outubro 28, 2011

Os Simpsons Viram o Futuro e Ele Era Mutante


Pescadores de Córdoba, na Argentina, encontraram uma traíra de três olhos em um reservatório alimentado pela usina nuclear local, o que sem dúvida irá complicar o desejo do dono da usina deconcorrer  a prefeitura da cidade.
Os pescadores dizem que a descoberta (que lembra bastante o Blinky, o peixe de três olhos dos Simpsons) está assustando os moradores que residem próximos aos reator. E ao invés de fazerem um culto com a pesca, e provavelmente ganhando os superpoderes do provável altíssimo nível de radiação do peixe, os homens decidiram deixá-lo ser testado por autoridades para ver se a mutação é mesmo consequência da usina nuclear. [Infobae via Geekologie]

Jericoacoara 2011 - Mangue Seco







Há 95 Anos um Monstro Entrava na Guerra

Publicado originalmente no blogue de história da Editora Record, editado pelo blogueiro

Há 95 anos, em 15 de setembro, de 1916, um losango cinza (e sem "ordem e progresso" escrito) pesando 28 toneladas e impulsionado por um motor menos potente do que o de um Peugeot 206 avançou ameaçadoramente contra as posições alemãs. Dos 49 trambolhos desengonçados lançados pelos britânicos contra as linhas imperiais, a maioria enguiçou antes de conseguir fazer algum estrago, mas os que seguiram funcionando continuaram avançando e avançando e avançando e puseram definitivamente o blindado como arma fundamental na guerra moderna.

Quem lê blogues de história com certeza sabe que na I Guerra Mundial a frente ocidental virou uma máquina de fazer presunto devido ao impasse nas trincheiras. Táticas criadas e usadas com sucesso durante os anos da arma de um só tiro e dos canhões de carga pela boca não funcionavam contra o fogo rápido das metralhadoras, fuzis automáticos e canhões hidropneumáticos. Na época, o poderio militar de uma nação era medido pela quantidade que possuía do mais poderoso armamento disponível, o encouraçado turbinado (literalmente turbinado, não metaforicamente - ele era propelido por turbinas a vapor). Assim, mesmo com a limitada imaginação dos militares de então, logo surgiu entre os ingleses a ideia de se usar um encouraçado terrestre para solucionar a guerra de trincheiras. O Primeiro Lorde do Almirantado, homem cuja criatividade nada tinha de embotada, tornou-se ferrenho defensor do projeto e foi a principal força por trás dele. O nome dele era Winston Churchill.

O primeiro tanque - nome em código para confundir os inimigos - era romboide e tinha lagartas correndo em toda sua volta. A ideia original era que o aparelho fosse uma roda gigante (1), o que se provou impraticável, adotando-se ao fim a famosa (e feia) forma losangular. A proa alta servia para subir muros e ultrapassar trincheiras. As lagartas foram copiadas dos tratores Holt, usados para rebocar artilharia. O exército não tinha armamento que servisse para o aparelho, daí foram usados canhões navais de 6 libras, razão pela qual os artilheiros eram da Marinha. Sim, isso mesmo, a tripulação de um tanque continha marinheiros. O que no final até fazia sentido, já que o casco dos primeiros modelos não tinha blindagem, era apenas feito de chapa de caldeira. E as condições de operação dentro do veículo eram tão impiedosas quanto as dos velhos navios da era das descobertas.

O primeiro tanque. Essas rodinhas atrás dele teoricamente serviriam para guiá-lo. E foram esses gênios que acharam que isso funcionaria que projetaram o bicho. Você confiaria nele?

O motor ficava no mesmo compartimento que a tripulação, soltando gases e elevando a temperatura facilmente até mais de 40 graus. Cair sobre o bloco quente durante a marcha chacoalhante do veículo deixou muita gente fora de combate. A tecnologia da época não conseguia manter as chapas hermeticamente fechadas e pedaços de balas conseguiam entrar e atingir os soldados. O barulho impedia que os ocupantes conversassem e a comunicação tinha que ser feita por sinais. Três homens eram necessários só para dirigir a geringonça, freando as lagartas de um lado ou de outro com alavancas. Tão complicado era o sistema que ao projeto foi acrescentado um "rabo", uma armação com duas rodas, teoricamente para ajudar a guiar o aparelho, mas que na verdade só serviam para aumentar o arrasto (veja-as na foto e tente imaginar aquilo contrapondo-se à tração total do bicho - patético).

Com 105 cavalos de potência, os inconfiáveis motores do começo do século XX tinham que carregar as 28 toneladas de aço através de terrenos entupidos de crateras de explosões e movimentando lagartas através do casco SEM SUSPENSÃO. Isto mesmo, sem suspensão. Não era de surpreender que tripulação e casco simplesmente não conseguissem aguentar andar a mais de 3 quilômetros por hora, mesmo nas melhores estradas, apesar da teórica velocidade máxima de 5 quilômetros.




Um tanque se preparando para entrar em ação em Cambrai. A rede acima era para camuflá-lo contra o reconhecimento aéreo, ainda na época a principal função do avião


Embora seu efeito psicológico sobre os soldados costumasse ser desmoralizante e eles causassem muitos estragos enquanto funcionavam, os tanques pouca influência tiveram nas batalhas no decorrer de 1916 e por quase toda 1917, quando pela primeira vez centenas deles foram usados de uma só vez, na batalha de Cambrai. Os ganhos foram fenomenais nos primeiros dias, mas à medida em que os combates prosseguiam, os enguiços, mais até do que o fogo inimigo, tirou-os de ação e proporcionou aos alemães não só retomarem tudo que haviam perdido como até mesmo incorporar pedaços da linha aliada.

Mas em 1918 finalmente os tanques seriam usados como se devia, preparando o caminho para as surpreendentes ofensivas-relâmpago nazistas de 1939-1941... (continua)

(1) Esta ideia voltaria na II Guerra Mundial, uma espécie de roda impulsionada por foguetes presos em sua circunferência, para derrubar a suposta Muralha do Atlântico que protegeria a costa francesa. Os navios a soltariam na arrebentação e ela sairia rodando velozmente, faiscando, soltando fumaça e avançando irresistivelmente até colidir com as fortificações e explodir. E não, eu não vi isto num desenho do Pernalonga, pessoas de verdade gastaram tempo e dinheiro fazendo experiências, para descobrir que a geringonça atolava quando com foguetes insuficientes ou se desintegrava quando com foguetes demais. E, no fim, nem existia a tal muralha.

outubro 23, 2011

Daqui a Um Milhão de Anos, Tudo que Nos Restará Será o Monty Python

Pra quem acha que o Filógelo já está nos primórdios da história do humor: pense outra vez. Por que certos comportamentos engraçadinhos são chamados “macaquices”?

Esta chimpanzé, Washoe, tem um senso de humor mais sofisticado do que a maioria dos comediantes autodeclarados "politicamente incorretos"

E Jim Holt, em seu livro "Stop Me If You've Heard This: A History and Philosophy of Jokes", onde se propõe a contar a história da graça (não a divina), acredita que foi pelo menos com eles, os antropoides - se não antes - que surgiu o (bom) humor.

Holt faz referência em sua obra às três principais teorias sobre de onde surge a graça de uma piada: a de que você se sente superior (daí as piadas do Rafinha Bastos, as racistas, as de portugueses e louras burras e afins), a de que você libera uma repressão (pense no humor negro) e aquela que consta na Enciclopédia Britânica: a de que com ela se cria uma nova lógica, alheia à do mundo em que vivemos.

Na Enciclopédia Britânica, a piada que se dá como exemplo é a do cruzado que volta das Cruzadas (dã) e encontra sua mulher desempenhando na cama com o bispo. Imediatamente ele vai até a janela e começa a abençoar os vilões (habitantes da vila e não inimigos do James Bond). O casal interrompe suas atividades, curioso, e o cavaleiro explica, “já que você está cumprindo com minhas obrigações, reverendo, eu estou cumprindo com as suas”.

Certo, não é a melhor das piadas que você já leu, e foi escrita aqui meio apressadamente, mas passa a ideia para que se entenda o conceito: a lógica ordinária é quebrada e criada uma nova, com sua própria coerência interna. Holt acredita que a nossa tendência em ver graça nisso decorre de um mecanismo de alívio ancestral, a Teoria do Falso Alarme.

Imagine estar na savana africana há muuuuuuuito tempo atrás, com seu grupo de caça. De repente alguém vê o que parece ser uma cobra (epa!). Os caçadores-coletores se põem em guarda, a adrenalina começa a correr, armas são erguidas e todo o corpo se retesa para entrar em combate. Então um dos viventes se aproxima e percebe que na verdade a serpente é apenas um cipó num galho. Imediatamente a galera começa a rir, aliviado, toda a tensão desaparecendo numa gargalhada.

Holt também extrapola em seu livro como será o humor no futuro. Talvez daqui a um milhão de anos. Para tanto, ele se referencia no velho conceito de que o que já durou até agora é o que tem mais chance de seguir adiante. E exemplifica com as Sete Maravilhas da Antiguidade: quando, no século III ou IV antes de Cristo, a lista foi feita, as únicas que já estavam de pé havia milhares de anos eram as pirâmides. E foram justamente as que chegaram até hoje.

Então o que seria engraçado um milhão de anos atrás? A solução é olhar para os macacos. De preferência aqueles que possam se comunicar conosco. E, por sorte, temos alguns assim, nos famosos experimentos que ensinaram linguagem de sinais a chimpanzés nos anos 70. E estes animais não só aprenderam a rir, como a sinalizar o que achavam que era “engraçado”.


Um dos mais instigantes projetos científicos do século XX: ensinando macacos a comunicar-se com humanos através da linguagem de sinais

Washoe, o mais famoso desses antropoides, por exemplo, achava realmente cômico mostrar uma pedra para o pesquisador Roger Fouts e “dizer” que aquilo era comida. Outro deles, Mojo, gostava de enfiar o pé numa bolsa e usá-la como se fosse um sapato. Uma completa inversão da lógica rotineira. Um humor puramente intelectual, deliciando-se com o surrealismo e o nonsense. O que faz o mais completo sentido, já que antes da civilização não havia etnias, estrangeiros, repressão sexual ou a instituição do matrimônio para render assunto para piadas.

Assim, projetando-se para o futuro o que funciona desde o primórdio dos tempos, ainda mais levando-se em conta (sob uma ótica positivista) que a tendência da moderna sensibilidade é acabar com preconceitos e repressão sexual, a graça no futuro distante certamente incluirá a lógica do absurdo e o nonsense. Uma comédia intelectualizada em que o mais completo surrealismo é tratado como se fosse um acontecimento rotineiro. Ou seja, daqui a um milhão de anos, de todos os comediantes de hoje em dia, os que têm mais chance de sobreviver são os do Monty Python. Imagine aquele povo usando aqueles macacões prateados futuristas, flutuando em meio a galáxias hoje desconhecidas, recitando para alienígenas (personagens de muitos gracejos sobre falta de inteligência) velhos esquetes ingleses e autodeclarando-se “nós somos os cavaleiros que falam Ni!”

E, já que o citamos na matéria sobre o Filógelo, eis aqui um dos grandes momentos do Monty Python, o esquete do papagaio morto:

outubro 21, 2011


Eu sempre disse, "você acha que ele é só bobo, mas eu te garanto que o Teco TEM problemas mentais, Tico"... desculpe, eu não consigo falar mais agora...

outubro 16, 2011

Festival de Cinema do Rio: Finisterrae


Não tem orçamento, não tem equipamento de ultimíssima geração, não tem computadores fodões, não tem nada. Ou você consegue fazer um filme com imagens espetaculares e mitológicas ou não. Sérgio Caballero segue a trilha do pessoal do avant-garde e, com parquíssimos recursos, uma câmera que passa a maior parte do tempo imóvel em plano geral à altura dos olhos e dois lençóis, ergue uma coleção de sequências surreais com imeeeeeensa ressonância no nosso subconsciente - particular e coletivo.


Caballero, como a Anna Azevedo já ressaltou em sua resenha, é curador do Sonar, o festival catalão de arte esquisita de Barcelona. “Finisterrae” é seu primeiro longa, com dois fantasmas tentando renascer e, para tanto, trilhando como Paulo Coelho o caminho de Santiago de Compostela. Com resultados diversos, deve-se frisar.


Com uma cenografia minimalista, os fantasmas são caracterizados apenas por lençóis sobre dois atores. O efeito do branco informe sobre as belíssimas paisagens finamente capturadas pela câmera de Caballero é arrebatador. Existe um motivo para tal representação de almas penadas ser tão favorecida pelas crianças. Elas estão muito mais em sintonia com a mitologia do que os adultos (1). Atenção para o trabalho dos atores, pois a movimentação deles é que dá credibilidade aos seus espíritos. A deliberação dos gestos e sua mímica, aliadas às raras e soturnas linhas de diálogo - em catalão! - aumentam a estranheza e alteridade de sua jornada. Eles dificilmente parecem estar se esforçando, mas tenta criar o clima que este longa consegue com atuações descuidadas só porque não se vê nem rosto e nem corpo (e a voz ainda por cima é dublada).


Caballero, como artista moderno multimídia, não podia deixar de ser cínico, e frequentemente corta o excessivo lirismo com algumas brincadeiras, algumas um tanto gratuitas e batidas (principalmente a que envolve a hippie). O que não impedia que boa parte do público no cinema caísse na gargalhada, quase como se numa declaração de que sua inteligência lhe permitira “pegar” a intenção do diretor. Mas, dada a completa estranheza que reina na fita, mesmo as gracinhas menos acertadas não soam fora de sintonia como o fariam numa página escrita.


“Finisterrae” poderia se beneficiar de uma história mais robusta, mas quem se importa quando se tem uma jornada tão significativa com imagens tão demolidoras (cf. o Oráculo de Garrel logo no começo do longa)? E a metáfora de dois fantasmas, que parecem ser incapazes de enxergar as pessoas, além de não serem vistos por elas, buscando um novo período de vida, mesmo como a mais vil das criaturas, é rica e poética. Uma pena o que acontece com a única moça viva que consegue se comunicar com eles. Caballero não resistiu a uma declaração de que seu filme pode ser bonito, lírico e lento, mas ele não tem nada a ver com essa galera paz e amor. Não precisava.



(1) Como já dizia o mestre zen contemporâneo Shunryu Suzuki-Roshi, “para um principiante, as possibilidades são infinitas; para um especialista, são muito poucas”.

outubro 13, 2011

Festival de Cinema do Rio: Alien Lésbica Solteira Procura


Apesar de toda a homofobia e dos pastores e defensores das maiorias, não se pode negar que hoje em dia, pelo menos nos grandes centros urbanos, a vida pra casais homossexuais não é mais aquele amargor de culpa, prisão e perseguição constante. Mesmo assim, a maior parte da população é careta, se veste de forma diferente e se comporta como se houvesse algo de errado com quem não age como eles. O que deixa o povo diferente se sentindo como verdadeiros alienígenas.

Daí pra botar no mesmo saco xenoviventes e uma pobre e solitária lésbica, ainda por cima gorda e num emprego que não a entende é um pulo. Que a diretora Madeleine Olnek, de "Alienígena lésbica solteira procura" deu sem nem precisar gastar muita grana - a produção é hiperarquimegaparatranstrash. A desculpa esfarrapadíssima pras suas alienígenas virem parar na Terra é que suas emoções estão destruindo a camada de ozônio de seu planeta. Daí a solução é levar uns pés na bunda pra endurecer o coração e que melhor lugar pra isso do que Nova Iorque? Os filmes de Woody Allen devem ser muito cultuados lá na terra deles.

Mas Olnek na verdade prefere Jim Jarmusch. Faz sentido, afinal foi um cineasta que fez seu nome sobre gente sentindo-se alienada na sociedade. Embora a fita tenha um humor e um certo narcisismo típico de galera de vinte e poucos anos, Olnek trai a idade justamente com o seu óbvio fascínio por cinema dos anos 80 - e filmes de ficção científica B dos anos 50 (que também faziam muuuuuuuuito sucesso na década do new wave). Dá pra perceber influência de Repo Man, Liquid Sky e até mesmo do Woody Allen d'antanho. Raios, os episódios com fregueses na loja chegam mesmo a lembrar "O balconista".

Não por coincidência, todo esse povo acima (menos o Alex Cox) gostava de filmar em preto e branco, as cores deste longa. Olnek tenta desconversar dizendo que é pra remeter pras fitas B dos anos 50 e 60, mas a fotografia e mise-en-scène são muito mais parecidas com a turma dos 80 que das décadas anteriores.

A diferença de Olnek pra galera da onda pós-punk é que Cox e Jarmusch podiam ter historinhas relaxadas, mas eram carregadas por personagens ricos e bem delineados. O que não acontece aqui. A película é uma colagem de esquetes, em torno do romance principal da enjeitada lésbica acima do peso, que anda de bicicleta em vez de carro, e usa óculos, com a alienígena exilada. Outras xenomossexuais também aparecem, bem como dois homens de preto, com diálogo claramente improvisado e que não funciona na maioria das vezes. Estes realmente só entraram no bolo pra dar metragem suficiente pra "Alien..." ser considerado um longa. De resto, a metáfora inicial logo gasta o humor inerente a ela e depois de meia hora a fita já está apelando para danças esquisitas e piadas sobre relacionamentos (como se chamaria esse gênero? Mulheres são de Marte e Mulheres são de Vênus?)

"Alien lésbica solteira procura" renderia muito mais se tivesse permanecido como um curta ou mesmo um média, acabando antes de enveredar por fazer gracinhas com dieta e extraterrestres se comportando excentricamente. Mas quem pode contar mais sobre as intenções da diretora é o Pedro Henrique Barros, que também estava na sessão de quarta, e já tinha virado até chapa da moça...


... que já tinha até lhe dado uma camisa do filme...


... e que iria sair pra, além da entrevista, contar mais num chope com ele, mas foi proibida pela produção do festival. Quer dizer, segundo o Pedro. Assim que ele aprender a usar a internet, ele posta mais sobre o assunto aqui. Que não demore muito. E que ele tenha uma vida longa e próspera.

outubro 12, 2011

Festival de Cinema do Rio: Valsa das Flores

O ganhador do Oscar do ano passado, "Guerra ao terror", falava sobre o baixo astral que era desarmar bombas em terra estrangeira porque o povo que você queria ajudar não queria você por lá. Pfffft. Muito mais barra pesada é desarmar bombas em seu quintal, com gente desqualificada porque os capazes estão na guerra, tudo porque um bando de forasteiros não quer você em sua própria terra. Um tremendo ponto de partida para uma fita, pena que "Valsa das flores" não é nada disso. Aliás, com esse título ou seria um longa muito irônico ou muito melodramático. Adivinha qual caminho os diretores Alyona Semenova (uma moça) e Aleksandr Smirnov tomaram?


Enquanto Zhukov ia chutando o rabo dos nazistas de volta pra Alemanha, os russos tinham que lidar com milhares de campos minados deixados pra trás pela Wehrmacht. Os homens estavam no exército, as mulheres algumas também no exército e outras nas fábricas. Então só sobravam as meninas pra tarefa. Um curso expresso sobre como desarmar minas e vambora, pra labuta!

Coincidência ou não, o protagonista tem o mesmo sobrenome do diretor, Smirnov, sem aparente parentesco com a vodka parônima. Mas, tirando o sobrenome, o resto - atitude, semelhança, modo de atuar, é tudo do Gabriel Byrne, lembra quando ele reinava supremo fazendo papel de Gabriel Byrne em tudo que era filme? É o caso aqui. Ele faz seu ar sofrido de personagem noir com um segredo no passado e se recrimina o tempo inteiro por mandar moças bonitas para a morte quase certa com um treinamento tíbio. A solução para este profundo dilema ético que lhe devora a alma e as entranhas? Comer as moças, é claro. A impressão que se tem é de que a guerra é ruim porque atrapalha o romance dos protagonistas.

O longa parece uma produção de classe feita para a tv. Um daqueles filmes do HBO sobre episódios obscuros da guerra. A contribuição da codiretora é óbvia no clima de colégio interno e camaradagem que rola entre as moças. É um tanto refrescante também ver que comunistas eram pessoas assim como nós, com as mesmas preocupações. Até o investigador político é gente boa - e competente. Tudo bem que vivem numa ditadura que manda garotas desarmarem minas e, quando uma delas, num faniquito, diz que odeia Stalin, deixa as colegas apavoradas achando que vai ser fuzilada (na verdade, Smirnov a executa de uma maneira apenas metafórica...)


Em compensação, mesmo as mais pobres camponesas do cu do mundo são alfabetizadas (só um oficial que não, o que é bastante estranho, já que ele é quem dá o curso, mas isso é esclarecido no final) e todas, todas são atraentes. Parece filme americano mesmo. Uma pena, pois a primeira e inesperada morte é uma surpresa para o espectador (lembrando a aleatoriedade de "O salário do medo") e os personagens (digamos que o falecido deveria ter visto "Lawrence da Arábia" com mais atenção). Mas a partir daí os acidentes com bombas se tornam previsíveis, os romances se tornam previsíveis, as reviravoltas de roteiro se tornam previsíveis - por Lênin, tem uma que pode ser adivinhada com cinco minutos de filme e é tão óbvia que não podemos acreditar que eles REALMENTE fizeram isso. Aí os dez minutos finais têm um monte de surpresas, amarram alguns fios soltos com quem ninguém realmente se importava e inventa uma cena melodramática pra consertar tudo e dar final feliz pra todo mundo - ou tipo um final feliz. Aquele jeitão mesmo de fita pra tv sobre episódio obscuro da vida. Um ritmo um tantinho diferente e um clima um pouquinho forasteiro, mas de resto muito parecido com o que se vê na sua operadora a cabo. Desta forma, são duas horas que passam fácil, mas tem muita coisa mais desafiadora pra ver nesse Festival do Rio.

outubro 11, 2011

Festival de Cinema do Rio: Amor Debaixo d'Água

"Ela é jovem de espírito"

O kappa tradicional da mitologia japonesa

Os kappas existem mesmo (na medida em que as criaturas folclóricas existem), com aquelas características exatas da legenda antes do filme. Desafiam pro sumô e tanto gostam de comer pepino que é por isso que o sushi de pepino se chama kappamaki. E se você não tivesse preguiça de consultar a wikipedia, teria descoberto isso sozinho.

Filmes com bunda no cartaz não costumam ser muito solenes ou sérios

O filme rosa é basicamente a pornochanchada japonesa, devendo para ser considerado do gênero ter cerca de uma hora, ter uma certa cota de putaria, ser filmado em até uma semana em 16 ou 35 mm, com orçamento microscópico. E, como "Amor debaixo d'água" se descreve como "um musical rosa", ele tem tudo isso e ainda - música!

Na boa, depois da perversidade de "Chapeuzinho Vermelho do Inferno" e da misantropia de "Pequeno Polegar", nada como esse arrebatadoramente inocente filmete pra recuperar um pouco da fé na raça humana. Mesmo as gratuitas cenas de sexo têm uma inocência adolescente refrescante ("quando nos casarmos, vamos poder trepar assim todo dia!"). Não percam um boquete numa velha casa abandonada inesquecível.

Uma bela japa de meia-idade está prestes a se casar com seu chefe numa feia processadora de peixes quando vê um kappa, uma criatura mítica nipônica com bico e casco de tartaruga e características humanas. Só que ela descobre que o bicho é um coleguinha seu de escola que se afogou dezessete anos atrás. O resto é previsível, não?



Apesar de filmado com um orçamento ridículo em 5 dias e meio e todas as cenas em um só take, o diretor Shinji Imaoka é um veterano da indústria e consegue impor a delicadeza necessária pra que tudo funcione perfeitamente. A máscara de borracha do kappa que faz a maquiagem do dr. Gori parecer um trabalho de Tom Savini, as músicas em playback com coreografias trash (1) e as atuações estilizadas acabam criando um mundo que simplesmente faz sentido. Imaoka conta com a colaboração do câmera Christopher Doyle, chapa do Wong Kar Wai, que dá personalidade mesmo à iluminação inevitavelmente chapada e pouco trabalhada que o orçamento permite. O diretor também escolhe locações áridas e feiamente fabris para contrapor aos cenários mais luxuriantes e à natureza que reina nas cenas em que o kappa prevalece. Como Roger Corman poderia explicar, fazer uma fita trash bem-sucedida em menos de uma semana exige um certo talento com as imagens.



E as coreografias e músicas desastradas refletem também a protagonista, cujo espírito se recusa a envelhecer, mas é apenas infantil. Ela não vai salvar o mundo, não tem um talento artístico ou uma alma poética. Apenas inocência. Mesmo nas cenas incluindo uma certa pérola (que, por incrível que pareça, realmente faz parte da mitologia dos kappas), Sawa Masaki não destila um pingo de cinismo ou ironia, apenas boa vontade. Que, aliás, abunda em todos os personagens, da vagabunda do trabalho ao noivo ciumento. A fita resgata o clima de inocência perdida que os personagens reencontram ao topar com aquela criatura mitológica ("eu não via um desde criança" - e o grande detalhe desta fala é a situação em que ela é falada) e acaba sendo a melhor pornochanchada musical trash realista mágica que este blogueiro já viu. Um sopro de otimismo na cansada misantropia da mostra Midnight.


Underwater Love A Pink Musical por NyxtesPremieras

(1) A protagonista não tem aqueles coxões e panturrilhões à toa, ela SABE dançar e dá pistas disso no número final, relativamente caprichado para os padrões da paupérrima fita.

Festival de Cinema do Rio: O Pequeno Polegar


Marina de Van deve ter adorado "O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e seu amante". Suas tomadas de pessoas comendo carne, com as mãos engordurando-as, lambendo-as e roendo-as - ainda mais depois que ela faz um paralelo direto e nada sutil entre carnivorismo e canibalismo - remetem inconfundivelmente ao bestialismo (e à fita de Peter Greenaway). O que faz sentido, num filme tão misantropo quanto este.

É raro ver um conto de fadas narrado com sua crueldade e intensidade originais intactas. Apesar do aparentemente baixo orçamento, a diretora consegue explorar com eficiência a bela (e perturbadora) floresta (filmada sempre nublada) em que ambientou seu longa. Planos simples e realistas reforçam a fome e a miséria da família de cinco crianças e uma cadela com ninhada (que deveria ter lido "Vidas secas" antes de se enrabichar com um povo tão despossuído). A cadela amamenta seus filhotes (numa das boas cenas, um dos garotos com fome tenta mamar nela), os pais decidem matar seus filhos perdendo-os na floresta e, assim que chegam em casa, sua primeira providência é dar uma rapidinha com ela apoiada na mesa do jantar. Depois de "Chapeuzinho Vermelho do Inferno", fica claro que essa é a posição favorita em fábulas apresentadas neste Festival do Rio.

O Pequeno Polegar é um garoto sensível, que se preocupa com os nossos amiguinhos animais. A primeira tomada é ele tentando salvar formigas de um afogamento (1), até que o pé de seu pai espadana a água da poça, com um machado na mão, dizendo que ele tem que procurar comida. Sutil! Mas não há sutileza mesmo e nem lirismo em fome e miséria reais e o melancólico filme avança com solenidade e lentidão deixando até o espectador desesperado por comer alguma coisa.



Infelizmente a fita começa a se tornar repetitiva. Uma historinha como esta, com personagens sem profundidade e um único tema precisam desesperadamente de um clima mitológico (Glauber Rocha e sua estética da fome que o digam). E Marina de Van desloca o ponto de vista da fábula para os adultos. Identificamo-nos mais com eles do que com as crianças ou mesmo o Polegar, que pouco aparece pra quem é o nome do filme.

Sem esses temores infantis pra alimentar o longa, ele acaba desabando sobre si mesmo e tornando-se uma eficiente fita repetindo velhas cantilenas misantrópicas. Os planos são bonitos, a montagem solene e o clima de realismo com toques mágicos é coerente, mas não decola, a não ser em momentos isolados, como a primeira aparição da mulher do ogro, uma massa branca contra o escuro do castelo movendo-se inquieta e mecanicamente.

Em suma, o Pequeno Polegar é uma fita competente, por alguém que entende do assunto e com toda a original crueldade da história. Mas sem os temores infantis subconscientes da perda dos pais, dos pais-ogros que alimentam e devoram a prole, acaba tornando-se propaganda vegetariana daquelas que acham que o ser humano não tem solução. Morrissey vai adorar, quando assistir comendo sua pipoca com manteiga de soja.


A diretora Marina de Van livrando-se do clima barra pesada de seu filme




(1) Parece que ela gosta das crianças e das formigas de "Meu ódio será sua herança".

outubro 09, 2011

Mais Igreja na Pedra

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Flores de Paraty



A Igreja na Pedra




Paraty 2011.

Paraty 2011





Uou - oooou uoooooou uooooooou...

Paraty 2011

Meu Canhão é Maior do que sua Metralhadora - Final


O motor a jato não só possibilitava maiores velocidades como também podia carregar mais peso do que os velhos aparelhos a pistão. Maior peso levou a mais blindagem e proteção, e uma estrutura mais robusta. Os caças, mesmo que ainda relativamente pequenos, começaram a se tornar difíceis de derrubar com fogo de metralhadora. Felizmente a eletrônica já estava se instalando a bordo e a mira por radar permitia aos pilotos, mesmo com canhões de menor cadência de tiro, acertar os cada vez mais ágeis e rápidos inimigos.



Mas a experiência da Guerra da Coreia, quando os Sabres crivavam os Mig-15 de balas e eles ainda assim voltavam às bases, acabou levando o pensamento americano radicalmente para o outro lado. Se os aviões estadunidenses haviam conseguido uma superioridade tão grande sobre um aparelho teoricamente de melhor desempenho graças a tiros mirados com radar, o que aconteceria se fossem usados mísseis?

Com o surgimento nos anos 50 do Sidewinder, o míssil que busca o inimigo pelo calor que ele emite, os pensadores militares começaram a planejar o futuro sem canhões ou metralhadoras. Já estavam acabando de ser desenvolvidos mísseis que travavam no alvo através do radar e o jato que se tornaria o ícone da força aérea americana nos anos 60 e 70 foi projetado sem nenhuma boca de fogo: o Phantom II.



A eletrônica do Phantom II era avançadíssima e sem igual na época. Com mísseis infravermelhos caçadores de calor e guiados por radar, qual a necessidade de balas que não acertam o alvo e, quando o fazem, não derrubam o inimigo? Todo o avião era planejado para a era pós-combate aproximado. Pesado e potente, ele era uma plataforma de armas capaz de carregar mais bombas que um B-17 e com pouca manobrabilidade. Para quê, se quem vai correr atrás do alvo é o foguetinho do Sidewinder ou do Phoenix?

Infelizmente, os fatos vieram atropelar esta bela teoria. E que fatos: a guerra do Vietnã. Como a eletrônica da época não era totalmente confiável, as regras de combate exigiam que o piloto identificasse visualmente que seu alvo era um inimigo antes de disparar seus mísseis. Metade deles falhava. E, como os Mig continuavam sendo aparelhos pequenos e ágeis, quando eles eram identificados, já estavam perto demais...

E o pior: as forças terrestres dos comunas também tinham seus mísseis. Os Phantom, que num momento eram uma plataforma de armas despreocupada com manobras defensivas, subitamente se viram tendo que driblar Migs que custavam uma fração de seu preço, pilotados por sujeitos com treinamento mínimo, além de mísseis vindos de terra. E tudo isso sem poder disparar de volta. Imediatamente começou-se um programa para trazer as bocas de fogo de volta aos caças americanos. E uma apressada adição de slats nas asas dos Phantom os tornaram mais do que capazes no combate aéreo aproximado.

Atualmente todo caça americano carrega um canhão estilo Gatling, com cadência de fogo mais alta do que qualquer metralhadora da II Guerra poderia sonhar, além de vários tipos de mísseis, para os mais diversos alcances, guiados por radares confiáveis e redundantes. Mas equipamento eletrônico pode sofrer interferência, cabeças infravermelhas podem ser enganadas e radares podem ser confundidos. Mas um homem bem treinado no gatilho de uma boca de fogo continua sempre sendo uma ameaça mortal.

Festival de Cinema do Rio: Chapeuzinho Vermelho do Inferno


Uma menina vestida de vermelho no meio de uma floresta escura e um lobo a fim de devorá-la. E tudo nele é grande, a ponto de deixar a menina assustada: olhos, ouvidos, mãos, pés e o resto só olhando mais de perto. Metáforas mais sutis aparecem em minissérie da Globo ou na Nova Geração de Jornada nas Estrelas. Na versão mais antiga, de Perrault, que termina sem resgate nenhum, mas com o ladino lupino comendo a Chapeuzinho, ele ainda se dá ao trabalho, como num filme americano, de sublinhar a mensagem:

“As crianças, especialmente moças atraentes e de boa formação, nunca devem falar com estranhos, pois podem muito bem acabar servindo de jantar para um lobo. Eu digo "lobo", mas existem vários tipos de lobos. Há também aqueles encantadores, tranquilos, educados, humildes, complacentes e doces, que perseguem as jovens em casa e nas ruas. E, infelizmente, são esses lobos gentis os mais perigosos de todos.”


Com tudo isso, não é de admirar que as duas melhores versões da fábula pra tela sejam inconfundivelmente sobre sexualidade. Uma delas você pode ver lá embaixo desta postagem, a outra é exatamente o rito de passagem da puberdade de uma adolescente problemática, “Na companhia dos lobos”, de Neil Jordan, com um clima mágico e de mistério que remete à atmosfera de maravilhas e ansiedades que é a época da descoberta do amor e do sexo.

Mas não é nada disso que o espectador vai encontrar nesta Chapeuzinho Vermelho cubana. José Molina está na mesma classe de cineastas que Jesús Franco e José Mojica Marins. Ou você tem estômago pra ele ou não. É tudo um a questão de pervers, digo, preferência pessoal. No quesito talento, o cubano Molina está entre os dois - Franco às vezes consegue botar de pé boas películas, mas normalmente sua obra é um tanto desleixada e preguiçosa. Pelo menos neste longa Molina mostra uma coerência temática e uma composição visual firme, embora bastante prejudicada pelos limites do orçamento.

Molina no entanto não consegue se aproximar da intensidade de Marins mesmo da ocasional de Franco. Desde o começo ele deixa claro que não é pra levar nada daquilo a sério. Uma vovozinha (interpretada por homem e extremamente parecida com a Vovó Mafalda cheirada indo pruma festa dark) domina uma família incestuosa (o seu neto é também seu filho, tem problemas mentais e parece Jesus Cristo) e comanda estupros e palmadas em bundas nuas como punição na mesa do jantar. Numa noite particularmente agitada, ela acaba tendo um ataque, do que se sua nora (e sua bela filha adolescente) e seu único filho íntegro se aproveitam pra fugir. No entanto, eles ainda têm que cuidar da velha mandando através do idiota semicristo cestas de comida para a anciã. Como as refeições costumam chegar podres, a velhinha, que ainda é dona das terras, entra na Justiça pra expulsar a nora e a neta.

Uma velhinha que domina a vida de todo mundo, tem um problema de saúde, o que libera o pessoal um pouco, mas ainda subsiste à custa deles e mantém seu poder? Onde as ditaduras arrumam seus censores?


A fita ainda está cheia também de diatribes contra o catolicismo e a repressão sexual (incluindo uma bela alucinação com a vagina dentata) e, principalmente, muita nudez (mais feminina do que masculina, obviamente), deixando claro que na ilha da Vovó Mafald, digo, de Fidel, digo, de Raúl, pentelhos still rulz.


Com baixíssimo orçamento, talento pra coisa, muita galhofa, pornochanchada e muita, muita baixaria e caricatura, o longa cria um clima trash pervertido demais pra parecer com Ivan Cardoso e irônico demais pra parecer José Mojica Marins, mas depois que o espectador entra no clima, passa rápido (a fita tem pouco mais de uma hora) e... como dizer... agradavelmente? A plateia da meia-noite de sexta riu bastante com o fetichismo na tela, mas perto do blogueiro quatro pessoas saíram antes de meia hora de projeção. Como já dito antes, a avaliação do filme vai depender de quanta perversão o vivente que o assistir leva na alma. Quem tiver inclinação pra coisa pode até se divertir.

E, como prometido lá em cima, a outra melhor versão da história pras telas:


Repare nos detalhes: o carro, o poste, o drinque do lobo... o desenho está cheio de símbolos fálicos. E um dia o blogueiro vai comprar um martelo de plástico pra bater na cabeça quando passar uma mulher bonita