outubro 11, 2011

Festival de Cinema do Rio: O Pequeno Polegar


Marina de Van deve ter adorado "O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e seu amante". Suas tomadas de pessoas comendo carne, com as mãos engordurando-as, lambendo-as e roendo-as - ainda mais depois que ela faz um paralelo direto e nada sutil entre carnivorismo e canibalismo - remetem inconfundivelmente ao bestialismo (e à fita de Peter Greenaway). O que faz sentido, num filme tão misantropo quanto este.

É raro ver um conto de fadas narrado com sua crueldade e intensidade originais intactas. Apesar do aparentemente baixo orçamento, a diretora consegue explorar com eficiência a bela (e perturbadora) floresta (filmada sempre nublada) em que ambientou seu longa. Planos simples e realistas reforçam a fome e a miséria da família de cinco crianças e uma cadela com ninhada (que deveria ter lido "Vidas secas" antes de se enrabichar com um povo tão despossuído). A cadela amamenta seus filhotes (numa das boas cenas, um dos garotos com fome tenta mamar nela), os pais decidem matar seus filhos perdendo-os na floresta e, assim que chegam em casa, sua primeira providência é dar uma rapidinha com ela apoiada na mesa do jantar. Depois de "Chapeuzinho Vermelho do Inferno", fica claro que essa é a posição favorita em fábulas apresentadas neste Festival do Rio.

O Pequeno Polegar é um garoto sensível, que se preocupa com os nossos amiguinhos animais. A primeira tomada é ele tentando salvar formigas de um afogamento (1), até que o pé de seu pai espadana a água da poça, com um machado na mão, dizendo que ele tem que procurar comida. Sutil! Mas não há sutileza mesmo e nem lirismo em fome e miséria reais e o melancólico filme avança com solenidade e lentidão deixando até o espectador desesperado por comer alguma coisa.



Infelizmente a fita começa a se tornar repetitiva. Uma historinha como esta, com personagens sem profundidade e um único tema precisam desesperadamente de um clima mitológico (Glauber Rocha e sua estética da fome que o digam). E Marina de Van desloca o ponto de vista da fábula para os adultos. Identificamo-nos mais com eles do que com as crianças ou mesmo o Polegar, que pouco aparece pra quem é o nome do filme.

Sem esses temores infantis pra alimentar o longa, ele acaba desabando sobre si mesmo e tornando-se uma eficiente fita repetindo velhas cantilenas misantrópicas. Os planos são bonitos, a montagem solene e o clima de realismo com toques mágicos é coerente, mas não decola, a não ser em momentos isolados, como a primeira aparição da mulher do ogro, uma massa branca contra o escuro do castelo movendo-se inquieta e mecanicamente.

Em suma, o Pequeno Polegar é uma fita competente, por alguém que entende do assunto e com toda a original crueldade da história. Mas sem os temores infantis subconscientes da perda dos pais, dos pais-ogros que alimentam e devoram a prole, acaba tornando-se propaganda vegetariana daquelas que acham que o ser humano não tem solução. Morrissey vai adorar, quando assistir comendo sua pipoca com manteiga de soja.


A diretora Marina de Van livrando-se do clima barra pesada de seu filme




(1) Parece que ela gosta das crianças e das formigas de "Meu ódio será sua herança".

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