maio 06, 2009

A FRONTEIRA FINAL - Ensaios sobre JORNADA NAS ESTRELAS - A Série Clássica

Episódio da Primeira Temporada de Star Trek - The Original Series


O Sal da Terra



“O sal da terra” não foi o primeiro episódio de “Jornada nas estrelas” a ser filmado, mas o primeiro a ser exibido. Os produtores o acharam o “menos cerebral” disponível pra estreia, com um bom e velho monstro alienígena trans morfo rondando a espaçonave e matando alguns extras. Puro anos 50, com a típica paranoia da Guerra Fria de que qualquer um poderia ser um comunista.

E não só isso. “Man trap” é o título original e mais reaça, já que é um termo usado para mulheres gostosas e aproveitadoras – mulheres fatais, em suma. E o alienígena se passa justamente por uma mulher, ex-namorada do dr. McCoy. Que a vê exatamente como ela era quando se conheceram, enquanto o capitão Kirk a enxerga como uma balzaca um tanto rodada e o tripulante de escolta como uma moça que conheceu num “planeta de prazer” na última parada – caramba, não sabia que se podia falar essas coisas na tevê nos anos 60. Obviamente o escolta não dura muito tempo – quem manda frequentar “planetas de prazer”?

O machismo se espraia pelo episódio. Uhura diz que está cansada da palavra “frequência” e abandona seu posto para flertar com... o sr. Spock! E ainda parece surpresa pela falta de emoções do vulcano. Ela não é uma oficial da frota, ela é uma telefonista! A outra mulher na ponte segura uma bandeja pro capitão Kirk – assim como a ordenança leva a comida para o sr. Sulu. Elas são as moças do cafezinho! A ordenança ainda flerta com tripulantes e quando sai eles ficam olhando para a bunda dela (justiça seja feita, com aqueles coxões e aquela microssaia é difícil de resistir) e imaginando como seria ter aquilo como ordenança. Ela vai servir o almoço e conversar com o sr. Sulu em meio às muitas plantas que ele cultiva, enquanto reclama que todo mundo chama as coisas inanimadas de “ela”. Faz sentido, toda mulher com essa atitude sei-que-sou-gostosa adora ter amigos gays. Como é que eu nunca tinha me tocado da orientação sexual do japa?


Além disso, ainda vemos o dr. McCoy sem conseguir dormir e Kirk sugerindo que ele tome as mesmas pílulas vermelhas que o médico lhe receitara. Uma nave cheia de mulheres flertando, sujeitos que só pensam em comê-las e oficiais drogadões – parece mais minha velha faculdade de jornalismo. Incidentalmente, sempre foi esse clima de nave pirata a grande vantagem da turma dos loucos anos 60 sobre os politicamente corretos da nova geração e sua cultura corporativa.

Felizmente o papel de Uhura aumentaria de importância com o decorrer da série. Roddenberry originalmente queria a ponte com metade de mulheres, mas os produtores negaram, pois sugeriria ao público muito sexo (que 20 anos mais tarde seria um gancho para A Nova Geração). Segundo más línguas, os executivos também achavam que Roddenberry estava menos interessado em igualdade sexual do que em ter mais moças pra paquerar – lembrem-se que ele comeu a Uhura e a enfermeira do McCoy.

Mas se não podia à época ser trazido para primeiro plano, há todo um subtexto sexual no episódio. A cara do monstro, na pele do tripulante Green, quando sobe à nave e vê tantas potenciais vítimas é inegavelmente puro tesão. Ele tenta atrair Uhura dizendo que é a encarnação do que a tenente sonha quando está entediada. Levando-se em conta que ele está literalmente na forma de um mecânico negão, os sonhos dela não parecem ser de ficar vendo o por-do-sol de mãozinhas dadas.

O monstro também matou a ex-namorada de McCoy, que se casou com o cientista que trabalhava nas ruínas de um planeta devastado, mas isso não abala a lealdade do pesquisador, que continua obcecadamente devotado à criatura. E ainda explica que sua esposa também “compreendia” o alienígena. Juntando-se ao discurso de Kirk de que o bom homem de ciências apreciava a companhia de alguém que podia ser sua ex-companheira, seu padrinho, seu mentor, quem ele quisesse, a impressão era de que rolava o maior menage lá naquele astro solitário e que pintou um ciúme entre as duas mocreias. E realmente um extraterrestre assim seria o sonho de muito marmanjo: você comia a Nastassja Kinski e em seguida ela virava um amigo seu pra você poder contar vantagem. Ao fim das contas, não é um episódio tão descerebrado assim, embora esse ângulo seja abordado só em algumas linhas. A discussão sobre aceitação de ilusões para satisfazer nossos desejos talvez também funcionasse melhor se a finada Nancy tivesse morrido de causas naturais.

Cinematograficamente falando, o episódio tem uma produção pobre para uma estreia. A sequência pré-créditos é inegavelmente instigante, mas a direção é paradona demais, parecendo tira de quadrinhos de aventura dos anos 30: plano geral com os personagens imóveis, plano e contra plano em close de quem está falando. A iluminação mistura filtros azuis e vermelhos, tentando imitar os recursos de Mario Bava para disfarçar os fundos lisos e a fotografia chapada. Mas um diretor estático não pode deter a canastrice de William Shatner e em todas as cenas o capitão Kirk está tenso, sempre parecendo pronto a pular, quando não rodando pelo cenário nervoso como um leão enjaulado. Um capitão pirata, sem dúvida.

E há também os pequenos detalhes que aproximam o público dos personagens. Sulu almoça em sua cabine e tem um hobby. Kirk belisca uns salgadinhos enquanto dá ordens na ponte. Mesmo as paquerinhas contribuem para esse clima que ajuda a quebrar o formalismo militarista que Roddenberry queria. Em A Nova Geração ele trabalharia com um elenco menos canastrão e em uma época com maior mentalidade corporativista, mas na série original o espaço ainda era um lugar que exigia aventureiros incapazes de tanta disciplina.


Digno de nota:
- Contagem de corpos: 4 tripulantes, um casal de cientistas, um alienígena.
- O pesquisador diz que a criatura é a última de seu tipo e pode se extinguir como o búfalo americano – que de 1966 pra cá em vez de sumir aumentou muito de número.
- Apesar das balzacas Uhura e Janice Rand deixarem bem à mostra seus belos coxões, algumas figurantes aparecem usando calças. Aparentemente quem não passa no teste da microssaia ganha uma camisa bege e um par de calças.

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