outubro 11, 2011

Festival de Cinema do Rio: Amor Debaixo d'Água

"Ela é jovem de espírito"

O kappa tradicional da mitologia japonesa

Os kappas existem mesmo (na medida em que as criaturas folclóricas existem), com aquelas características exatas da legenda antes do filme. Desafiam pro sumô e tanto gostam de comer pepino que é por isso que o sushi de pepino se chama kappamaki. E se você não tivesse preguiça de consultar a wikipedia, teria descoberto isso sozinho.

Filmes com bunda no cartaz não costumam ser muito solenes ou sérios

O filme rosa é basicamente a pornochanchada japonesa, devendo para ser considerado do gênero ter cerca de uma hora, ter uma certa cota de putaria, ser filmado em até uma semana em 16 ou 35 mm, com orçamento microscópico. E, como "Amor debaixo d'água" se descreve como "um musical rosa", ele tem tudo isso e ainda - música!

Na boa, depois da perversidade de "Chapeuzinho Vermelho do Inferno" e da misantropia de "Pequeno Polegar", nada como esse arrebatadoramente inocente filmete pra recuperar um pouco da fé na raça humana. Mesmo as gratuitas cenas de sexo têm uma inocência adolescente refrescante ("quando nos casarmos, vamos poder trepar assim todo dia!"). Não percam um boquete numa velha casa abandonada inesquecível.

Uma bela japa de meia-idade está prestes a se casar com seu chefe numa feia processadora de peixes quando vê um kappa, uma criatura mítica nipônica com bico e casco de tartaruga e características humanas. Só que ela descobre que o bicho é um coleguinha seu de escola que se afogou dezessete anos atrás. O resto é previsível, não?



Apesar de filmado com um orçamento ridículo em 5 dias e meio e todas as cenas em um só take, o diretor Shinji Imaoka é um veterano da indústria e consegue impor a delicadeza necessária pra que tudo funcione perfeitamente. A máscara de borracha do kappa que faz a maquiagem do dr. Gori parecer um trabalho de Tom Savini, as músicas em playback com coreografias trash (1) e as atuações estilizadas acabam criando um mundo que simplesmente faz sentido. Imaoka conta com a colaboração do câmera Christopher Doyle, chapa do Wong Kar Wai, que dá personalidade mesmo à iluminação inevitavelmente chapada e pouco trabalhada que o orçamento permite. O diretor também escolhe locações áridas e feiamente fabris para contrapor aos cenários mais luxuriantes e à natureza que reina nas cenas em que o kappa prevalece. Como Roger Corman poderia explicar, fazer uma fita trash bem-sucedida em menos de uma semana exige um certo talento com as imagens.



E as coreografias e músicas desastradas refletem também a protagonista, cujo espírito se recusa a envelhecer, mas é apenas infantil. Ela não vai salvar o mundo, não tem um talento artístico ou uma alma poética. Apenas inocência. Mesmo nas cenas incluindo uma certa pérola (que, por incrível que pareça, realmente faz parte da mitologia dos kappas), Sawa Masaki não destila um pingo de cinismo ou ironia, apenas boa vontade. Que, aliás, abunda em todos os personagens, da vagabunda do trabalho ao noivo ciumento. A fita resgata o clima de inocência perdida que os personagens reencontram ao topar com aquela criatura mitológica ("eu não via um desde criança" - e o grande detalhe desta fala é a situação em que ela é falada) e acaba sendo a melhor pornochanchada musical trash realista mágica que este blogueiro já viu. Um sopro de otimismo na cansada misantropia da mostra Midnight.


Underwater Love A Pink Musical por NyxtesPremieras

(1) A protagonista não tem aqueles coxões e panturrilhões à toa, ela SABE dançar e dá pistas disso no número final, relativamente caprichado para os padrões da paupérrima fita.

Sem comentários: