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Poucos são os que conseguem chegar à velhice com saúde e lucidez. Com medo do que possa lhe acontecer, a maioria prefere evitar ao máximo a entrada na última fase da vida. Por conta disso, fazem a fortuna da escória da medicina e indústria de cosméticos. Farmacêuticos, cirurgiões plásticos e todo tipo de charlatões vendem caro cirurgias estéticas, tinturas, pomadas, cremes e injeções na testa. Tudo para alimentar a vaidade e futilidade de quem pouco fez para merecer a prata dos cabelos. Houve até uma geração que cantou preferir morrer jovem a ter de ficar velha.
As mulheres de Mudd, que dão título a um memorável episódio da série clássica de Jornada nas Estrelas, são dessas que fazem tudo para manter a beleza de sua juventude, até mesmo se submeterem ao tráfico humano para conseguirem o que querem. Harcourt Fenton Mudd (Roger C. Carmel) é um notório mentiroso, contrabandista e rufião, mas muito falastrão e popular – tanto que foi reaproveitado em outros episódios como Eu, Mudd (1967) e A Paixão de Mudd (1973), este na série de animação; seria eleito fácil presidente do Brasil. Sua nave, um cargueiro clandestino, é interceptada pela Enterprise que para alcançá-la gasta todo suprimento de energia, o que obrigará uma parada no posto planetário mais próximo para reabastecer.
Depois de teletransportado, Mudd traz consigo uma carga valiosa: três beldades – uma morena e duas loiras – prometidas a seus clientes em um quadrante remoto do universo. Logo se descobre que ele tem uma vasta ficha de golpes aplicados pelas galáxias afora. Contudo, mesmo na iminência de ser levado ao tribunal da Federação, não perde a oportunidade de fazer um bom negócio.
Sua “mercadoria” exerce um efeito lascivo sobre a tripulação masculina, menos no Sr. Spock (Leonard Nimoy), que acha o “sex appeal” das mulheres e a reação de seus colegas, tudo muito curioso. Embora metade da tripulação da Enterprise seja feminina – provavelmente escolhida a dedo pelo capitão Kirk (William Shatner) -, sempre com suas belas curvas e pernas em evidência, neste episódio, apenas a insubstituível oficial de comunicação Uhura (Nichelle Nichols) é obrigada a cumprir suas funções diante das câmaras. Convenientemente, as demais moças estão ocupadas longe da tela.
Em As Mulheres de Mudd, toda a sensualidade latente de Jornada nas Estrelas está à flor da pele. Em primeiro plano, surgem as formas das mulheres que Mudd pensa em transformar em riqueza, vendendo-as para os solitários e milionários mineiros de dilítio – cristal sem os quais os motores da nave não funcionam – do planeta aonde a Enterprise vai “encher o tanque”.
Porém, como nada é tão simples quanto aparenta, as moças, que não são tão moças assim, necessitam de um ingrediente a mais em seus estojos de maquiagem para permanecerem tão belas e atraentes. Mudd consegue mantê-las em plena forma, graças às “lendárias drogas de Vênus”, umas cápsulas vermelhas, no formato de coração, que impedem a velhice de cobrir seus corpos. Quando Ben Childress (Gene Dynarsky), um dos mineiros, descobre o artifício, a transação cai por terra. Apenas um ardil, engendrado pelo capitão, fará com que as mulheres consigam se casar e a Enterprise arrumar o dilítio que tanto precisa. Ao ingerir um placebo, a autoconfiança de Eve (Karen Steele, na vida real namorada do diretor Budd Boetticher), uma das loiras, fará com que ela consiga restaurar sua verdadeira beleza e ser aceita em casamento por Ben.
Assim, do tráfico de mulheres à dependência de drogas medicinais, em pouco mais de 45 minutos Jornada nas Estrelas discute temas tão antigos e universais, quanto delicados, que causam polêmicas acaloradas ainda hoje. Mas isso não é tudo, no final também há espaço para se levantar uma última questão sobre qual seria a mulher ideal para casar. Por certo, as soluções propostas pelo roteirista Stephen Kandel estão abertas às críticas de feministas em seus evidentes pontos sexistas e conservadores. Não obstante, As Mulheres de Mudd, como tantos outros episódios, guarda aquelas características dos clássicos que renovam suas leituras ao longo do tempo.
A Seguir: Um adolescente esquisito (que redundância) põe a NCC 1701 em polvorosa em "O Estranho Charlie".
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