março 21, 2010

A História da Copa do Mundo II

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COMEÇA O FUTEBOL NO BRASIL

A primeira notícia que se tem de futebol no Brasil é que um bando de marinheiros ingleses desembarcou do navio Criméia em 1876 e jogou uma animada pelada em frente à residência da Princesa Isabel, com a devida permissão, é claro.

Dizem que a princesa se entusiasmou com o jogo, mas como o conde d'Eu não respondeu às perguntas que ela ficava fazendo, "benhê, quem que é a bola?", "benhê, por que aquele sujeito macambúzio e taciturno que fica o tempo inteiro debaixo daqueles três paus tem uma camisa diferente dos outros?", "benhê, por que não dão uma bola para cada um e todo mundo fica satisfeito?", ela acabou se desinteressando. Sem público os ingleses acabaram voltando para o navio e terminou assim a primeira excursão-relâmpago de que se tem notícia nestas terras. Seria preciso um autêntico brasileiro para realmente trazer o bárbaro esporte bretão para nossas praias. E este autêntico brasileiro tinha um nome: Charles William Miller.

Charles Miller tinha dois anos quando os marinheiros do Criméia fizeram a pelada aqui. Era descendente de britânicos e foi mandado para estudar na Inglaterra, então a maior nação do planeta, quando tinha dez anos. Lá passou uma década e se tornou o astro do time de seu colégio. Ele também se tornou um bom jogador de críquete, mas felizmente quando desembarcou aqui em 1894 trouxe duas bolas de futebol, evitando que hoje em dia andássemos por aí cravando arames no chão e batendo em bolinhas com palmatórias gigantes.

Charles ficou surpreso ao descobrir que ninguém sabia como se jogava o bárbaro esporte bretão por aqui, ao contrário de hoje em dia, quando só comentaristas de futebol não sabem. Os primeiros times que conseguiu armar eram quase todos de ingleses que trabalhavam nestes tristes trópicos, no Banco de Londres, na Companhia de Gás e na Ferrovia São Paulo Railway. Estas duas últimas equipes protagonizaram o primeiro jogo entre brasileiros. Os ferroviários ganharam por 4 x 2.

O esporte também foi rapidamente adotado nas escolas católicas do país. Os padres e professores aprovavam porque evitava que na hora do recreio os alunos ficasem conversando entre si, em rodinhas que os monges não sabiam sobre o quê falavam. Também deixava os alunos sem energia para outras atividades mais temidas pelos religiosos. Não por coincidência o primeiro fabricante de bolas de couro cru no Brasil foi o padre Manuel Gonzales, do Colégio São Vicente, de Petrópolis.

Charles Miller fundou o São Paulo Athletic Club, criou o drible que leva seu nome, "charles", uma puxada de calcanhar também conhecida como "chaleira" (embora alguns digam que o "charles" original era uma espécie de drible do elástico) e marcaria o primeiro gol brasileiro contra argentinos em 1908, quando já pensava em abandonar o esporte para se tornar juiz e dirigente. Mas aí o movimento que ele começou não tinha mais como parar, tornava-se cada vez mais e mais popular. Nas palavras de Mário Filho, que antes de ser estádio era jornalista e escritor, era "tudo simples, simples demais. Era fácil jogar, meter o pé numa bola, sair correndo atrás dela. A bola era tão grande que não havia jeito de errar. Quando a bola entrasse, gol, nova saída. O quíper (goleiro) podia segurar a bola com a mão".

Os jogadores, quase todos de boa situação financeira, pois, como visto, estudavam em bons colégios ou no exterior, começaram a fundar os clubes. Garotos em não tão boa situação financeira viam-nos treinando e jogando e começavam a se interessar. E no mundo inteiro havia na época uma fascinação pela prática de exercícios. O remo, que dava ao praticante muitos músculos, era então o esporte mais popular. As moças adoravam ver os remadores e os rapazes gostavam de torcer pelos seus ídolos. Mas como todos nós sabemos, assistir de longe a uma corrida dentro d'água não é tão envolvente quanto ver o pessoal jogando bola. Logo havia um público para os matches do bárbaro esporte bretão, que foi crescendo, com os espectadores torcendo para um time ou para o outro e dando início ao que Mário Filho considera o grande motivo que faria o futebol ser levado muito a sério e ao profissionalismo: a gozação.

Sim, isso mesmo, a gozação. Os torcedores do time ganhador começaram a fazer piadinhas com os perdedores, tais como mandar um chapéu vários números maior para a "cabeça inchada" ou telegramas de pêsames. Isso era inaceitável. Era preciso fazer alguma coisa. Treinar mais. Arrumar jogadores melhores. Levar o jogo mais a sério. E assim foi. Em pouco tempo foram abandonados o amadorismo e os ideais racistas da época. Era preciso manter a ilusão do amadorismo, então o clube arranjava para os atletas empregos aos quais muitas vezes eles nem compareciam. As federações tentavam combater este hábito com fiscais aparecendo de surpresa nos pretensos locais de trabalho dos jogadores e pedindo para vê-los, mas logo todos os clubes estavam fazendo o mesmo e por volta de 1933 o profissionalismo começou a ser implantado no país. Era o caminho que o resto do mundo também vinha tomando, inclusive porque foi por essa época que apareceu a primeira competição internacional exclusiva de futebol: A Copa do Mundo.

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