janeiro 31, 2012

Hoje na História

Antes de chegar na data de hoje, um longo parêntese:


O Crime do Poço





Em 1948, aos 26 anos, Paulo Ferreira de Camargo era Professor de Química na USP. Um feito e tanto hoje em dia, na época então, quando as pessoas se formavam mais tarde, devia ser um indicador da inteligência do sujeito. E, como todo sujeito inteligente interessado em ciências, a fama de cientista louco deve ter ajudado a mascarar suas aparentemente pequenas esquisitices. Uma delas era visível nas escadas do Departamento de Química da universidade. Rachaduras na parede, se examinadas mais de perto, revelavam-se causadas por tiros. Foram encontrados também nos armários equipamentos para as aulas destruídos por balas.



Quando se descobriu que estava frequentando a universidade armado, Paulo Camargo assumiu a autoria dos tiros. Alegou que fizera experiências sobre as reações químicas entre a pólvora e substâncias químicas em balões de ensaio e outros materiais. O professor chegou a ser interrogado na delegacia, mas como em 1948 São Paulo ainda era uma cidade tranquila, foi liberado sem maiores delongas. Foi assim que a polícia não ficou sabendo que ele vinha insistindo com seu chefe no laboratório, dr. Hoffman, sobre quais os melhores preparados para corroer cadáveres humanos. Paulo simplesmente voltou para a casa térrea na rua Santo Antônio, quase esquina com 9 de Julho, onde morava com a mãe, Benedita, e duas irmãs, Maria Antonieta e Cordélia.

A polícia também ignorou a denúncia de um vizinho de Paulo, igualmente químico, sobre um poço que ele mandara escavar em fins de outubro no quintal de sua casa. O professor contratou dois pedreiros que em um dia escavaram cinco metros e receberam 2 mil cruzeiros pelo serviço. Para quem perguntasse, Paulo simplesmente explicava que pretendia começar a fabricar adubo e precisava da obra porque água encanada não servia para esse fim.


Alunos de uma faculdade de comunicação paulista simulam uma cobertura televisiva de época (na verdade a tv só chegaria ao Brasil em 1950) para o Crime do Poço

A 5 de novembro, Paulo disse aos vizinhos que iria viajar com a mãe e as irmãs para o Paraná.
Alguns dias depois voltou e informou que sua mãe e suas irmãs teriam falecido em um acidente de carro na viagem.

O desconhecimento de outros parentes sobre a viagem e sobre o acidente, a falta de um funeral e a estranha tranquilidade de um vivente que perdera a família inesperadamente de uma só vez chamou a atenção dos vizinhos. Além do mais, uma das irmãs, Cordélia, não aparecia no trabalho desde o dia 4 de novembro e não informara a ninguém sobre visita alguma ao Paraná. Desta vez a polícia compareceu ao local determinada a uma investigação.

Os policiais revistaram a casa sem encontrar nada incriminador. Ao verem o poço, resolveram escavá-lo, solicitando ajuda do Corpo de Bombeiros. E o macabro resultado da busca foi a revelação de que ali era a tumba dos cadáveres da mãe e das irmãs de Paulo. Os três corpos tinham panos na cabeça e estavam de cabeça para baixo, pois foram jogados de cima pelo professor.



A investigação revelaria que no dia 4 de novembro Paulo matara a tiros a mãe e a irmã Maria Antonieta entre 9h00m e 10h00m e calmamente esperara por sua irmã Cordélia - a metrópole ainda era não era histericamente globalizada e as pessoas tiravam longos intervalos de almoço durante os quais voltavam para casa para uma tradicional refeição com a família. Depois de igualmente assassiná-la ele dispôs dos cadáveres no poço do fundo do quintal.

Revelados os corpos, Paulo pediu licença aos policiais para ir ao banheiro. Com a casa cercada e sem saída alguma daquele aposento, ele obteve a permissão. Instantes depois ouviu-se um tiro. Ao ser arrombada a porta, encontrou-se o corpo ensanguentado de Paulo, que pegara uma garrucha no caminho ao toalete e se suicidara para evitar o julgamento.



O suicídio de Paulo deixou a principal pergunta sem resposta: por quê? Aparentemente o doutorando em química era viciado em ópio e sofria de problemas mentais. Assim como ele, sua mãe Benedita e sua irmã Maria Antonieta também pareciam atacadas do mesmo mal e o professor não queria ter que arcar com a responsabilidade de cuidar delas. Havia também Isaltina dos Amaros, de 23 anos, enfermeira e ex-balconista, por quem Paulo estaria enamorado. Embora longe de sua época de fausto, sua família era quatrocentona, paulistana tradicional, e teria se oposto ao seu envolvimento com uma plebeia sem berço. Foi esta a visão encampada por Oswald de Andrade, que escreveu vários artigos na "Folha da Manhã" sobre o crime, aproveitando, como sempre (embora dessa vez algo equivocado) para esculhambar com o conservadorismo:

“Com a violência da censura ancestral, Paulo viu agigantar-se diante dele a família inútil. A
psicogênese do crime evidentemente já trabalhava o seu inconsciente. Chegou um momento
em que ele gritou NÃO àquela pobre gente que representava a incompreensão e o tabu das
velhas castas e dos superados preconceitos”.


A casa foi fechada e assim permaneceu por todos os anos 50 e quase toda a década de 60, quando, junto com várias outras naquela rua, foi demolida para a construção de um moderno arranha-céu de escritórios, com um projeto arrojado e, em certos aspectos, muito à frente de seu tempo (como uma garagem de 10 andares para 15 andares de escritórios).

O nome do arranha-céu? Edifício Joelma.


Hoje, em 1o. de fevereiro, completam-se 38 anos do maior incêndio em prédios no Brasil (à época o maior da história).







Fotos retiradas do site Geoportal, que mostra fotos comparativas da cidade de 1958 e 2008
Na primeira foto, de 1958, pode-se ver a casa da Rua Santo Antônio, que ainda não tinha sido demolida. Abaixo, a foto de 2008, já com o Edifício Joelma no mesmo lugar




Sem comentários: