novembro 07, 2010

Coral e Scala

Outro dia fiz uma conta e descobri que cerca de 40 cinemas de rua aos quais me lembro ter ido já viraram saudade. Esta série é pra relembrar essas salas tombadas no cumprimento do dever...



Eram dois cinemas na Praia de Botafogo. Embora tenham aberto como cinemas chiques, decaíram rapidamente - provavelmente o fato de ficarem embaixo de um favelão tenha contribuído pra isso. O Edifício Coral (1), construído sobre a antiga casa do dr. Miguel Couto, foi originariamente pensado como prédio comercial, mas durante a construção decidiram que seria misto e, apesar de agora estar bem mais arrumadinho, durante anos foi um pardieiro.

O Coral/Scala foi aberto em 1965, onde hoje é o Arteplex, mas quando me mudei pra Marquês de Olinda, no meio dos anos 70, ele - pelo menos um deles - já passou um verão fazendo um festival com dois filmes por dia e depois dois por semana. Na foto ele ainda está no auge do vigor, mostrando um dos grandes blockbusters da época, O PODEROSO CHEFÃO PARTE 2. Lembro que ele tinha sessões às onze horas pra atender ao público sequioso que lotava as parcas sessões diárias (somando os trailers e telejornal, acho que o curta ainda não era obrigatório, era por volta de quatro horas sentado na cadeira).

Note que embaixo da marquise havia espaço para um cartaz pintado com o longa da semana. Em alguns lançamentos de ponta, a marquise seria também coberta por uma enorme pintura. Pra se ter uma ideia de como a década de 70 era estranha, um dos sucessos de bilheteria que mereceram esse tratamento foi um filme com o Burt Reynolds, em que se pôs um outdoor, com ele recortado abrindo a camisa e mostrando seu supostamente irresistível peito cabeludo. Mais ou menos na mesma época, o seriado KOJAK fez tal estardalhaço na tevê que desencavaram uma produção televisiva com o Telly Savalas (aquela em que ele tinha que invadir Spandau, sequestrar o Hess, fazê-lo contar onde estava o tesouro, devolvê-lo e ir pegar a grana) e, em vez do nome do longa, tinha só TELLY SAVALAS em letras garrafais e, embaixo, onde deveria estar o elenco, estava escrito KOJAK.

Os cinemas tinham aquela mesma longa entrada que o Arteplex, só que o chão era quadriculado em preto e branco, e havia duas fileiras de cartazes (que na época ainda mostravam fotos), além daqueles pregados em caixas de vidro nas paredes. À medida em que ia se aproximando a data do lançamento da fita, seu cartaz ia se aproximando da entrada, em fila ordeira, embora vez por outra quebrada por uma estreia de emergência. Eu adorava caminhar até o fim do corredor pra me inteirar do que me esperava nas telas, antes de coisas como revistas importadas sobre cinema nos jornaleiros e Internet.

Nos anos 70, antes da invenção do videocassete, a única chance de ver clássicos sem depender da vontade do programador da tevê era em reapresentações, e mesmo cinemas comerciais não tinham pudores em passar filmes em preto e branco. No Coral/Scala vi (com certeza, fora os que esqueci) Uma Noite em Casablanca, Uma Noite na Ópera, Marcelino Pão e Vinho, La Violetera, As Férias do sr. Hulot, King Kong, O Satânico dr. No, A Noviça Rebelde. Não vi na época por não ter idade o festival Hitchcock, mas vi o Festival Jerry Lewis e descobri que já não gostava mais tanto do comediante americano. O primeiro longa que me lembro de ter visto lá com certeza foi A GUERRA DAS FORMIGUINHAS, um desenho em que, ao que me recordo, uma formiguinha problemática que gostava de Batman salvava todas elas.

Lá também assisti a um lançamento obscuro que ficou duas semanas em cartaz (na época quase nada, filmes como Guerra nas Estrelas podiam ocupar uma sala por mais de seis meses) e acabou virando um marco fundamental da cultura pop contemporânea, MONTY PYTHON (na época ainda sem o adendo E O CÁLICE SAGRADO). E, no começo dos anos 80, num festival de musicais contemporâneos, assisti em uma semana a WOODSTOCK, TOMMY, HAIR, FAMA e ALL THAT JAZZ (fechando a programação tinha O FANTASMA DO PARAÍSO, o único que pulei, de Brian de Palma). Curiosamente descobri depois que vários amigos que conheci na faculdade tempos depois também perderam suas virgindades para esses clássicos do rock no mesmo festival E NA MESMA SESSÃO, a de oito horas. Eu, Suzy, Roger e Ivan estávamos em Woodstock, e os três primeiros também em TOMMY.

Mas esses constantes festivais de reapresentações podiam ser ótimos pra mim, que morava ali do lado, mas eram já sinal de que aqueles cinemas já não eram de ponta. O último grande lançamento que me lembro que passou lá foi O ESPIÃO QUE ME AMAVA (ah, também vi vários 007 num festival James Bond que teve neles), depois eles passaram a exibir estreias com expectativas medianas de público, como OS BANDIDOS DO TEMPO, um dos últimos longas do qual esperava alguma coisa que assisti em suas salas. Logo depois houve a explosão do filme pornográfico, graças à liminar que garantiu o lançamento de CALÍGULA e que virou o caminho fácil pra liberar todos os pornôs, e aquela dupla da Praia de Botafogo encampou de braços abertos a novidade. Pornografia era novidade na época e eu, minha primeira namorada de verdade (que adorava ver essas coisas, tinha a maior curiosidade) e uma galera da faculdade (incluindo outras menininhas de 17, 18 anos) assistimos lá a uma sessão dupla A B... PROFUNDA/O DIABO NA CARNE DE MISS JONES 2. São as últimas fitas as quais tenho certeza de ter acompanhado naquelas salas. O clima ainda não era totalmente decadente - funcionários uniformizados ainda comandavam a bombonière onde durante anos comprei balinhas de bonequinho, cigarrinhos de chocolate (que certamente me ajudaram a me tornar fumante durante vinte anos, inclusive fumando dentro do cinema, o que era muito comum na época, apesar de proibido) e Frumelo.

Logo depois o Scala, além dos filmes, passou a exibir espetáculos de sexo explícito em sua sala, durante um bom tempo - a minha primeira namorada queria ir, mas achamos que a barra devia ser pesada demais pra ela e acabamos desistindo. As salas irmãs continuaram com a pornografia durante anos a fio, aparentemente um bom negócio, mesmo pro tamanho enorme de suas salas, até que César Maia proibiu tal tipo de casa perto de colégios, e o Andrews era colado ali (e ainda tinha o São Pedro de Alcântara no mesmo quarteirão), o que o levou a fechar as portas. E, curiosamente, nessa época, ainda nos anos 90, a bilheteira era a mesma que nos anos 70 me proibiu de entrar, preadolescente, por estar de short.

(1) O Coral e o Scala, ao lado de seu vizinho Ópera, eram já da geração de cinemas que ficavam embaixo de prédios, ao contrário dos imóveis que só serviam pra isso, como o Guanabara, no final da Praia. Eles, o Paissandu e o Star, depois Botafogo, hoje Estação Botafogo, foram os últimos cinemas de rua a serem erguidos, os únicos depois dos anos 50, quando começou a onda dos "cinemas de galeria", como os Condor, os Bruni e o Joia. Embora todo mundo com mais de 30 hoje reclame dos cinemas de shopping, o cinema de galeria era a mesma ideia de juntar lojas, comida e filme, só que sem a grandiosidade dos enormes shoppings construídos a partir do Rio-Sul.

2 comentários:

Carla Paes Leme disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carla Paes Leme disse...

Também vi muitos filmes antigos no Coral e no Scala. Só tenho uma correção a fazer. Onde foi o Botafogo, hoje é o Espaço de Cinema. Já o Estação Botafogo (sala 1) é onde ficava o Cine Capri.

bjsssssssssssss