito e Amarildo na final contra a Tcheco-Eslováquia, por exemplo, nasceram em jogadas do próprio Amarildo pela esquerda. Como os húngaros haviam descoberto nos anos 50, um atacante habilidoso também sabe fazer jogadas de ponta - era desperdício ter um jogador só para isso.

O Brasil demorou mais tempo para descobrir isso porque do outro lado tinha o lendário Garrincha. Mas, sinal dos tempos, o próprio Garrincha teve as melhores atuações de sua carreira no Chile jogando mais pelo meio do que pela direita. A lição era clara: um sujeito capaz de driblar todo mundo e que sabe chutar muito bem rende muito mais se tiver liberdade de se movimentar por todo o ataque. Mas os brasileiros demoraram a compreender. Eram, e continuam a ser até hoje, obcecados com o "número de atacantes". Tirar um ponta, mesmo que para escalar um meia-atacante, significava um jogo covarde, retranqueiro, defensivo. Só técnicos incompetentes e medrosos faziam tais coisas, com tanta gente boa de bola disponível.

Assim o Brasil permaneceria com o 4-3-3, chamando o terceiro homem de meio-campo de "ponta-esquerda recuado" para enganar os críticos até os anos 80. Na Europa os ponteiros foram relegados ao esquecimento. Com a mesma mobilidade do 4-2-4 e quatro homens no meio-campo, os europeus atropelariam os sul-americanos na Copa de 1966.

A COPA DE 1962 - FOI UM ANJO DE PERNAS TORTAS QUE PASSOU EM MINHA VIDA

Como já disse o jornalista Ruy Castro, em 1962 Mauro ganhou a posição de Bellini por estar em melhor forma física. O elegantíssimo capitão aceitou o banco com elegância. Orlando estava no River Plate da Argentina e na época quem jogava no exterior não era convocado. Zózimo ganhou sua vaga. Aimoré Moreira era o treinador porque Feola estava no hospital. Nílton Santos raspou o bigode. E essas foram todas as diferenças da seleção brasileira de 1958 para 1962.

Pelé sim estava diferente.

Em 1958 ele era um garoto de 17 anos extremamente promissor. Em 1962 ele era o Rei do Futebol. Ainda naquele ano ele completaria 500 gols. O mundo inteiro já conhecia o mitológico Santos. Ele não era mais o coadjuvante, era o astro da equipe, aquele que todos esperavam que fosse a grande estrela do Mundial.

BOX

Nos estádios da Copa estava pintada a frase "Por nada termos, faremos tudo". Em 1960 o Chile havia sofrido um violento terremoto e a FIFA chegou a pensar em mudar a sede, mas o organizador Dittborn se negou a abrir mão de sediar o torneio, criando o slogan. Dittborn morreu aos 38 anos, um mês antes do jogo inaugural, devido ao estresse, mas o Mundial foi um sucesso.

Mas não foi assim na primeira partida. Como em 1950 e 1954, estréia contra o México e uma vitória não muito convincente. Os 2 x 0 só vieram no segundo tempo, quando os mexicanos cansaram. Foi uma vitória do jogo coletivo da seleção e não do brilhantismo individual. Mas era a estréia. O próximo jogo, contra a Tcheco-Eslováquia, seria diferente.

E foi. Foi empate. Outro 0 x 0. O terceiro da história das Copas. A linha de quatro zagueiros continuava funcionando, mas o ataque sofreu o terrível desfalque de Pelé. Diferente da partida contra o México, o Rei começou bem e mandou duas bolas na trave. Na segunda sofreu uma distensão. Ainda não havia substituições e ele ficou em campo fazendo número. Mesmo virtualmente com dez o Brasil ainda pressionou, mas não conseguiu mexer no placar. E ficou precisando ganhar da Espanha.

O Real Madrid tinha montado um timaço, com Di Stefano e Puskas na frente. Os dois se naturalizaram e estavam na seleção espanhola. Didi, que teve uma passagem pelo clube espanhol, culpava o argentino por seu fracasso na Europa. Mais tarde ele contou que pretendia acertar o jogador e chegou a cortar as unhas do pé de lado, para ficarem pontudas e machucarem mais.

Mas Didi não teve sua chance. Di Stefano alegou uma contusão e não entrou em campo. Mas o meia brasileiro estava obcecado em se exibir mesmo assim e jogou uma de suas piores partidas. A Espanha saiu na frente e jogava melhor. Fez 1 x 0 e Nilton Santos fez um pênalti. Imediatamente ele levantou a mão, acusando-se de ter cometido uma infração e discretamente deu um passo para a frente, saindo da área. O juiz apitou falta no lugar onde Nílton Santos estava e não onde o atacante espanhol caiu. Puskas também fez um gol de bicicleta que o árbitro anulou por "jogo perigoso", mesmo não havendo nenhum brasileiro perto do ex-húngaro. Aqueles "naturalizados" não atraíam a simpatia de ninguém para a seleção espanhola.

O Brasil continuou sem jogar bem, mas aos 27 do segundo tempo Zagallo cruzou e Amarildo, o substituto de Pelé, empatou. Alguns minutos depois foi Garrincha quem cruzou e Amarildo também de cabeça classificou o Brasil e eliminou a Espanha. Antes do jogo o técnico espanhol Helenio Herrera dissera que "sem Pelé o Brasil perde muito. Quem é Amarildo?"

No outro jogo da rodada, o México teve sua primeira vitória em Copas, contra a Tcheco-Eslováquia, mas os tchecos haviam vencido a Espanha e prosseguiram. Nos outros grupos, a Itália, com seus argentinos naturalizados, também caiu fora. A Argentina, depois de brilhar dos anos 40 ao Sul-Americano de 1957, quando não disputou nenhuma Copa, só venceu a Bulgária e também foi desclassificada. O Uruguai foi derrotado duas vezes, mais do que em toda sua história em Mundias até então, e dançou. Emocionante foi o jogo URSS x Colômbia. Os comunistas, campeões europeus em 1960, venciam por 4 x 1 até os 22 do segundo tempo e cederam o empate em 4 x 4, contando até com falhas do lendário goleiro Yashin.

Nas quartas-de-final o Brasil tinha que enfrentar a Inglaterra, pela segunda vez seguida em Copas. Pelé continuava de fora. Contra a Espanha foi preciso muita sorte para a vitória. A seleção havia se acostumado a ter Pelé como ponto de referência, a deixar o papel principal para ele e só precisar ajudar. Normalmente quando perdem suas estrelas os times ficam perdidos em campo. A não ser que apareça outro superastro. E Garrincha estava na delegação.

Jogando menos como ponta-direita do que no comando de ataque, aproveitando que Amarildo não estava em perfeitas condições, Garrincha jogou uma de suas melhores partidas. Entortou o lateral, como sempre, fez gol de cabeça, algo raríssimo em sua carreira, e de fora da área. O placar de 3 x 1 diz bem o que foi o jogo, com os ingleses correndo atrás o tempo todo.

O próximo adversário seria o anfitrião, o Chile, que nunca fora tão longe num Mundial, eliminando pelo caminho Itália e URSS. A imprensa ficou dias anunciando que os chilenos iriam comemorar a vitória com café brasileiro. No dia seguinte ao do jogo estampariam a manchete "De que planeta vem Garrincha?"

Fazendo gol de cabeça novamente e até de pé esquerdo, de fora da área, ele comandou a vitória de 4 x 2. Vavá fez os outros dois. Tentando parar o extraterrestre brasileiro, os chilenos abusaram da violência. O atacante reagiu como num desenho animado. Deu um pontapé no traseiro de seu marcador após ser derrubado mais uma vez. O bandeirinha Esteban Marino dedurou para o juiz e o brasileiro foi expulso. Os tchecos, que haviam eliminado a Iugoslávia na outra semifinal, comemoraram. O médio Nowak comentou que "sem Pelé e Garrincha o Brasil é um time normal".

Mas Garrincha jogou a final. O presidente da CBD, João Havelange, visitou o bandeirinha no hotel. No julgamento do atacante, Marino não apareceu e, sem dispor de videotapes, os juízes foram obrigados a absolver o ponta. No mesmo dia Esteban Marino foi visto em várias boates em Copacabana, gastando a rodo e muito bem acompanhado.

Mas Garrincha entrou com 38 graus de febre e não pôde repetir suas atuações. Foi a vez de Amarildo justificar sua presença na vaga de Pelé. Os tchecos abriram o placar num belíssimo lançamento de Kadabra para Masopust (e não procede a história de que na ponta pediam a bola para o meia gritando "Abre, Kadabra! Abre, Kadabra!). Dois minutos depois Amarildo chegou ao fundo pela esquerda e mandou a bola entre o goleiro e a trave. Lembrando Gigghia. O jogo continuou equilibrado até que Amarildo de novo, aos 25 do segundo tempo, fez belíssima jogada e cruzou para Zito cumprimentar e mandar para a rede. O Brasil virava outra final. Aos 33 Djalma Santos mandou a bola de qualquer jeito para a área, o goleiro Schroif foi atrapalhado pelo sol e soltou-a nos pés de Vavá, o primeiro jogador a marcar em duas finais.

Não dava mais para os tchecos. O Brasil era bicampeão mundial, invicto em 12 jogos de Copa do Mundo, tinha o Rei do Futebol, tinha Garrincha e o futuro pela frente. Parecia que o reinado verde-amarelo prosseguiria para sempre. Mas na verdade era o fim de uma época, e não só para a seleção brasileira.

BOX

O time bicampeão: Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Amarildo (Pelé), Vavá e Zagallo.

GARRINCHA

Garrincha tinha o joelho direito virado para fora, o esquerdo virado para dentro, um deslocamento da bacia e uma perna seis centímetros mais curta do que a outra. Mas quando a bola rolava quem ficava caído no chão eram seus marcadores.

Garrincha nasceu em Pau Grande em 1933 e destacou-se nas peladas locais. Naquela época existia uma prática que ainda persiste nos clubes pequenos, a "peneira", quando amadores candidatos a profissionais recomendados por um olheiro chegavam já homens feitos aos clubes e submetiam-se a testes, algo impensável hoje num esporte que exige grande forma física, cultivada desde a puberdade, mas que revelou Nílton Santos, por exemplo.

Garrincha tentou a sorte no São Cristóvão e no Vasco, mas seus problemas físicos levaram-no a ser recusado. Conta a lenda que ao chegar no Botafogo alguém teria comentado "a que ponto chegamos, até aleijado vem treinar aqui". Mas foi escalado nos minutos finais do coletivo e logo de cara pôs uma bola entre as pernas do lateral-esquerdo da seleção brasileira, Nílton Santos, a "Enciclopédia do Futebol". Nílton foi até o técnico Gentil Cardoso e decretou: "ou vocês contratam esse garoto ou eu vou junto com ele para o clube que ele for". E assim começou a carreira profissional de Manuel Francisco dos Santos.

Carreira levada adiante por seus dribles fantásticos, sua famosa arrancada pela direita e suas anedotas. E que várias vezes foi prejudicada por seus dribles fantásticos, sua famosa arrancada pela direita e suas anedotas. É que Garrincha muitas vezes perdia-se nos lances de efeito, não soltava a bola e teimava em chutar da linha de fundo, em vez de cruzar. Aliás, o centro clássico que se esperava de um ponta, alto e no segundo pau, raramente saía dos pés do Anjo de Pernas Tortas. Sua jogada mais característica era a corrida para o fundo e um cruzamento rasteiro e forte, quase um chute. Que, pelo menos na Copa de 1958, acabava sempre encontrando o pezinho de Vavá.

Aliás, o melhor e o pior de Garrincha podem ser encontrados no Mundial da Suécia. Os fantásticos dribles que desarrumaram completamente o time da URSS, que se limitou a tentar conter os danos e abandonou a tentativa de uma vitória para simplesmente vigiar aquele demônio na extrema-direita. A resposta ao saber que o jogo contra a Suécia já tinha sido o do título, "campeonatinho curto, sô. Não tem nem segundo turno...". Os cruzamentos na decisão que viraram a partida. E, pelo lado ruim, o excesso de dribles e egoísmo no jogo contra o País de Gales, que lhe valeram uma bronca de Didi.

Aliás, foi Didi, ao lado de Nílton Santos, quem garantiu a vaga do ponta na Copa de 1958. Reprovado num teste psico-técnico, os dois companheiros do Botafogo de Garrincha convenceram o psicólogo da CBD a não deixar o atacante de fora da seleção. E tiveram que convencer Feola também, na Suécia, a escalá-lo de titular. Em um amistoso contra a Fiorentina, ele driblou toda a defesa, parou a bola na linha de gol e esperou um último zagueiro vir correndo, porque, segundo explicou mais tarde, era injusto não o driblar também. E ele fintou o defensor, fez o gol, mas perdeu a corrida para a vaga. Foi só depois de duas atuações medíocres na Copa que voltou ao time.

Garrincha era um driblador fantástico, capaz de uma arrancada fenomenal com a bola dominada, embora não fosse rápido. Numa corrida longa seu marcador acabaria alcançando-o. Também não tinha um controle de bola excepcional. Quando foi contratado pelo Coríntians, a imprensa paulista pediu para bater uma foto com ele fazendo embaixadinhas, ao que respondeu que não era muito a dele, quem era bom nisso era Nílton Santos. Mas quando matava a bola e parava em frente à defesa na ponta, ninguém conseguia pará-lo.

O apogeu de Garrincha foi na Copa de 1962. Quando Pelé se machucou, ele assumiu o manto de estrela do time. Abandonou a ponta e jogou mais pelo comando de ataque. Continuou a dar dribles e começou a marcar gols. Não aqueles seus típicos, quase sem ângulo da linha de fundo. Fez gol de cabeça, de perna direita, de fora da área. Fez cruzamento no segundo pau. Depois da semifinal contra o Chile, o prestigioso jornal local El Mercurio estampou na manchete "De que planeta vem Garrincha"?

Assim como em relação a Pelé, faltam superlativos para descrever Garrincha. Sua carreira, entretanto, foi mais curta. Em 1963 os anos de dura marcação, aliados ao desgaste nas articulações, apressado pelos seus defeitos, danificaram seus meniscos. O ponta se submeteu a várias infiltrações, tratamento emergencial, basicamente anestésico e cujo uso seguido causa muito mais danos, para terminar o campeonato. E depois não quis se submeter a uma cirurgia corretiva. O que não é tão absurdo quanto parece, já que na época não havia artroscopia, a operação era invasiva e brutal, com os joelhos sendo abertos num corte em cruz, e cuja recuperação demandava de oito meses a um ano e meio, muitas vezes encerrando a vida profissional do atleta.

A partir de então suas atuações começaram a ser mais esparsas e irregulares. Mas não a ponto de impedir sua convocação para a Copa de 1966. Na estréia fez um maravilhoso gol de falta na vitória contra a Bulgária. Foi sua última vitória com a amarelinha. Sem Pelé a seu lado, participou da derrota para a Hungria por 3 x 1, com desempenho medíocre. Foi a única vez em que perdeu jogando pelo escrete canarinho. Sacado da partida contra Portugal, nunca mais voltou a defender a seleção brasileira.

Garrincha nessa época já estava no Coríntians, mas sua irregularidade o levou para a Portuguesa, o Flamengo, o Red Star da França e o Olaria, em 1971/1972, quando então pendurou as chuteiras. Um jogo de despedida, com a renda revertida para ele, lotou o Maracanã em 1973. Mas o ponta não soube gerenciar sua vida depois do futebol e afundou no alcoolismo, até morrer em 1983 de crise hepática.

Garrincha foi um atacante genial, o maior driblador da história do futebol. Tão brilhante foi sua carreira que por causa quase que unicamente dele os brasileiros se apegaram à idéia de que todos os times precisavam ter pontas. Já quando ele surgia, Zagallo já ajudava o meio-campo. Em 1962 a maioria dos times do mundo descobria que era um desperdício ter um jogador que só atuava numa estreita faixa de campo, servindo apenas para fazer cruzamentos. Mas para a torcida no Brasil isso estava longe de fazer sentido. Como deixar um Garrincha fora de alguma equipe? Aquele era o caminho para o gol.

Não era. Era preciso um Garrincha para que aquela posição fizesse sentido em plenos anos 60. O Chaplin dos gramados, sempre disposto a tentar uma jogada engraçada, divertida, ou um drible novo e diferente, pelo puro prazer de fazê-lo. A Alegria do Povo. Ao lado de Pelé e Maradona, o maior jogador da história do futebol.

NILTON SANTOS

Tão elegante, clássico e refinado era aquele defensor que ficou conhecido como "A Enciclopédia do Futebol". Nada de chutões, bicos ou carrinhos. Uma espera pelo momento certo, um pezinho exato e a bola estava sob seu domínio, pronta para dar início a um contra-ataque que poderia acabar até mesmo com um gol dele. Sua chuteira era macia, sem pnota dura, para melhor sentir a bola. Chutava e driblava com as duas pernas. O grande craque argentino Nestor Rossi certa vez disse a um colega de seleção com dificuldades para parar o ataque brasileiro: "corra até aquele lateral e esfregue a perna na dele, pois ali está o futebol de todos os zagueiros do mundo".

Nilton Santos era originariamente atacante, mas quando chegou no Botafogo, em 1948, o presidente Carlito Rocha foi taxativo: ele era alto e os sujeitos altos jogavam na defesa. E lá foi ele para a zaga, logo depois sendo deslocado para a lateral-esquerda, posição que o consagraria. Depois de anos jogando na frente, com toda sua categoria, Nilton conhecia todos os atalhos do campo; sabia exatamente o quê o ponta adversário precisaria fazer, por onde precisaria passar. E lá estava ele fechando a porta justamente pelo único caminho.

Nilton Santos foi convocado para a Copa de 1950, mas não chegou a jogar. Foi titular em 1954 e foi expulso por revide na "Batalha de Berna" contra os húngaros, depois que um magiar sapateou em suas costas. Em 1956 participou de uma famosa derrota para a Inglaterra em Wembley, em que levou do atacante Stanley Matthews um dos dois únicos "bailes" de toda sua carreira (o outro foi do brasileiro Julinho). Matthews tinha na ocasião 41 (!!!) anos e Nilton contou sobre o episódio: "quando vi aquele velhinho com a camisa 7, comecei a rir. Só depois percebi que estava frente a frente com um dos maiores jogadores do mundo". Nilton Santos, então aos 31 anos, nem imaginava que ainda ganharia duas Copas do Mundo e só penduraria as chuteiras aos 39 anos.

Nilton Santos só teve um clube, o Botafogo. Nunca recebeu salários milionários, assinando inclusive três contratos em branco, mas não se arrepende: "tudo que sou devo ao Botafogo". Sua maior mágoa com os jogadores de hoje é outra: "invejo muito os laterais de hoje. Não pelo dinheiro que ganham, mas pela liberdade que têm para atacar". Nilton foi um dos primeiros defensores a se lançar à frente, marcando inclusive um gol na Copa de 1958. Durante muitos anos teve que dar vazão à sua vontade de partir para o ataque velada e secretamente. Somente quando João Saldanha assumiu o Botafogo em 1957 lhe deu toda a liberdade que merecia. Liberdade que ele exercia com cautela, pois a torcida não o perdoaria se saísse um gol do adversário pelas suas costas: "eu ia parar na forca", comenta.

Nilton Santos foi bicampeão do mundo aos 37 anos. Continuou jogando até 1964, quando, elogiando um zagueiro jovem que estava começando, o futuro tricampeão Brito, contaram-lhe sua história. "O quê, ele é filho do Leonídio, meu companheiro de peladas? Está mesmo na hora de parar". E ele parou aos 39 anos, com 11 gols pelo Botafogo e 3 pela seleção, números inacreditáveis para um beque na época. Não porque lhe faltasse futebol para continuar. "Sou um cara que só jogou futebol em um clube. Encerrei minha carreira com quatro meniscos, o que prova que tinha bom equilíbrio. Sou muito feliz e tenho a minha consciência tranqüila. Quando tenho sono, durmo em cinco minutos. Minha religião é não fazer mal a ninguém e, se puder, ajudar o próximo".

Um Dia na Igreja de Nossa Senhora da Saúde











O atual bairro da Saúde se desenvolveu em torno da igreja do mesmo nome. Após décadas de abandono, ela foi restaurada e está aberta a visitações e até mesmo a ritos como casamentos e batizados - embora ninguém ainda tenha se interessado em marcar nada lá - pouca gente sequer a visita. Por uma incrível coincidência, no dia em que fomos lá, ao assinar o livro de registro, descobrimos que os visitantes anteriores eram nossos amigos Pedro e Bel, pensando em talvez batizar o caçula por lá. Abaixo, algumas fotos das pinturas e azulejos do século XIX ainda existentes.

A História da Copa do Mundo - A Taça do Mundo é Nossa, Com Brasileiro Não Há quem Possa

Clique aqui para ler todos os capítulos até agora, incluindo este

A EVOLUÇÃO TÁTICA: O BRASIL CRIA O 4-2-4 E O FUTEBOL CONTEMPORÂNEO

O mundo estava mudando nos anos 50. Surgiram a bomba de hidrogênio, a foto de Einstein fazendo careta, o rock´n´roll, a Revolução Cubana, o foguete espacial, o cérebro eletrônico (que depois ficaria conhecido como computador) e a bossa nova. Com o fim da II Guerra Mundial todas as fábricas de armas começaram a fabricar outras coisas. Com metade do planeta precisando de reconstrução havia emprego para quase todos. Com um monte de técnicas arriscadas testadas para salvar vidas de soldados, a medicina avançou bastante. Os antibióticos ficaram disponíveis para o público. Apesar da Guerra Fria, o antagonismo entre os americanos e os soviéticos, a humanidade nunca fora tão próspera. E, com a prosperidade, as pessoas se alimentavam melhor e ficavam menos doentes.

Essas pessoas saudáveis davam também atletas bem melhores. O WM exigia que cada jogador treinasse à exaustão para se tornar bom especificamente em sua posição. Também requeria treinamento para a entediante tarefa de ficar o jogo inteiro perseguindo um único adversário, a "marcação homem-a-homem". Todo esse treino só foi possível com a profissionalização do futebol. Mas o profissionalismo aumentara desde então, aplicando os avanços da medicina na área esportiva. Os atletas dos anos 50 podiam correr bem mais do que os dos anos 20. E era necessário repensar o esporte para essa nova época.

E essa nova época surgiu no Brasil. As raízes estão no artigo que Flávio Costa escreveu para "O Cruzeiro", clamando por uma tática que não limitasse a improvisação. Ele aplicou suas idéias ao criar a "diagonal". Zezé Moreira começou a aplicar a marcação por zona. E Fleitas Solich começou a implantar o 4-2-4 no Flamengo tricampeão estadual. O húngaro Bella Guttman fez o mesmo no São Paulo e alguns analistas europeus insistem em dizer que ele trouxe o sistema de seu país, ignorando que desde 1949 já se forjava aqui esta idéia.



E o que tem o 4-2-4 de tão revolucionário? A princípio parece uma tática defensiva. Usa quatro zagueiros. Mas não é só o número que interessa. Compare com a ilustração do WM. Os defensores estão muito mais próximos entre si. A defesa inteira pode agir como uma unidade, de forma coordenada. Um beque pode ajudar ou cobrir outro com muito mais facilidade. Além disso, cada um fica responsável por um espaço muito menor. Eles não marcam mais "homem-a-homem", eles não seguem o atacante aonde ele vá. Eles guardam seu setor e dão combate a quem aparecer por ali. O truque húngaro de posicionar Puskas e Kocsis entre o lateral e o beque simplesmente não funcionaria contra esse sistema.

BOX

Com o WM a defesa tinha três integrantes - o beque central (stopper) e os laterais. Com o 4-2-4, o zagueiro central ganhou um companheiro para ajudá-lo a guardar a área, que passou a ser conhecido como "quarto zagueiro". Até hoje esses jogadores são conhecidos assim, mesmo que uma linha de quatro não tenha um jogador central e o quarto defensor seja o lateral-esquerdo, se contado da direita para a esquerda.

Avancemos até o meio-campo. São apenas dois jogadores, contra o quadrado do WM. Mas esses dois são atletas modernos, que correm muito mais. Eles defendem e atacam. Assim a defesa não tem quatro integrantes - tem seis! Com tantos defensores o 4-2-4 abre mão da superioridade numérica no meio.

O meio-campo também arma as jogadas para a linha de frente, com quatro integrantes. Dois deles são centroavantes, o que levava à loucura o solitário beque central do WM. Os outros são pontas. Os atacantes, também com excelente preparo físico, quando perdem a bola têm a função de atrapalhar a saída de jogo adversária, para dar tempo aos meio-campistas de se recomporem, que também têm a missão de avançar, formando às vezes um ataque com seis jogadores!

E até a defesa precisa se recompor também. Observe a ilustração. O meio-campo. Com tão poucos integrantes pode haver dificuldade na armação das jogadas. Além disso, há visivelmente um espaço entre eles e a linha lateral, que os locutores da época chamavam de "zona morta". Ora, por esse espaço um defensor moderno, capaz de correr o campo todo, pode se infiltrar e ajudar na criação ofensiva. E foi o que Nílton Santos e Djalma Santos fizeram, criando o lateral atacante. Sempre que o lateral de seu time, ou Roberto Carlos na seleção, fizerem um gol ou cruzamento, você está assistindo ao princípio do 4-2-4 em ação.

Assim o Brasil lançou uma tática com uma defesa sólida, com marcação por zona, um meio-campo que realmente atacava, criava e defendia e atacantes móveis que se infiltravam por entre os espaços deixados pelo obsoleto WM. O sistema aproveitava ao máximo a tendência natural dos brasileiros para o ataque, bem como sua capacidade de improvisação. Tradicionalmente em nosso futebol até os zagueiros têm um certo grau de habilidade, o que aumentava a eficiência do 4-2-4 e seu lateral atacante.

O ataque era entretanto o ponto fraco do 4-2-4. Os brasileiros usavam uma dupla de atacantes de área, assim como os húngaros, mas insistiram nos pontas. Com laterais e apoiadores disponíveis para fazerem as jogadas pelos lados do campo os ponteiros tornavam-se supérfluos. Eram jogadores especializados demais, como aqueles do WM. E isso já podia ser observado na seleção, pois Zagallo, extrema-esquerda e futuro técnico campeão, já tinha a tendência de voltar para ajudar o meio-campo a marcar (daí seu apelido, "Formiguinha"). No Fluminense Telê Santana fazia o mesmo pela direita. Mas eliminar os extremas era impensável no time do Brasil, porque nesse setor jogava um dos maiores monstros sagrados do esporte: Garrincha.

Mas encontrar um Garrincha não era uma tarefa fácil. Depois da acachapante vitória do Brasil em 1958 o mundo inteiro copiou esse sistema de jogo, sem os mesmos resultados. Já em 1962 o Brasil jogou em 4-3-3, recuando definitivamente Zagallo para o meio-campo. No resto do planeta futebolístico, sem Garrinchas, os pontas se extinguiram.

O desenvolvimento natural do 4-2-4 era o 4-4-2. São táticas tão parecidas que a seleção brasileira que venceu a Copa das Confederações em 2005 pode ser escalada em qualquer um dos sistemas (com dois no meio-campo, Emerson e Zé Roberto, e quatro no ataque, Robinho, Adriano, Kaká e Ronaldinho, ou quatro no meio-campo, Emerson, Zé Roberto, Kaká e Ronaldinho, e dois no ataque, Robinho e Adriano). Apenas no Brasil levou-se mais tempo para aceitar a morte dos pontas devido ao extraordinário talento de Garrincha.

A COPA DE 1958 - A TAÇA DO MUNDO É NOSSA, COM BRASILEIRO NÃO HÁ QUEM POSSA

A Suécia, como a Suíça, também ficou neutra na II Guerra Mundial (ou seja, o lugar mais seguro para ficar numa guerra é em países europeus cujos nomes começam com "su"). Assim, quando os escandinavos se candidataram para sediar a Copa, todo mundo aceitou.

Jules Rimet havia morrido e o novo presidente da FIFA, Arthur Drewry, criou o sistema clássico, que é usado até hoje (com exceção das Copas de 1974 a 1982): os times são dividos em chaves com quatro seleções cada, com todos jogando entre si. Os dois primeiros de cada grupo se classificam. A partir daí os jogos são eliminatórias. Duas equipes se enfrentam e o vencedor passa para a próxima fase, até só sobrar um, o campeão. Simples assim. A única diferença de 1958 para a Copa de 2006 é que atualmente há o dobro de participantes - 32 times -, o que exige um jogo eliminatório a mais.

O Brasil havia se classificado para a Copa com uma vitória sobre o Peru. João Havelange havia assumido a presidência da CBD. Uma de suas primeiras providências foi chamar para assessorá-lo Paulo Machado de Carvalho, empresário dono de emissoras de rádio e TV. Ele traçou um plano de trabalho que o levaria a ser conhecido como "Marechal da Vitória". Pela primeira vez a preparação da seleção seria confiada a uma verdadeira comissão técnica, incluindo psicólogo e dentista, ao contrário das Copas anteriores, quando Flávio Costa e Zezé Moreira eram quase onipotentes nas decisões.

A preparação foi longa. Levou mais de três meses. Naquela época todo mundo jogava aqui no Brasil mesmo e os campeonatos paravam para a seleção treinar para a Copa. Os jogadores foram submetidos a uma bateria de testes e exames. O dentista da comissão técnica examinou-os em buscas de cáries e infecções. Problemas dentários levam a pessoa a mastigar errado e ter problemas digestivos, incompatíveis com atletas bem preparados. Por conta desse detalhe, Garrincha, por exemplo, teve três dentes arrancados. Tais providências mostram o cuidado com que foi planejada a campanha.

No comando técnico estava Vicente Feola. Feola foi uma escolha perfeita para o trabalho em comitê. Quando escolhido ele não era treinador do São Paulo, mas supervisor. Quem treinava o bicampeão paulista (capitaneado por Zizinho, aquele mesmo) era o húngaro Bella Guttman, que não falava uma palavra em português. Então quem devia estar por trás daquele sucesso era aquele gordo pachorrento. E Feola foi para a seleção levando o revolucionário 4-2-4.

Todas as decisões que não incluíssem a parte tática eram tomadas em votação, inclusive a escalação da equipe. Votavam o chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho; o supervisor, Carlos Nascimento; o preparador físico, Paulo Amaral; o médico, Hilton Gosling e, é claro, Feola. A preparação foi extremamente bem cuidada, mas quase cometeu um erro fatal. Depois da derrota de 1950 e da confusão da "batalha de Berna", a comissão técnica queria apenas atletas emocionalmente equilibrados. Nada de expulsões tolas, pênaltis desnecessários e medo de partir para cima do adversário. Daí a presença de um psicólogo, o professor Carvalhais. Sobre sua utilidade, conta-se que ao subir no avião entrou em pânico e os jogadores tiveram que acalmá-lo. Mas foi ele quem aplicou os exames psicotécnicos nos convocados. Um dos testes era igual ao que se faz na prova para carteira de motorista: desenhar um boneco.

Quando chegou a vez de Garrincha, o ponta desenhou um boneco de pauzinhos (e nem lembrou de desenhar o chão, como todo mundo sabe que deve fazer no exame de motorista) com uma cabeça descomunal, mostrando-a para o psicólogo enquanto ria, "esse aqui é o Quarentinha, quá, quá, quá (Quarentinha era o centroavante do Botafogo). Foi necessária muita conversa de Nilton Santos e Didi, companheiros de time de Garrincha, para convencer Carvalhais que o atacante era indispensável para a campanha, aprovado ou não num psicotécnico.

Mas essa conversa não foi suficiente para Garrincha ser titular. Ele foi posto na reserva após um amistoso de preparação contra a Fiorentina, da Itália. Após driblar toda a defesa, o ponta parou a bola em cima da linha e ficou esperando o último beque. O zagueiro chegou, Garrincha fintou-o e só então fez o gol. Justificando seu ato, ele disse "mas é que eu tinha driblado todo mundo menos ele". Tamanha irresponsabilidade custou-lhe a vaga. Mas essa não era a única justificativa.

Em 1956 Flávio Costa voltara por um breve período a treinar a seleção. Foi dele a recomendação de que a seleção deveria excursionar mais pela Europa para conhecer outros times e outros sistemas de jogo e ter mais confiança em seus próprios recursos. Assim não se amedrontaria com a fama de favoritos como a Hungria em 1954. E assim a CBD fez.

Um dos amistosos foi contra a Inglaterra. O Brasil perdeu. Nilton Santos levou um baile de um atacante de 41 anos, o lendário Stanley Matthews. E Sabará desceu para o salão do hotel de toalha, chinelos e um gorrinho de marinheiro enrolado como turbante. Uma velhota inglesa gritou "shocking!" (chocante), causando uma comoção. Foi a gota d'água. Flávio Costa já culpava o negro Juvenal pela derrota em 1950. O Brasil preferia martirizar Barbosa, um negro numa posição de tanta responsabilidade, o gol, só poderia falhar. E Bigode, com medo de Obdulio. E Didi, escorregando contra a Hungria. E Pinheiro, fazendo pênalti em Czibor. Nunca veio à luz, mas conta-se que foi feito um relatório secreto à CBD depois da excursão recomendando que fossem usados mais brancos na seleção. O negro não teria a maturidade e o equilíbrio necessários à conquista de uma Copa. E assim o mulato Garrincha cedeu seu lugar ao branco Joel na ponta-direita.

Verdade ou não, o time que estreou na Copa contra a Áustria tinha dez jogadores brancos. O único negro era Didi, cujo reserva também era negro. Pelé estava se recuperando de contusão. Como para confirmar os temores, a até hoje prestigiada revista France Football fez um artigo sobre o Brasil dizendo que "seus jogadores são excessivamente temperamentais e imaturos, despreparados psicologicamente, enfim, para uma disputa de tal porte". Previa para a seleção um sexto lugar, atrás da Argentina, que finalmente voltava às Copas. O Uruguai ficou de fora. Também a Itália, mesmo tendo em sua equipe dois uruguaios naturalizados, Schiaffino e Gigghia. Não haveria um tricampeão em 1958.

Os argentinos haviam ganho o Sul-Americano de 1957 com uma humilhante vitória de 3 x 0 sobre o Brasil. Mas eles ficaram de fora da Copa tempo demais. Seu grande craque Labruña tinha já 40 anos. Nestor Rossi também envelhecia, bem como suas táticas de jogo. Ainda por cima, depois do campeonato sul-americano, clubes italianos levaram vários craques portenhos de ascendência italiana: Maschio, Angelillo e Sivori. E naquela época não era convocado quem jogasse no exterior. Como resultado eles foram eliminados ainda na primeira fase ficando em último no grupo. A Tcheco-Eslováquia mandou-os de volta para casa com um 6 x 1, maior goleada já sofreida pela seleção argentina.

A Alemanha chegou capitaneada por um Fritz Walter com 38 anos, como uma das favoritas. Derrotou a Argentina e empatou com Tcheco-Eslováquia e Irlanda do Norte, vencendo o grupo. Irlandeses e tchecos tiveram que fazer uma partida-desempate, ambos com 3 pontos. Ganharam os primeiros.

No grupo 2 a França fez 7 x 3 no Paraguai e 2 x 1 na Escócia. Os iugoslavos empataram com paraguaios e escoceses, mas ganharam dos franceses, que tinham um ataque memorável, com o artilheiro Fontaine e o craque Kopa armando para ele.

No grupo 3, a Suécia derrotou México (3 x 0) e os restos do grande time da Hungria, sem Puskas e Kocsis (2 x 1), mas não conseguiu vencer a retranca do País de Gales (0 x 0). As sobras húngaras também não (1 x 1). E nem o México (1 x 1). Os magiares dispararam uma goleada nos mexicanos e tiveram que desempatar contra os galeses. Deu 2 x 1 para os retranqueiros sobre os comunistas.

O Brasil estreou contra a Áustria. O jogo estava nervoso e equilibrado até que Mazzola aproveitou um cruzamento de Zagallo e fez o primeiro gol. Mesmo assim Gilmar, o goleiro brasileiro, trabalhava adoidado e era um dos melhores em campo. O ataque canarinho produzia pouco e a revolucionária linha de quatro zagueiros é que segurou o resultado. E fez mais ainda. O lateral-esquerdo Nilton Santos avançou, tabelou com Mazzola e fez o segundo gol. Mazzola ainda faria o terceiro, mas a seleção não jogou bem. Gilmar, o capitão e zagueiro Bellini e Nilton Santos foram os melhores do time. Na outra partida da chave, Inglaterra e União Soviética empataram em 2 x 2.

Mazzola, descendente de italianos, perdeu vários gols, mas fez dois e foi mantido na equipe. O branco Dida, o artilheiro do Flamengo, não teve tanta sorte. O mulato Vavá, o atacante do Vasco, foi escalado em seu lugar. Fora essa modificação, foi o mesmo time que enfrentou a Inglaterra, famosa por sua marcação forte e dura, quase violenta.

Foi o primeiro 0 x 0 da história das Copas. Os ingleses marcavam com seu tradicional empenho. Os brasileiros tinham sua defesa com quatro zagueiros. Mazzola mandou uma bola na trave e só. Foi um jogo duríssimo. A União Soviética fez 2 x 0 na Áustria. O resultado obrigava o Brasil a vencer para seguir adiante.

Os soviéticos eram comunistas como os húngaros. Ninguém tinha muito idéia do que era um comunista. Muita gente pensava que fossem sujeitos completamente diferentes, sem emoções, quase um tipo de robô. No ano anterior eles tinham posto em órbita o primeiro satélite artificial, o Sputnik. Nem os americanos ainda tinham conseguido mandar um foguete para o espaço. Campeões olímpicos em 1956, deles se dizia que sua preparação era feita por computador, o que assustava todo mundo, já que ninguém ainda conhecia o Windows e o Bill Gates. Bellini, Nilton Santos e Didi, os jogadores mais experientes da seleção, procuraram a comissão técnica. E pediram a escalação de Pelé e Garrincha.

Pelé já estava nos planos, mas estava contundido e Feola temia por seu físico de garoto de 17 anos contra as fortes defesas européias. Mas Mazzola vinha mal e era preciso vencer. E a conversa dos jogadores convenceu o técnico. Garrincha teria sua chance. Dino Sani também não vinha agradando e perdeu a vaga para Zito.

Os soviéticos, com sua "preparação científica", souberam dessas modificações, mas tinham informações suficientes sobre os jogadores. Pelé era apenas um adolescente e Garrincha tinha um drible irresistível, mas só o fazia para a direita. Então, para anulá-lo, bastava um zagueiro na cobertura. O ponta driblaria para a direita e levaria seu marcador, mas o homem na sobra ficaria com a bola. O jogo começou e a primeiro finta que Garrincha deu foi para a esquerda.

Foi um dos jogos mais memoráveis das Copas do Mundo. Nascia uma lenda. Nos três primeiros minutos o Brasil fez um gol e mandou duas bolas na trave. A primeira foi logo depois da saída. Didi para Garrincha, Garrincha passa pelo marcador e manda uma bomba no poste. A bola é recuperada, nova jogada do ponta e novo tiro na moldura. Outra bola para o atacante e um chute na direção da área encontra o pé do ágil e esperto Vavá. Um a zero.

Os soviéticos não se recuperaram mais. A única vez em que levaram perigo foi numa cobrança de falta. No segundo tempo foram deslocados dois defensores para marcar Garrincha e mais um na sobra. Não adiantou, Vavá fez 2 x 0 aos 21 minutos. Brasil classificado. A URSS também avançaria, após eliminar a Inglaterra num jogo desempate.

BOX

As iniciais da União Soviética, em russo, eram CCCP, e vinham estampadas nos uniformes de seus atletas. Depois da derrota para o Brasil espalhou-se a história de que na verdade as letras significavam "Cuidado Com o Camarada Pelé".

Nas quartas-de-final os brasileiros enfrentaram a retranca do País de Gales. Foi um sufoco. Os galeses começaram jogando de igual para igual, mas logo o Brasil começou a mandar na partida. Gilmar só assistia. Kelsei, o goleiro galês passou a ser a grande figura. O grande zagueiro Mel Charles marcava Pelé com brilhantismo. Vavá não jogou e Mazzola voltou. Garrincha, depois de sua exibição contra a URSS, exagerava nos dribles e levou uma bronca de Didi. O time estava se enervando. Mas outra lenda começaria a nascer nesta partida.

Aos 26 minutos Didi driblou dois adversários, tocou para Pelé dentro da área e correu para a frente para receber. Pelé virou todo o corpo e se preparou para devolver. O zagueiro galês se virou para interceptar a devolução. E então Pelé, sem perder o equilíbrio, em vez de tocar para Didi, puxa a bola com o bico do pé para o outro lado, dando um chapéu no beque, que é pego completamente desprevenido.

Pelé tem o gol à sua frente, mas um zagueiro vem correndo na cobertura e levanta o pé para bloquear o chute forte do atacante. Pelé espera a bola cair na grama enquanto o beque passa batido e dá um biquinho quase sem força. Gol do Brasil. O lance está em todas as antologias da Copa e no filme "Pelé Eterno". Tente assistir. Vale a pena. Aqueles galeses não seriam os últimos a perceber que não era seguro tentar antecipar as jogadas do Rei.

Nas outras partidas, os científicos soviéticos não resistiram aos bem treinados anfitriães, os alemães eliminaram os iugoslavos e os franceses fizeram 4 x 0 nos irlandeses. E seriam os próximos adversários do Brasil, nas semifinais.

Era o jogo da melhor defesa contra o melhor ataque. E, surpreendentemente, o Brasil é que era a melhor defesa!! Os franceses haviam marcado 15 gols em seus quatro jogos; o Brasil não sofrera nenhum. Mérito indiscutível da inovadora linha de quatro zagueiros.

E essa não era a única conquista do 4-2-4. Assistir os jogos do Brasil naquela Copa é uma alegria. A bola é rodada de pé em pé no meio-campo, com os jogadores trocando de posição todo o tempo. O ritmo é muito mais lento e os zagueiros marcam os atacantes a uma distância respeitável, mas é um jogo reconhecivelmente moderno. Se parece haver muito espaço para o ataque brasileiro é porque eles enfrentavam o antiquado WM, com sua marcação homem-a-homem.

Vavá voltou para o jogo contra a França e marcou um golaço logo aos 2 minutos. Parecia que iria se repetir a partida contra a URSS. Mas Fontaine empatou aos 9 e complicou a história.

A partida estava equilibrada. Qualquer um poderia desempatar. Mas aos 39 minutos Didi acertou um chute de efeito, sua famosa "folha-seca", e pôs o Brasil em vantagem. Logo depois o zagueiro Jounquet teria sua perna quebrada numa dividida com Vavá. Com 10 em campo os franceses não foram páreo para Pelé, que marcou três vezes no segundo tempo. Piantoni diminuiu para o placar final de 5 x 2.

A outra semifinal viu os campeões do mundo contra os anfitriães. Os astros da Alemanha, Fritz Walter e Rahn, tinham respectivamente 38 e 39 anos e estavam no fim das forças. Os alemães seguraram o empate em 1 x 1, mesmo com a expulsão de um zagueiro, até os 36 do segundo tempo, quando os suecos fizeram dois gols. Os germânicos perderiam de 6 x 3 a decisão do terceiro lugar para a França. Fontaine fez 4 gols e foi o artilheiro, com inacreditáveis 13 gols em 6 jogos, tornando-se o maior goleador de todas as Copas. Gerd Muller foi o único a ultrapassá-lo, conseguindo 10 gols em 1970 e 4 em 1974.

Brasil e Suécia usavam camisas amarelas. Foi feito um sorteio para ver quem jogaria com o uniforme principal. O Brasil perdeu e não tinha uma segunda camisa. A comissão técnica saiu na rua, comprou camisas azuis e mandou costurar escudos da CBD nelas. Para não provocar a superstição dos jogadores, Paulo Machado de Carvalho chegou na concentração dizendo que os brasileiros iriam usar a camisa da cor do manto de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil. Não seria ainda daquela vez que a camisa canarinho se consagraria.

Choveu em toda a manhã do jogo. Mas não houve prejuízo para o time de toque de bola, o Brasil. Os suecos, numa atitude elegante, haviam mandado cobrir o campo para que ele não fosse prejudicado. O branco De Sordi, o lateral-direito, não conseguira dormir na véspera. A comissão técnica resolveu escalar em seu lugar o negro Djalma Santos, remanescente da campanha de 1954. Estava completo o time que se tornaria lendário e que a imprensa brasileira escolheu como o melhor de todos os tempos (o resto da mídia mundial acha que foi a seleção de 1970. De todo jeito estamos bem na fita).

Logo aos 3 minutos Liedholm dá um corte seco na zaga e faz 1 x 0. A derrota de 1950 veio à mente de todos os jogadores. Mas Didi, o cérebro do time, caminha até o gol, pega a bola tranquilamente e volta com ela lenta e calmamente até o meio de campo. Durante o trajeto ele avisa a todos, "olha, eu joguei com o Botafogo contra esses gringos numa excursão. Nós somos muito melhores. Vamos jogar que a gente ganha". Seis minutos depois Garrincha dá uma arrancada e um chute na direção da área. Vavá antecipa a jogada e sai de trás de dois zagueiros para só meter o pezinho. A partida está empatada. E o resto é história.

Pareceu replay, mas na verdade foi outra arrancada de Garrincha para o pezinho esperto de Vavá aos 39 que fez 2 x 1 para os brasileiros. Aos 10 do segundo tempo Pelé faz outra obra-prima. Recebe na área, mata a bola no peito, dá um lençol no zagueiro central e fuzila. Foi escolhido um dos 10 gols mais bonitos da história das Copas. Zagallo aumenta para 4 x 1 numa rebatida da defesa. Simonsson diminui aos 43, mas Pelé torna-se o artilheiro isolado da seleção ao acertar uma cabeçada aos 45. E chora convulsivamente enquanto todos comemoram. Diz a lenda que Garrincha não entende tanta festa e Nilton Santos grita para ele "somos campeões, Mané! Campeões!", ao que o atacante teria respondido "mas que campeonatinho curto, sô. Não tem nem segundo turno!" O excelente ponta-esquerda escandinavo Skoglund sorri de sua sorte. Ele era o único remanescente da Suécia que perdeu de 7 x 1 para os brasileiros em 1950. Em dois jogos contra os sujeitos daquele país distante e pobre seu time levou 12 gols e deu adeus às suas chances de vitória.

Dois negros, Didi e Pelé, e dois mulatos, Pelé e Vavá, são os artífices do título. Os brancos Nilton Santos e Bellini comandaram a sólida defesa. O Brasil é um time integrado, o que continuaria raro até os anos 90. O rei da Suécia vem entregar o troféu. Integrantes da delegação pedem para "mr. King" (sr. Rei) tirar fotos com eles. "Mr. King" aceita. Caem por terra o protocolo e as teorias de Flávio Costa sobre a necessidade de boa educação e bom comportamento dos jogadores.

O capitão Bellini recebe a taça, ainda atordoado. Fotógrafos lá de baixo gritam para ele que não estão conseguindo ver a Jules Rimet. Para ajudá-los, o grande líder e zagueiro do Vasco levanta a taça. Está criado um gesto universal e tão instintivo que é difícil de acreditar que ninguém o tivesse feito antes. A partir de então todos os vencedores de campeonatos, em todos os esportes, ergueriam os troféus que recebessem, para celebrar sua vitória e compor a mais manjada foto possível de um campeão.

O 4-2-4 é imediatamente copiado por todo o mundo. É o fim do WM. A lenda brasileira toma o planeta. E o Brasil é tomado pela lenda de Pelé. Embora a Copa já fosse televisionada para a Europa, ainda não havia transmissão por satélite. Os jogos eram filmados, os filmes revelados, copiados, embarcados num avião e exibidos nos cinemas nos dias seguintes. Começava a era da imagem gravada. A nação inteira pôde ver os feitos de Pelé e Garrincha e pela primeira vez os fãs podiam realmente saber como jogavam seus ídolos. Ainda hoje existem as gravações dos jogos de 1958. Ainda hoje pode ser conferido o brilhantismo daquele time, muito acima dos outros técnica, física e taticamente. Foi uma vitória total, completa e arrasadora.

Até então o Brasil era respeitado, mas depois de 1958 virou uma lenda no futebol, o país do "beautiful game" (jogo bonito). Nunca mais a seleção deixaria de ser favorita para uma Copa do Mundo. Somente em 2002 algumas vozes, como a do atacante Henry, da França, diriam que os brasileiros estavam decadentes.

He, he, he.

BOX

O time de 1958: Gilmar; Djalma Santos (De Sordi), Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito (Dino Sani) e Didi; Garrincha (Joel), Vavá (Dida), Pelé (Mazzola) e Zagallo.


PELÉ

Estudos linguísticos contam que na língua urdegue arcaica, falada nas montanhas do distante Turcomenistão Oriental, existem dois adjetivos que ainda não foram usados para descrever Pelé. Seus muitos admiradores usaram todos os elogios; as ofensas eram usadas por seus marcadores (Desgraçado! De novo não! Filho da..!).

Pelé, o atleta do século, o maior jogador do século XX, tricampeão mundial, único jogador a marcar gols em quatro Copas, a esta altura sobrou muito pouco para falar dele. De seus dribles desconcertantes, seu equilíbrio perfeito na hora do corte, sua visão de jogo, sua capacidade de enxergar com o canto do olho a vinda de um zagueiro ou o deslocamento de um companheiro, a velocidade de corredor olímpico, suas esplêndidas cabeçadas, de tudo que o fazia um jogador completo em todos os fundamentos. Depois de assistir ao DVD "Pelé Eterno" o cronista Arnaldo Bloch não resistiu: "Pelé tinha superpoderes". Tantas eram as opções de que dispunha para passar pelo adversário que chegava a se dar ao luxo de tabelar com seu marcador: jogava a bola nas pernas dele e, antes que houvesse tempo para qualquer reação, Pelé já a tinha pego na frente. E às vezes fazia isso por baixo das pernas do pobre defensor.

Ao lado de craques como Zito e Coutinho, Pelé foi campeão de todos os títulos possíveis com o Santos, incluindo oito vezes campeão paulista em dez anos. Faltam superlativos para descrever suas glórias. Nascido em Três Corações em 1940, Pelé foi descoberto em Bauru por Waldemar de Brito, atacante da Copa de 1934. O que mais impressionou Waldemar naquele garoto que sabia tudo de bola era a maturidade. Mesmo capaz de dar drible em cima de drible, um lençol atrás do outro ou tocar a bola de de calcanhar, só o fazia se achasse que era a maneira mais curta de chegar ao gol. Aos 13 anos o futebol de Édson Arantes do Nascimento já tinha a simplicidade suprema que os jogadores só costumam atingir perto dos 30. Observando os jogos do Santos e da seleção não se vê nenhuma firula desnecessária do camisa 10. Ele não pára a bola e fica chamando o adversário ou atrasa uma jogada com um toque de letra como Garrincha fazia. O garoto aprendeu em casa com seu pai, Dondinho, jogador de talento que nunca foi adiante por problemas no joelho. Pelé sempre disse que seu pai na verdade jogava mais do que ele.

E ele lhe ensinou não só no futebol como na vida. Pelé nunca fumou ou bebeu devido ao que Dondinho dizia: "se quiser ser jogador de futebol mesmo, não fume e nem beba". De origem humilde, Pelé sempre foi grato ao esporte e aos fãs por tudo que lhe proporcionaram. Simpático e acessível, não andava cercado de seguranças e nem evitava os admiradores. No auge da fama, concentrado num hotel, um senhor de meia-idade perguntou ao atleta se ele poderia tirar uma foto ao lado da sua família. Pelé posou para a foto, mas antes que o contente grupo saísse do lugar, pediu para tirar outra, justificando: "acho que essa não vai ficar boa".

Depois dos três títulos mundiais com o Brasil, dois sul-americanos e mundiais com o Santos e dezenas de títulos regionais e torneios internacionais, Pelé despediu-se da seleção em 1972 (enquanto o Maracanã inteiro gritava "fica! Fica!") e da carreira em 1974. Em 1975, entretanto, os americanos tentavam mais uma vez interessar o país no futebol e o contrataram para jogar no Cosmos, onde ele permaneceu até 1977, conquistando mais um campeonato nacional e marcando mais 65 gols. O esporte começou a ser praticado por garotos e hoje os Estados Unidos têm uma equipe respeitável.

São incontáveis as histórias em torno de Pelé. Burgnich, seu marcador na final da Copa de 1970, conta que "na véspera fiquei tentando me convencer que ele era feito de carne e osso, que nem todos nós. Eu estava errado". O lendário jornal Sunday Times estampou no dia seguinte a manchete: "Como se soletra Pelé? D-E-U-S". Em 1969 duas facções em guerra civil no Zaire fizeram um acordo de cessar-fogo para vê-lo jogar.

Já os brasileiros tiveram a sorte de poder vê-lo em ação durante quase vinte anos, com a camisa do Santos e da seleção, levando-a ao primeiro tricampeonato mundial da história, que lhe garantiu a posse da taça Jules Rimet. Até hoje Pelé é conhecido e respeitado no mundo todo. Foi por namorá-lo no começo dos anos 80 que Xuxa começou a tornar-se uma estrela. Foi Pelé quem Maradona chamou para ser entrevistado na estréia de seu programa de tevê. Em esplêndida forma para seus mais de 60 anos, sua imagem ainda é disputada a tapa e vultosas quantias pelo mercado publicitário.

Pelé foi Ministro dos Esportes entre 1995 e 1998. Durante sua gestão foi extinta a lei do passe, que restringia a transferência de jogadores.

DIDI

Valdir Pereira do Nascimento nasceu em 1929 e em 1946 veio tentar a sorte no Madureira, que à época dispunha dos "Três Patetas", Isaías, Lelé e Jair, que fariam a fama do Vasco da Gama. Mas o destino de Didi foi o Fluminense. Jogando pela Seleção de Novos no Rio em 1950, Didi marcou o primeiro gol no Maracanã e em 1952 estava na seleção brasileira que foi campeã pan-americana, goleando o Uruguai na final e recuperando parte da auto-estima perdida com a derrota na Copa.

Didi jogou a Copa de 1954 sem brilho, como quase todo o time. Em 1957 disputava posição no time com o novato Moacir, do Flamengo, mas nas eliminatórias, contra o Peru, Didi marcaria um gol de falta de "folha-seca" e garantiria a vaga do Brasil. E a dele, apesar de seu rival sempre se destacar nos treinos da seleção. "Treino é treino, jogo é jogo", explicou o vencedor da disputa, com uma frase que entraria para a história.

Se a seleção brasileira pôde encantar o mundo em 1958 com o 4-2-4 foi porque dispunha de Didi para armar o jogo. Com ele comandando o time, não eram precisos mais do que dois atletas para o meio-campo. Didi era capaz de dribles precisos e exatos e bastava esticar o longo pescoço para num relance encontrar um companheiro. Seus lançamentos longos faziam uma curva para fugir dos beques e outra para caírem mansos nos pés dos atacantes. Os passes para Garrincha e Vavá no jogo contra a URSS e a jogada para Pelé marcar contra o País de Gales mostram seu talento com a bola. Já sua liderança fica patente quando acalma o time caminhando lentamente com a bola para o meio-campo, depois que a Suécia saiu na frente na final.

A "folha-seca" com que ele classificou o Brasil para a Copa de 1958 foi uma criação sua. Um chute que saía forte e subitamente descaía, como uma folha morta no outono, daí o nome. Para conseguir esse efeito e seus perfeitos lançamentos de trivela, Didi calçava as chuteiras usadas de Zagallo no pé direito. Zagallo usava um número menor do que o de Didi e era canhoto; assim, o calçado estava macio sem estar gasto e ajustava-se como uma luva no pé do meio-campista. Ele podia sentir a bola quase como se estivesse descalço e fazê-la descrever curvas apenas milímetros acima do gramado.

Apesar da comoção com Pelé e Garrincha, os europeus escolheram Didi como o melhor daquela seleção e o apelidaram "Mr. Football". O Real Madrid, mais poderoso time do planeta na época, contratou-o para jogar ao lado de Di Stefano e Puskas, mas uma briga com o primeiro pelo lugar de principal estrela da companhia acabou levando o brasileiro para a reserva. O Botafogo foi buscá-lo de volta para mais anos de glória ao lado do grande time que contava com Zagallo, Garrincha, Amarildo e Nilton Santos.

Em 1962 ele novamente foi o maestro da seleção. Para quem dizia que o time estava muito velho para ganhar uma Copa, ele respondia com outra frase famosa, "quem tem que correr é a bola e não o jogador". Como treinador, carreira que iniciou em 1964, aplicou sempre esse princípio. Comandou a grande seleção peruana de 1970 e a "Máquina" do Fluminense de 1975.

Didi faleceu em 2001, realizado emocional e financeiramente. Sua única mágoa foi nunca ter dirigido a seleção brasileira. Confidencialmente, ele dizia que foi pelo mesmo motivo pelo qual Gentil Cardoso nunca treinou a canarinho: o Brasil ainda não estava pronto para ter um técnico negro.