julho 14, 2010

A História do Widescreen I

Agora que pra essa Copa que passou um monte de gente finalmente comprou sua tevê widescreen, está na hora de saber um pouco mais sobre os formatos panorâmicos, como e por que eles surgiram, e por que alguns deles ainda mostram na televisão as odiadas tarjas pretas:

O primeiro formato widescreen foi o cinerama. No começo dos anos 50, na tentativa de reverter a perda de público, atribuída à televisão. Em 1946-1948, a audiência média semanal era de 90 milhões de pessoas. Em 1953, havia caído à metade - 46 milhões. Simultaneamente, entre 1948 e 1955 houve um aumento de 88% na quantidade de lares com tevês e certamente essas estatísticas estavam correlacionadas.

A primeira tentativa de oferecer na tela grande algo que a pequena não pudesse imitar foi o 3-D. Os primeiros filmes foram muito bem-sucedidos, mas não dispunham da tecnologia de projeção digital hoje existente. Eram necessários dois projetores, cada um exibindo a fita relativa a cada olho. Se eles não estivessem perfeitamente alinhados e sincronizados, o efeito ia pras cucuias. Além disso, a maioria dos cinemas tinha só dois projetores - pra exibir um rolo enquanto se trocava o outro. Sem nenhum projetor na reserva, os longametragens tinham que parar no meio pra que houvesse a troca.

Com essas dificuldades - sem contar os incômodos óculos, ainda por cima difíceis de usar pelos já naturalmente quatro-olhos - o 3D saiu de moda tão logo os "grandes formatos" - inicialmente anunciados como "3D sem óculos" tomaram conta dos cinemas.

O primeiro a aparecer foi o Cinerama. De Abel Gance a produtores americanos, um monte de gente já tinha tentado aumentar a largura da projeção desde os anos 20, mas as modificações que seriam necessárias nos exibidores e nas telas inviabilizaram a ideia. Foi preciso o clima de salve-se quem puder do início dos anos 50 - não só a chegada da tevê como a lei que proibia os grandes estúdios de terem seus próprios cinemas - para que alguém pensasse em investir nesse rumo.

Durante os anos 30 Fred Waller desenvolveu um sistema em que cinco câmeras filmavam um arco completo de 180 graus, como uma meia-abóbada, algo como o cinema em 180 graus exibido em parques de diversões eventualmente. O governo americano se interessou pela coisa e a usou para treinar artilheiros de bombardeiros num simulador extremamente realista para a época. Passado o conflito, Waller começou a tentar interessar gente do ramo de entretenimento na sua ideia.

Um dos que se interessou foi Lowell Thomas - o repórter que imortalizou Lawrence da Arábia, interpretado no filme homônimo por Burt Kennedy. O sistema foi adaptado para três câmeras filmando uma tira com um arco de 140 graus, cada uma usando um fotograma com seis furos de altura - 50 por cento a mais do que o normal, quatro furos, ou seja, no total, cada imagem teria 4,5 mais área do que um negativo comum.


A projeção em cinerama

As câmeras usavam uma única lente, assim como os projetores. A tela seria semicircular, envolvendo o espectador. E pela primeira vez desde o fracasso de Disney em FANTASIA, seria usado som multicanal. A ideia básica era a de que, com todo o campo de visão preenchido, inclusive a visão periférica, quem assistisse teria a sensação de estar dentro da cena. E pelo jeito funcionou às mil maravilhas. Com uma imagem nítida, clara e radiante abraçando o público numa tela muuuuuito maior do que a normal, o documentário ISTO É CINERAMA, com diversos esquetes - o mais famoso deles uma viagem de montanha-russa filmada de dentro de um carro - tornou-se o filme mais lucrativo de 1954, apesar de ser exibido em apenas uma sala (mas com os ingressos sensivelmente majorados).

Assim começou a febre do Cinerama. Domos para exibição foram abertos em todos os Estados Unidos. O sufixo "rama" passou a ser usado pra qualquer coisa - pizzarama, ferrorama, autorama. Mas antes de 1970 o sistema estaria completamente extinto. Se a sincronização de dois projetores já era um problema no 3D, com três era um pesadelo - embora as salas exibidoras, que tinham lugares marcados como no teatro e ingressos muito mais caros, fossem muito mais capacitadas pra enfrentar obstáculos na projeção. Havia até mesmo um curtametragem para exibição no caso de qualquer interrupção.

Mas filmar em cinerama acabou mostrando-se quase completamente inviável. Embora vários documentários, altamente rentáveis, fossem feitos, e a primeira película dramática do sistema, A CONQUISTA DO OESTE, fosse um sucesso, a produção mostrou-se altamente problemática. A distância focal fixa só permitia closes com os atores bem de perto, o que distorcia seus rostos com as lentes grande-angulares. E com a tela semicircular, a composição das cenas era virtualmente impossível.


Quando esta cena foi filmada, os atores estavam frente a frente, olhando um para o outro. Com a exibição na tela curva, seus olhares parecem estar perdidos na distância. Isto tornava um filme dramático em cinerama um verdadeiro problema de logística, afora todas as dificuldades inerentes - câmera gigantesca, uma única lente, uma única distância focal...

Se dois atores estivessem lado a lado durante a filmagem, com um olhando para o outro, na projeção em semicírculo, seus olhares se perderiam no infinito, como no exemplo acima. Cada cena tinha que ser montada levando esse efeito em consideração, o que praticamente descartava elaboradas cenas de ação filmadas de perto. Em A CONQUISTA DO OESTE, pra se superar esse obstáculo, usou-se um outro formato, o CAMERA 65, que nada mais era que uma única câmera com um negativo de grande formato. Perdia-se a claridade da imagem, perdia-se o ângulo de 146 graus que simulava a visão humana e criava o envolvimento do espectador, mas mantinha-se a tela grande e facilitava-se sobremaneira a produção.

Infelizmente, com mais cinemas especiais do que as parcas produções em cinerama conseguiam preencher nos anos 60, essa ideia de adaptar fitas em grande formato para o sistema acabou tornando-se a única maneira de se fazer um filme pra mostrar nos domos. Aos poucos o público foi ficando frustrado, já que pagava um preço muito mais caro pra ver um longa numa tela enorme, é verdade, mas sem o estéreo, sem a inimitável qualidade de imagem e sem o efeito de envolvimento causado pelo arco de visão de 146 graus. Isso eles já podiam ver por um ingresso bem mais em conta com o cinemascope, o panavision e o 70 mm. Sem material pra exibir, as casas foram fechando as portas, e as poucas que sobrevivem são salas de arte com programação infrequente pra dar ideia às novas gerações do que era a coisa. Que, segundo quem já viu, é muito mais impressionante do que o IMAX, o formatão mais popular de hoje em dia.


Mesmo nesta imagem reduzida, fica patente a extraordinária beleza pictórica dos quadros do cinerama. O formato côncavo foi criado para exibições alternativas em telas planas, para dar mais coerência à perspectiva, que sofre por três pontos de fuga diferentes. Note que os olhares do índio em primeiro plano e de James Stewarte não estão perfeitamente alinhados; durante a filmagem o nativo americano provavelmente estava bem mais à frente de para onde Jimmy Stewarte olhava.

O formato do cinerama era de 2.59:1, o que quer dizer que a largura dele era 2,59 vezes maior que a altura. Pra se ter uma ideia, a antiga tevê de tubo era 1.33:1, e os aparelhos de tela plana são 1.78:1. Isso significa que o cinerama é bem mais largo do que as televisões contemporâneas e mesmo nelas o espectador verá tarjas negras - bem menores, é verdade - em cima e embaixo. Mas em compensação, que imagem. A CONQUISTA DO OESTE foi lançado em blu-ray e recomendo pra quem quiser ver a capacidade de seu home-theater - a fotografia e a beleza do quadro é nada menos que espetacular. Com a ajuda dos computadores, ficou bem mais fácil suavizar as junções, onde os três filmes se juntavam pra fazer a cena inteira, mas quem prestar atenção localiza facilmente. Também é digno de nota o efeito bizarro que os três pontos de fuga proporcionam. Numa cena, por exemplo, uma diligência parece vir da esquerda, fazer uma volta no centro e voltar pra de onde veio, devido à perspectiva distorcida.

De qualquer forma, o cinerama abriu as portas pra inovação tecnológica mais bem-sucedida no cinema depois do som e da cor, a tela panorâmica (widescreen). Impressionados com o sucesso do sistema, a Fox foi pedir emprestado a um francês uma lente anamórfica, capaz de comprimir dentro de um negativo normal uma imagem quase duas vezes mais larga, o que deu origem ao Cinemascope, hoje o Panavision, outro incômodo para os donos de tevês de tela plana.

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