- Não pára não, Marcos, por favor...
Toquei a rua, mas tinha sido um dia muito, muito quente. Podia ser uma mancha de sangue, podia ser uma mancha de óleo, a mesma dúvida que eu sempre tinha quando entrava no carro e sentia cheiro de gasolina e ia olhar embaixo e sempre, sempre descobria que todo chão guardava suas marcas, suas cicatrizes, suas manchas de velhice, apenas nunca reparamos nelas.
- Não pára.
Agachado no meio da rua, toco manchas no asfalto com os dedos, os carros passando perto, seus motoristas olhando desconfiados, desconfiados como a mulher da banca de flores no insulado canteiro da curva, que antigamente fazia parte da calçada, antes de uma das muitas reformas de tráfego no lugar.
- Carol, ele não tá fingindo.
- E se estiver?
Eu levanto, caminho até a mulher de bermuda jeans, camiseta azul-escura, sandália e cabelos desgrenhados começando a embranquecer, ela está me sacando desde que cheguei, ela sabe que não vou conseguir carregar flores na bicicleta, ela sabe que não vou querer comprar nada.
Não consigo lembrar se a banca estava aberta na véspera, só tinha olhos para Carolina, doce e bela Carolina, com o minivestido e as belas e grossas coxas de fora, coxas naturalmente belas, imalhadas, nem o noivo dela conseguira fazer dela uma atleta, para quê, ganhava dinheiro como modelo de fotografia, fazia pós-graduação de psicologia, gostava de música eletrônica e filmes do Estação Botafogo e tinha uma história estranha, uma história esquisita, uma história não muito bem-contada envolvendo alguma coisa que nunca revelava, mantinha em brumas e névoas, alguma coisa que acontecera a ela quando se mudara do Espírito Santo para o Rio de Janeiro, para ganhar dinheiro fotografando, sendo fotografada, aliás, viera morar sozinha depois da morte do pai, um segredo que não seria eu a forçá-la a desvelar.
E só tendo olhos para ela eu mal vira o homem se arrastando na frente do carro na rua.
E sangrando, parecia estar sangrando, sangrando muito.
Pergunto para a florista cansada se ela soube de alguma coisa, se alguém foi atropelado ou baleado ali na véspera, se aconteceu alguma coisa, a mulher olha pra bicicleta, diz que não, não sabe de nada, não viu nada no jornal, não ficou sabendo de nada, não sabe de nada, quando chegou não tinha nada.
Quando cheguei também não tinha nada. Tinha na véspera, o homem se arrastando pela rua, mas Carolina, a belíssima Carolina, a Carolina cujo namorado era mais novo e mais bonito do que eu jamais fora, mas que ela traía despudoradamente, comigo, Carolina pediu pra não parar, não diminuir.
- Ele não está, Carolina!
A florista não sabe de nada.
Ele não estava fingindo, eles não sabem fingir, eles só sabem falar a verdade, eles declamam como péssimos atores sempre que têm que interpretar um personagem que não seja eles mesmos, uma vez saí com o pessoal do trabalho, nos bancos da frente uma amiga jovem dirigindo e no carona um amigo velho, o garoto não me viu saudável e ainda jovem, ele chegou mancando, ele tinha uma perna torta, vestia só um short, o carro parado no sinal, avenida Atlântica, ele chegou carregando uma quentinha da qual comia com a mão arroz, feijão e farofa, ele chegou na janela do amigo coroa e falou exatamente no mesmo tom que os vendedores de ônibus falavam, exatamente no mesmo tom completamente falso e artificial, eles não são bons em blefe, eles não dariam bons jogadores de pôquer, ele disse “eu-não-quero-seu-carro-ou-sua-vida-apenas-sua-carteiera-e-você-pode-ir”, um garoto manco, de short e quentinha, incapaz de dar verdade ao seu personagem.
O amigo coroa fechou a janela.
A florista fecha a porta quando volta para dentro do quiosque.
E eu nem abri o vidro elétrico.
- E se estiver?
Carolina, tão bela Carolina, tão belas coxas de Carolina, tão jovem e bela, tão boa de cama, tão carente, tão apaixonada.
- Quando você estiver sozinho você pode parar, Marcos, mas lembra que eu tô aqui contigo!
E aquela história mal-explicada, aquele segredo do qual ela só dava a mais vaga das pistas, alguma coisa à qual ela fazia uma vaga alusão sempre que eu queria experimentar mais da entrega dela, quando queria ser mais violento, furioso, sexual, como um homem bem-sucedido de idade e experiência frente àquela carne macia, firme, jovem e completamente entregue, completamente submissa ao macho viril e potente nu à sua frente.
E não parei.
Ela pediu.
Ela tinha aquela história.
Anos atrás, nem tantos assim, aliás, quando comprei meu primeiro carro, saí com Márcia, que viajara o mundo todo, atriz, poetisa, musicista, que em Paris mergulhava entre tubarões para ganhar dinheiro, era a primeira vez que ela entrava num carro meu, e um homem em convulsões andou até o meio da rua. Contra todos os protestos do homem pusemos ele no carro, uma toalha de praia que andava sempre na mala forrando o banco de trás, e o levamos ao Rocha Maia, deixando-o numa cadeira de rodas rumo ao raio-X, enquanto ele continuava protestando dizendo que estava tudo bem.
Naquela noite jantamos na Cantina Bolognesa, à luz de velas, trocamos nosso primeiro beijo e terminamos no Bambina e, com Márcia descansando aninhada e satisfeita em meu peito, eu só conseguia pensar se o homem não estaria drogado a ponto de ser preso, se não teríamos ferrado com ele, estragado a vida dele, de tanto e tanto que ele protestara e demonstrara medo.
Apenas para apaziguar nossa consciência imersa em tantos pedintes e tiroteios.
Mas Márcia não tinha as coxas de Carolina e nem a juventude de Carolina e nem o segredo de Carolina.
Por isso fiz como ela pediu.
E ainda tinha aquela história obscura da vida dela.
Não parei o carro, segui na rua escura e deserta, Carolina estava atrasada, saltou correndo ao chegar em casa e o porteiro, que tanto gostava do namorado dela, me olhou atravessado como sempre fazia.
E eu fui para casa, esperei amanhecer, peguei a bicicleta e vim.
E ninguém vira nada.
E eu não tinha parado.
Carolina dorme às vezes lá em casa.
Ela acordava mais cedo do que eu. Normalmente a encontro na sala, assistindo a algum DVD, ou, mais raramente, lendo o jornal, ela não era tão culta ou lida assim, nem sabia o que tinha sido a Revolução de 64, descobri uma vez.
Mas meu computador é protegido. Tem arquivos que eu gostaria que ninguém mais visse.
Eu sei que ela acorda cedo para ficar trocando e-mails com o namorado virtual francês. Ela adora a Europa. Ela já viajou à Europa a trabalho, fotografando, e outra vez, quando juntara dinheiro.
Em menos de um ano ela abandonará o namorado, eu e outro amante eventual que também descobri através do computador, e se mudará para a França, permanentemente tantalizando-me com a imagem de suas coxas emoldurando sua boceta sem pelos andando nua pelas praias liberadas francesas, feliz em sua beleza e juventude.
Enquanto eu rodarei as ruas do Rio, os vidros levantados, cada vez mais parecendo um alvo fácil para pivetes de short armados de quentinhas, porque cada vez mais velho e assustado, seguindo sempre adiante, nunca parando em cruzamentos depois do anoitecer, amedrontado e protestando contra a violência, dizendo que ninguém mais ousa sair à noite e falando mal da geração mais nova, tentando chegar em casa vivo a cada dia
entre assaltantes, floristas cansadas, epilépticos atirados no meio da rua e feridos ensanguentados largados ao asfalto como num antigo enterro ritual, o corpo deixado na pedra quente para que os abutres, carniceiros e larvas de moscas o devorem completamente, deixando o morto como marca neste mundo apenas as lembranças dos que o conheceram.
Enquanto Carolina nua beijará seu namorado na praia deserta ao anoitecer, completamente alheia a qualquer segredo obscuro e traumático de sua vida.
outubro 26, 2010
Um Celular com Câmera e as Dez Estratégias da Mídia pra Controlar o Público (segundo Noam Chomsky)
8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.
Promover ao público que é moda ser estúpido, vulgar e inculto…
As outras estratégias podem ser vistas aqui
outubro 18, 2010
Ele Está Entre Nós!
O CCBB começou no dia 18 uma mostra de John Ford que vai até 7 de outubro. A programação completa está aqui.
Ajoelhai-vos e orai, crentes e pagãos, pois John Ford está entre nós. Arrependei-vos de vossos pecados e atirai no lixo vossos DVDs de Woody Allen; ateai fogo a vossos ingressos para filmes de relacionamentos e desviai-vos de cinemas exibindo fitas experimentando novas linguagens - prostrai-vos, cobri-vos de cinzas e implorai clemência ao único e verdadeiro Senhor. E vós a recebereis, pois John Ford ama toda a humanidade.
E é esse humanismo que torna John Ford tão irresistível. Irlandês católico numa indústria de protestantes e judeus, sua filmografia é repleta de um lirismo amoroso de quem compreende todas as suas crianças. Suas fitas são mitologias, contando histórias de moralidade para engrandecer o caráter. Mesmo os seus personagens perdidos são redimíveis e dignos de compaixão - até seu mais desprezível vilão, o Velho Clanton, é digno de pena ao ter seus planos e sonhos destruídos. Outros diretores podem ter feito de seus caubóis lendas titânicas, como Fred Zinnemann e Anthony Mann, mas os pistoleiros de Ford não lamentam seu destino imutável - suas vidas são consequências de suas escolhas, de sua livre escolha frente a Deus e ao mundo.
Tudo de bom encompassado pelo termo "cinema americano" está em John Ford. A direção invisível, o entretenimento garantido, fé na humanidade e nos bons valores morais, qualidade de produção, bela fotografia... tanto que muita gente às vezes considera Ford um artesão competente que sabia encenar um roteiro. A aparente falta de personalidade na condução das cenas é apenas ilusórias, entretanto. Um ator certa vez resolveu desafiar a marcação do falso caolho (1) e, em vez de por a mão sobre um corrimão enquanto falava, resolveu segurá-lo. Ford repetiu o take SETENTA E SEIS VEZES até que o rebeldezinho desistiu e finalmente fez como o velho irlandês queria. Ford não chamava, como Hitchcock, a atenção das pessoas para seus truquezinhos pessoais, mas concatenava belíssimas metáforas visuais, como, por exemplo, em "Rastros de ódio", quando dois jovens pioneiros brigões são separados, levados para dentro de casa e recomeçam a briga, os golpes espalhando a poeira de seus corpos - simbolizando que mesmo dentro de uma casa, mesmo sob o teto da civilização, eles carregam ainda a selvageria da vida na fronteira. Ou o ataque aéreo minimalista de "A longa viagem de volta". Sempre acompanhado de grandes câmeras, como Gregg Tolland, a eminência parda de "Cidadão Kane", seus filmes são visualmente esplendorosos, tanto em preto e branco (experimente "Paixão dos fortes" e "Vinhas da ira") como coloridos ("Rastros de ódio" ou "E o céu mandou alguém").
A influência católica é visível também nos comportamentos ritualizados de seus personagens. O primeiro encontro entre Doc Holliday e Wyatt Earp, em "Paixão dos Fortes", em que os pistoleiros se medem com jogos de gestos e palavras; a luta final em "Depois do vendaval"; a preparação para o ataque dos índios em "Rastros de ódio"; o desafio de Liberty Vallance em "O homem que matou o facínora". Os atores movem-se sempre de forma expressiva, muitas vezes tão languidamente que parece quase uma dança, como Henry Fonda em "Paixão dos fortes". Com tal controle sobre a movimentação em cena, Ford não tem problema nenhum em favorecer os planos gerais, sem precisar abusar de closes e mais closes para conseguir emoção, evitando cortes desnecessários e deixando as fitas fluirem com espontaneidade, sem nunca cansar o espectador. Tão precisa era sua edição, aliás, que para evitar que o editor contratado resolvesse inventar com suas tomadas, ele filmava normalmente apenas um take, com uma câmera, e começava e terminava a cena exatamente onde queria que ela iniciasse e parasse. O pobre montador não tinha muita escolha a não ser ir colando os pedacinhos de celuloide.
O tema favorito de John Ford é contar uma mitologia humanista positivista, a civilização vencendo a barbárie e conquistando o bem mais importante de todos, a terra. Tanto que a grande tragédia da família em um de seus melhores filmes (existem poucos que não podem ser considerados assim), "As vinhas da ira", é justamente a perda de suas terras, enquanto em "A longa viagem de volta", o drama dos marinheiros é não terem raízes, viverem errando nos oceanos. Mas isso é muita simplificação e algumas de suas fitas vão desde a defesa da revolução socialista, como no "vinhas...", até a kafkiana metáfora de "A patrulha perdida", quando um destacamento da Legião Estrangeira, após a perda de seu oficial comandante, o único que sabia qual era sua missão secreta, fica cercado num oásis, a mercê de atiradores árabes que nunca são vistos, enquanto um Boris Karloff em modo ator subleva os soldados com um discurso religioso fanático.
Compassivo, humanista, crente, expressivo, Ford foi a grande inspiração do Arcanjo Kurosawa e da galera da Nouvelle Vague, talvez os primeiros pseudointelectuais a dizer que aquele sujeito era um dos gênios da sétima arte, o grande pilar do que se entende por cinema americano, um artista desprovido de cinismo e que amava toda a humanidade. E, se alguém como Ford (e seu arcanjo Kurosawa) acredita no homem, nós também podemos ter alguma fé na grande comunidade. Portanto ide em paz, filhos, lotar todas as sessões da Mostra de John Ford no CCBB. Pois John Ford está novamente entre nós.
(1) Nas imagens de divulgação, Ford está comumente usando um tapa-olho, mas, ao contrário de Raoul Walsh, ele não tinha nenhum problema de visão - servia apenas para descansar a vista enquanto olhava pelo visor da câmera. Mas o diretor gostava de ser fotografado assim porque achava que... ficava com cara de mau!
Ajoelhai-vos e orai, crentes e pagãos, pois John Ford está entre nós. Arrependei-vos de vossos pecados e atirai no lixo vossos DVDs de Woody Allen; ateai fogo a vossos ingressos para filmes de relacionamentos e desviai-vos de cinemas exibindo fitas experimentando novas linguagens - prostrai-vos, cobri-vos de cinzas e implorai clemência ao único e verdadeiro Senhor. E vós a recebereis, pois John Ford ama toda a humanidade.
E é esse humanismo que torna John Ford tão irresistível. Irlandês católico numa indústria de protestantes e judeus, sua filmografia é repleta de um lirismo amoroso de quem compreende todas as suas crianças. Suas fitas são mitologias, contando histórias de moralidade para engrandecer o caráter. Mesmo os seus personagens perdidos são redimíveis e dignos de compaixão - até seu mais desprezível vilão, o Velho Clanton, é digno de pena ao ter seus planos e sonhos destruídos. Outros diretores podem ter feito de seus caubóis lendas titânicas, como Fred Zinnemann e Anthony Mann, mas os pistoleiros de Ford não lamentam seu destino imutável - suas vidas são consequências de suas escolhas, de sua livre escolha frente a Deus e ao mundo.
Tudo de bom encompassado pelo termo "cinema americano" está em John Ford. A direção invisível, o entretenimento garantido, fé na humanidade e nos bons valores morais, qualidade de produção, bela fotografia... tanto que muita gente às vezes considera Ford um artesão competente que sabia encenar um roteiro. A aparente falta de personalidade na condução das cenas é apenas ilusórias, entretanto. Um ator certa vez resolveu desafiar a marcação do falso caolho (1) e, em vez de por a mão sobre um corrimão enquanto falava, resolveu segurá-lo. Ford repetiu o take SETENTA E SEIS VEZES até que o rebeldezinho desistiu e finalmente fez como o velho irlandês queria. Ford não chamava, como Hitchcock, a atenção das pessoas para seus truquezinhos pessoais, mas concatenava belíssimas metáforas visuais, como, por exemplo, em "Rastros de ódio", quando dois jovens pioneiros brigões são separados, levados para dentro de casa e recomeçam a briga, os golpes espalhando a poeira de seus corpos - simbolizando que mesmo dentro de uma casa, mesmo sob o teto da civilização, eles carregam ainda a selvageria da vida na fronteira. Ou o ataque aéreo minimalista de "A longa viagem de volta". Sempre acompanhado de grandes câmeras, como Gregg Tolland, a eminência parda de "Cidadão Kane", seus filmes são visualmente esplendorosos, tanto em preto e branco (experimente "Paixão dos fortes" e "Vinhas da ira") como coloridos ("Rastros de ódio" ou "E o céu mandou alguém").
A influência católica é visível também nos comportamentos ritualizados de seus personagens. O primeiro encontro entre Doc Holliday e Wyatt Earp, em "Paixão dos Fortes", em que os pistoleiros se medem com jogos de gestos e palavras; a luta final em "Depois do vendaval"; a preparação para o ataque dos índios em "Rastros de ódio"; o desafio de Liberty Vallance em "O homem que matou o facínora". Os atores movem-se sempre de forma expressiva, muitas vezes tão languidamente que parece quase uma dança, como Henry Fonda em "Paixão dos fortes". Com tal controle sobre a movimentação em cena, Ford não tem problema nenhum em favorecer os planos gerais, sem precisar abusar de closes e mais closes para conseguir emoção, evitando cortes desnecessários e deixando as fitas fluirem com espontaneidade, sem nunca cansar o espectador. Tão precisa era sua edição, aliás, que para evitar que o editor contratado resolvesse inventar com suas tomadas, ele filmava normalmente apenas um take, com uma câmera, e começava e terminava a cena exatamente onde queria que ela iniciasse e parasse. O pobre montador não tinha muita escolha a não ser ir colando os pedacinhos de celuloide.
O tema favorito de John Ford é contar uma mitologia humanista positivista, a civilização vencendo a barbárie e conquistando o bem mais importante de todos, a terra. Tanto que a grande tragédia da família em um de seus melhores filmes (existem poucos que não podem ser considerados assim), "As vinhas da ira", é justamente a perda de suas terras, enquanto em "A longa viagem de volta", o drama dos marinheiros é não terem raízes, viverem errando nos oceanos. Mas isso é muita simplificação e algumas de suas fitas vão desde a defesa da revolução socialista, como no "vinhas...", até a kafkiana metáfora de "A patrulha perdida", quando um destacamento da Legião Estrangeira, após a perda de seu oficial comandante, o único que sabia qual era sua missão secreta, fica cercado num oásis, a mercê de atiradores árabes que nunca são vistos, enquanto um Boris Karloff em modo ator subleva os soldados com um discurso religioso fanático.
Compassivo, humanista, crente, expressivo, Ford foi a grande inspiração do Arcanjo Kurosawa e da galera da Nouvelle Vague, talvez os primeiros pseudointelectuais a dizer que aquele sujeito era um dos gênios da sétima arte, o grande pilar do que se entende por cinema americano, um artista desprovido de cinismo e que amava toda a humanidade. E, se alguém como Ford (e seu arcanjo Kurosawa) acredita no homem, nós também podemos ter alguma fé na grande comunidade. Portanto ide em paz, filhos, lotar todas as sessões da Mostra de John Ford no CCBB. Pois John Ford está novamente entre nós.
(1) Nas imagens de divulgação, Ford está comumente usando um tapa-olho, mas, ao contrário de Raoul Walsh, ele não tinha nenhum problema de visão - servia apenas para descansar a vista enquanto olhava pelo visor da câmera. Mas o diretor gostava de ser fotografado assim porque achava que... ficava com cara de mau!
outubro 14, 2010
Give me love give me love give me love
E diga-me que me ama
Pois eu nunca soube reconhec�-lo
Nunca confiei que pudesse fazer
voc�
me amar
Eu sou indigno eu sou o erro eu sou o fim
do seu amor
da sua paix�o
de voc�
de mim
Give me love give me love give me love
Me d� amor por pena de mim
Pois n�o mais como homem eu sei amar
Meu amor n�o � bom
Meu amor n�o � feliz
Meu amor n�o � o seu
S� parece ser
Give me love give me love give me love
De profundis clamavi
Enquanto aqui
Neste latif�ndio infecundo que chamo de corpo
Afasto voc� e me afasto da ra�a humana
E a dor eu sinto a dor a dor � grande
E quando ela � grande, grande demais
� apenas sentimento e sensa��o
J� nem sei mais o porqu�
Apenas me sinto vivo outra vez
Pois se a dor � infinita
Eu tamb�m sou
Give me love
give me love
gimme love
gimmelo
gim
g
give me love give me love give me love give me love give me love
Eu imploro
E diga-me que me ama
Pois eu nunca soube reconhec�-lo
Nunca confiei que pudesse fazer
voc�
me amar
Eu sou indigno eu sou o erro eu sou o fim
do seu amor
da sua paix�o
de voc�
de mim
Give me love give me love give me love
Me d� amor por pena de mim
Pois n�o mais como homem eu sei amar
Meu amor n�o � bom
Meu amor n�o � feliz
Meu amor n�o � o seu
S� parece ser
Give me love give me love give me love
De profundis clamavi
Enquanto aqui
Neste latif�ndio infecundo que chamo de corpo
Afasto voc� e me afasto da ra�a humana
E a dor eu sinto a dor a dor � grande
E quando ela � grande, grande demais
� apenas sentimento e sensa��o
J� nem sei mais o porqu�
Apenas me sinto vivo outra vez
Pois se a dor � infinita
Eu tamb�m sou
Give me love
give me love
gimme love
gimmelo
gim
g
give me love give me love give me love give me love give me love
Eu imploro
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outubro 03, 2010
Festival de Cinema do Rio de Janeiro: Luz nas Trevas, de Helena Ignez e Icaro C. Santos
"Luz", para os íntimos. Afinal, era como a hilariante locutora de "O bandido da luz vermelha" explicava para o público. Daí que o título desta continuação não é só pra dizer que existe salvação, mas que para alcançá-la, o protagonista vai ter que atravessar um inferno. Bem-vindo à visão de um brilhante homem doente, pesando sua mortalidade com quase sessenta anos, mais de três décadas depois de ter concatenado o maior clássico do udigrudi da Boca do Lixo ainda rapazola de vinte aninhos.
Mas Rogério Sganzerla não viveu o suficiente para por de pé este estimado projeto, e ele acabou na mão da starlet do longa original, a lendária musa do cinema marginal, Helena Ignez, sua viúva, que há dois Fest-Rios mostrou intensidade e talento fazendo de "A canção de Baal", com parquíssimo orçamento, quase uma viagem no tempo a anos mais cabeça. "Quase" porque longe de ser um fóssil, o filme tem uma linguagem atualizada e deixou o povo que adora o meliante com a lanterna encarnada cheio de água na boca. Afinal, com acesso a muito mais recursos do que o original, o roteiro de Sganzerla e uma diretora talentosa afinada com as ideias da trama, a fita ameaçava tornar-se referência de época como sua primeira parte.
Paulo Vilaça e a própria Helena Ignez no filme original
Sim, porque "O bandido da luz vermelha" é uma colagem vibrante e irresistível do final dos anos 60. Cheia de politização, revolução armada, revolução sexual, existencialismo, jovem guarda, bangue-bangue, filme de monstro japonês, rádio, tevê, cafonice, símbolos de status, a fita é como "Ulysses" ou "A divina comédia" uma viagem à sua época, um dos melhores retratos do Brasil em processo de urbanização e industrialização, cheio de vigor, originalidade, revolta e irreverência.
E é justamente essa irreverência que faz mais falta na continuação. A abertura com a marquise luminosa levou o blogueiro emocionado à beira da poltrona e deixou claro logo de cara o clima mais místico do longa: o anúncio avisava que o filme era um melodrama e seu protagonista era infinito. E, para explicitar ainda mais a diferença de tom, eis que entra o novo intérprete do marginal da lâmpada rubra, Ney Matogrosso, trazendo o primeiro problema da obra: ele está A-T-U-A-N-D-O. Inclusive está atuando bem, mas a cada aparição do ex-seco & molhado o público pode perceber todas as fibras do seu ser flexionando-se e contorcendo-se em agonia enquanto ele tenta demonstrar P-R-O-F-U-N-D-I-D-A-D-E e logo os espectadores começam a sentir falta do tranquilo desprezo agressivo e viril de Paulo Vilaça (será que Tarcísio Meira não toparia?).
Essa reverência na atuação de MT contagia boa parte da continuação, que vai aos poucos afundando-se em referências à sua alma mater, como o político populista, ou a viagem a Santos, ou o policial corrupto, sem contar, é claro, a marquise luminosa e os locutores de rádio. A televisão aparece muito pouco e não há referência à internet. Luz está reavaliando sua vida e o passeio é mais pelo passado emocional do personagem do que pela metrópole BRIC. O delinquente com a luminária escarlate da vez é o filho dele, protegido de São Jorge, que toma o caminho do crime para escapar da miséria, mas é muito menos angustiado e politizado do que o pai - sua relação com a prostituta/namorada da vez é muito mais saudável (como ele mesmo diz, ele faz tudo com amor, inclusive amor) e ele chega a prometer à moça, como os velhos malsinados caubóis ou gangsteres da velha Hollywood que apenas mais um trabalho e uma grana e ele larga essa vida.
É claro que quando você encontra na rua e começa a namorar uma prostituta com o visual e a personalidade da Djin Sganzerla você diz qualquer coisa pra ela. Não fosse a pontinha de Mojica Marins e ela não teria rivais na fita. A moça continua ótima atriz, sem esforço, com um jeitão irresistível e recomenda-se aos cardíacos que abandonem o recinto quando ela começar a tirar a roupa - ou mesmo dançar só de lingerie para o facínora com a lâmpada com o mais baixo comprimento de onda luminosa visível. Por falar em dançar, a trilha sonora do longa é tão irresistível quanto a Djin e ajuda a evocar o clima do original e a jornada sentimental de Luz nas trevas do presídio.
Justamente essa jornada e a ênfase na salvação de Jorge Prado, mais as constantes referências e a reverência pela fita original acabam roubando a produção do vigor daquela e ralentando o ritmo - alguns incidentes são altamente episódicos e parecem aparecer somente para homenagear a alma mater, como a invasão da casa do político. E um roteiro altamente estilizado como este pede a alta voltagem, por exemplo, de "A canção de Baal". Ou então dos últimos 15 minutos, quando finalmente montagem, atuações e trama decolam com a intensidade quase perfeita fazendo um final quase inesquecível - o herdeiro semialienado de Luz reinando no inferno, enquanto Jorge Prado se redime e se torna o somatório de toda a sua existência e explode num excelente aproveitamento do cantor-ator e estado do centro-oeste brasileiro. O blogueiro só não achou irretocável porque quando ouviu rotores de helicópteros atrás dele nas caixas surround, ficou esperando as aeronaves sobrevoando o protagonista no topo de um (provável) arranha-céu, com naves espaciais e afins cruzando os ares. Eu sei que isso é caro, mas não dava pra fazer uma computação gráfica meio picareta?
De qualquer forma, a sequência final é irresistível e deixa o público saindo do cinema eufórico. A diretora Helena Ignez foi musa de vários diretores e adolescentes, mas em vez de com a idade tentar tornar-se uma boneca de cera embotocada, mostra que aproveitou bem a vida e que ainda está numa excelente forma - como Prado, ela é orgulhosamente a soma de toda a sua existência. Seus filmes refletem sua sinceridade, seu talento, seu encanto e, mesmo que não tenha alcançado seu potencial nesta continuação, é mais por ter tentado medir-se com os gigantes. Como em seminários de autoajuda, ela visou as estrelas, falhou, e ainda assim fez uma fita interessante, cheia de qualidades e acima da média.
Oração
Perdoe-me, Pai, pois eu cometi atos... questionáveis... muito amor prometi a mulheres apenas para tê-las a meu lado. Muitas levei a mostras de filmes... de livros... restaurantes caros e lojas caras e as afoguei num mar de citações, pois esqueci que mesmo sabendo a língua dos Anjos, sem amor eu nada seria. Mesmo em presença delas, desejei outras e na realidade nenhuma desejava, pois da minha vida em meio à jornada, achei-me em selva tenebrosa, tendo perdido a verdadeira estrada. Escolhi os líderes errados e segui Verdades tão confusas quanto eu. Odiei os que me queriam bem por serem felizes e não me fazerem feliz e chamei de invejosos àqueles que não se curvaram aos meus caprichos. Fomentei o desprezo por todos os atos de piedade e compreensão para que eu não tivesse que me apiedar ou compreender os outros. Eu pequei, Pai, reneguei tudo em que acreditava - por dinheiro, poder e sexo, eu menti, enganei e trapaceei - e, em minha mesquinhez chamei meus pecados de maturidade... e êxito. Perdoa, Pai, este teu filho tão cruel, egoísta e covarde que nem mesmo perder-se conseguiu. Perdoa-me por, com tudo que me deste, não Te agradar nem desagradar. Perdoa-me por aceitar que outros se penitenciassem por mim. Que outras o fizessem... Perdoa-me por nunca ter-lhes dito o quanto as amava... o quanto...
Senhor, abençoai os mesquinhos e os egoístas, pois eles também queriam muito poder Vos amar...
Senhor, abençoai os mesquinhos e os egoístas, pois eles também queriam muito poder Vos amar...
outubro 02, 2010
O Interrogatório
Acenda o refletor em meu rosto
Até que eu fique cego com a luz brilhante
Amarre minhas mãos à cadeira para que eu não possa reagir
E então extraia de mim toda a minha verdade
Esbofeteie-me se eu resistir
Acerte meu estômago se eu omitir
Pressione-me, aperte-me, pergunte-me
Até eu delatar quem eu sou realmente
Jogue água em meu rosto se eu dormir
Não me deixe hesitar, vacilar ou mentir
Até eu confessar todos os pecados que cometi
Vem, Vida, violenta e brutal
Extrair de mim minha grande e derradeira confissão
Que eu vivo - Réu confesso
(Texto final da minha peça A ARTE, OS AMIGOS, A MORTE E AS MULHERES, ganhadora do concurso da FUNARTE de 1995)
Até que eu fique cego com a luz brilhante
Amarre minhas mãos à cadeira para que eu não possa reagir
E então extraia de mim toda a minha verdade
Esbofeteie-me se eu resistir
Acerte meu estômago se eu omitir
Pressione-me, aperte-me, pergunte-me
Até eu delatar quem eu sou realmente
Jogue água em meu rosto se eu dormir
Não me deixe hesitar, vacilar ou mentir
Até eu confessar todos os pecados que cometi
Vem, Vida, violenta e brutal
Extrair de mim minha grande e derradeira confissão
Que eu vivo - Réu confesso
(Texto final da minha peça A ARTE, OS AMIGOS, A MORTE E AS MULHERES, ganhadora do concurso da FUNARTE de 1995)
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