Há 95 anos, em 15 de setembro, de 1916, um losango cinza (e sem "ordem e progresso" escrito) pesando 28 toneladas e impulsionado por um motor menos potente do que o de um Peugeot 206 avançou ameaçadoramente contra as posições alemãs. Dos 49 trambolhos desengonçados lançados pelos britânicos contra as linhas imperiais, a maioria enguiçou antes de conseguir fazer algum estrago, mas os que seguiram funcionando continuaram avançando e avançando e avançando e puseram definitivamente o blindado como arma fundamental na guerra moderna.
Quem lê blogues de história com certeza sabe que na I Guerra Mundial a frente ocidental virou uma máquina de fazer presunto devido ao impasse nas trincheiras. Táticas criadas e usadas com sucesso durante os anos da arma de um só tiro e dos canhões de carga pela boca não funcionavam contra o fogo rápido das metralhadoras, fuzis automáticos e canhões hidropneumáticos. Na época, o poderio militar de uma nação era medido pela quantidade que possuía do mais poderoso armamento disponível, o encouraçado turbinado (literalmente turbinado, não metaforicamente - ele era propelido por turbinas a vapor). Assim, mesmo com a limitada imaginação dos militares de então, logo surgiu entre os ingleses a ideia de se usar um encouraçado terrestre para solucionar a guerra de trincheiras. O Primeiro Lorde do Almirantado, homem cuja criatividade nada tinha de embotada, tornou-se ferrenho defensor do projeto e foi a principal força por trás dele. O nome dele era Winston Churchill.
O primeiro tanque - nome em código para confundir os inimigos - era romboide e tinha lagartas correndo em toda sua volta. A ideia original era que o aparelho fosse uma roda gigante (1), o que se provou impraticável, adotando-se ao fim a famosa (e feia) forma losangular. A proa alta servia para subir muros e ultrapassar trincheiras. As lagartas foram copiadas dos tratores Holt, usados para rebocar artilharia. O exército não tinha armamento que servisse para o aparelho, daí foram usados canhões navais de 6 libras, razão pela qual os artilheiros eram da Marinha. Sim, isso mesmo, a tripulação de um tanque continha marinheiros. O que no final até fazia sentido, já que o casco dos primeiros modelos não tinha blindagem, era apenas feito de chapa de caldeira. E as condições de operação dentro do veículo eram tão impiedosas quanto as dos velhos navios da era das descobertas.
O primeiro tanque. Essas rodinhas atrás dele teoricamente serviriam para guiá-lo. E foram esses gênios que acharam que isso funcionaria que projetaram o bicho. Você confiaria nele?
O motor ficava no mesmo compartimento que a tripulação, soltando gases e elevando a temperatura facilmente até mais de 40 graus. Cair sobre o bloco quente durante a marcha chacoalhante do veículo deixou muita gente fora de combate. A tecnologia da época não conseguia manter as chapas hermeticamente fechadas e pedaços de balas conseguiam entrar e atingir os soldados. O barulho impedia que os ocupantes conversassem e a comunicação tinha que ser feita por sinais. Três homens eram necessários só para dirigir a geringonça, freando as lagartas de um lado ou de outro com alavancas. Tão complicado era o sistema que ao projeto foi acrescentado um "rabo", uma armação com duas rodas, teoricamente para ajudar a guiar o aparelho, mas que na verdade só serviam para aumentar o arrasto (veja-as na foto e tente imaginar aquilo contrapondo-se à tração total do bicho - patético).
Com 105 cavalos de potência, os inconfiáveis motores do começo do século XX tinham que carregar as 28 toneladas de aço através de terrenos entupidos de crateras de explosões e movimentando lagartas através do casco SEM SUSPENSÃO. Isto mesmo, sem suspensão. Não era de surpreender que tripulação e casco simplesmente não conseguissem aguentar andar a mais de 3 quilômetros por hora, mesmo nas melhores estradas, apesar da teórica velocidade máxima de 5 quilômetros.
Um tanque se preparando para entrar em ação em Cambrai. A rede acima era para camuflá-lo contra o reconhecimento aéreo, ainda na época a principal função do avião
Embora seu efeito psicológico sobre os soldados costumasse ser desmoralizante e eles causassem muitos estragos enquanto funcionavam, os tanques pouca influência tiveram nas batalhas no decorrer de 1916 e por quase toda 1917, quando pela primeira vez centenas deles foram usados de uma só vez, na batalha de Cambrai. Os ganhos foram fenomenais nos primeiros dias, mas à medida em que os combates prosseguiam, os enguiços, mais até do que o fogo inimigo, tirou-os de ação e proporcionou aos alemães não só retomarem tudo que haviam perdido como até mesmo incorporar pedaços da linha aliada.
Mas em 1918 finalmente os tanques seriam usados como se devia, preparando o caminho para as surpreendentes ofensivas-relâmpago nazistas de 1939-1941... (continua)
(1) Esta ideia voltaria na II Guerra Mundial, uma espécie de roda impulsionada por foguetes presos em sua circunferência, para derrubar a suposta Muralha do Atlântico que protegeria a costa francesa. Os navios a soltariam na arrebentação e ela sairia rodando velozmente, faiscando, soltando fumaça e avançando irresistivelmente até colidir com as fortificações e explodir. E não, eu não vi isto num desenho do Pernalonga, pessoas de verdade gastaram tempo e dinheiro fazendo experiências, para descobrir que a geringonça atolava quando com foguetes insuficientes ou se desintegrava quando com foguetes demais. E, no fim, nem existia a tal muralha.
O motor ficava no mesmo compartimento que a tripulação, soltando gases e elevando a temperatura facilmente até mais de 40 graus. Cair sobre o bloco quente durante a marcha chacoalhante do veículo deixou muita gente fora de combate. A tecnologia da época não conseguia manter as chapas hermeticamente fechadas e pedaços de balas conseguiam entrar e atingir os soldados. O barulho impedia que os ocupantes conversassem e a comunicação tinha que ser feita por sinais. Três homens eram necessários só para dirigir a geringonça, freando as lagartas de um lado ou de outro com alavancas. Tão complicado era o sistema que ao projeto foi acrescentado um "rabo", uma armação com duas rodas, teoricamente para ajudar a guiar o aparelho, mas que na verdade só serviam para aumentar o arrasto (veja-as na foto e tente imaginar aquilo contrapondo-se à tração total do bicho - patético).
Com 105 cavalos de potência, os inconfiáveis motores do começo do século XX tinham que carregar as 28 toneladas de aço através de terrenos entupidos de crateras de explosões e movimentando lagartas através do casco SEM SUSPENSÃO. Isto mesmo, sem suspensão. Não era de surpreender que tripulação e casco simplesmente não conseguissem aguentar andar a mais de 3 quilômetros por hora, mesmo nas melhores estradas, apesar da teórica velocidade máxima de 5 quilômetros.
Um tanque se preparando para entrar em ação em Cambrai. A rede acima era para camuflá-lo contra o reconhecimento aéreo, ainda na época a principal função do avião
Embora seu efeito psicológico sobre os soldados costumasse ser desmoralizante e eles causassem muitos estragos enquanto funcionavam, os tanques pouca influência tiveram nas batalhas no decorrer de 1916 e por quase toda 1917, quando pela primeira vez centenas deles foram usados de uma só vez, na batalha de Cambrai. Os ganhos foram fenomenais nos primeiros dias, mas à medida em que os combates prosseguiam, os enguiços, mais até do que o fogo inimigo, tirou-os de ação e proporcionou aos alemães não só retomarem tudo que haviam perdido como até mesmo incorporar pedaços da linha aliada.
Mas em 1918 finalmente os tanques seriam usados como se devia, preparando o caminho para as surpreendentes ofensivas-relâmpago nazistas de 1939-1941... (continua)
(1) Esta ideia voltaria na II Guerra Mundial, uma espécie de roda impulsionada por foguetes presos em sua circunferência, para derrubar a suposta Muralha do Atlântico que protegeria a costa francesa. Os navios a soltariam na arrebentação e ela sairia rodando velozmente, faiscando, soltando fumaça e avançando irresistivelmente até colidir com as fortificações e explodir. E não, eu não vi isto num desenho do Pernalonga, pessoas de verdade gastaram tempo e dinheiro fazendo experiências, para descobrir que a geringonça atolava quando com foguetes insuficientes ou se desintegrava quando com foguetes demais. E, no fim, nem existia a tal muralha.
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