outubro 16, 2011

Festival de Cinema do Rio: Finisterrae


Não tem orçamento, não tem equipamento de ultimíssima geração, não tem computadores fodões, não tem nada. Ou você consegue fazer um filme com imagens espetaculares e mitológicas ou não. Sérgio Caballero segue a trilha do pessoal do avant-garde e, com parquíssimos recursos, uma câmera que passa a maior parte do tempo imóvel em plano geral à altura dos olhos e dois lençóis, ergue uma coleção de sequências surreais com imeeeeeensa ressonância no nosso subconsciente - particular e coletivo.


Caballero, como a Anna Azevedo já ressaltou em sua resenha, é curador do Sonar, o festival catalão de arte esquisita de Barcelona. “Finisterrae” é seu primeiro longa, com dois fantasmas tentando renascer e, para tanto, trilhando como Paulo Coelho o caminho de Santiago de Compostela. Com resultados diversos, deve-se frisar.


Com uma cenografia minimalista, os fantasmas são caracterizados apenas por lençóis sobre dois atores. O efeito do branco informe sobre as belíssimas paisagens finamente capturadas pela câmera de Caballero é arrebatador. Existe um motivo para tal representação de almas penadas ser tão favorecida pelas crianças. Elas estão muito mais em sintonia com a mitologia do que os adultos (1). Atenção para o trabalho dos atores, pois a movimentação deles é que dá credibilidade aos seus espíritos. A deliberação dos gestos e sua mímica, aliadas às raras e soturnas linhas de diálogo - em catalão! - aumentam a estranheza e alteridade de sua jornada. Eles dificilmente parecem estar se esforçando, mas tenta criar o clima que este longa consegue com atuações descuidadas só porque não se vê nem rosto e nem corpo (e a voz ainda por cima é dublada).


Caballero, como artista moderno multimídia, não podia deixar de ser cínico, e frequentemente corta o excessivo lirismo com algumas brincadeiras, algumas um tanto gratuitas e batidas (principalmente a que envolve a hippie). O que não impedia que boa parte do público no cinema caísse na gargalhada, quase como se numa declaração de que sua inteligência lhe permitira “pegar” a intenção do diretor. Mas, dada a completa estranheza que reina na fita, mesmo as gracinhas menos acertadas não soam fora de sintonia como o fariam numa página escrita.


“Finisterrae” poderia se beneficiar de uma história mais robusta, mas quem se importa quando se tem uma jornada tão significativa com imagens tão demolidoras (cf. o Oráculo de Garrel logo no começo do longa)? E a metáfora de dois fantasmas, que parecem ser incapazes de enxergar as pessoas, além de não serem vistos por elas, buscando um novo período de vida, mesmo como a mais vil das criaturas, é rica e poética. Uma pena o que acontece com a única moça viva que consegue se comunicar com eles. Caballero não resistiu a uma declaração de que seu filme pode ser bonito, lírico e lento, mas ele não tem nada a ver com essa galera paz e amor. Não precisava.



(1) Como já dizia o mestre zen contemporâneo Shunryu Suzuki-Roshi, “para um principiante, as possibilidades são infinitas; para um especialista, são muito poucas”.

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