janeiro 29, 2012

Eram Esses os Pacatos Anos 50????

Até recentemente desenhos animados de televisão tinham que ter a violência escondida. "Comandos em Ação", por exemplo, simplesmente mostrava UMA GUERRA em que ninguém se machucava aparentemente - de todo avião derrubado saltava um para-quedas e ninguém levava um tiro. Quando a coisa era mais violenta, ou era daqueles japoneses malucos, ou tinha sido feita originalmente para o cinema, como nos desenhos do Pernalonga e de Tom & Jerry. A tevê a cabo, que não está disponível no ar para qualquer um, acabou com isso. Animações mais inteligentes e violentas ganharam lugar e os pais é que decidem o que os filhos podem ver programando sua caixinha de acordo com suas crenças.

Com essa liberdade da tevê paga, é comum julgar os desenhos "violentos" de antigamente pura bobagem, mas existem algumas obras impressionantes ainda hoje. Principalmente quando a violência é mental e moral. O desenho abaixo foi produzido pela UPA nos anos 50, a década com fama de pacata em que os adolescentes estavam começando a se rebelar... mas na esteira dos quadrinhos de terror da EC e do Mad, começava na verdade uma doutrinação às crianças que questionava o estabelecido. E preparou o caminho para a contracultura. Frederic Wertham não estava tão equivocado assim.

O povo da UPA era um bando de animadores que, insatisfeitos com as condições de trabalho na Disney, resolveram abrir seu próprio estúdio. Enquanto o velho Walt mais e mais se dedicava a produzir filmes com atores e sobre a natureza, séries de televisão e parques temáticos, com sua invejável visão, menos atenção dava ao cerne de seu império, a animação. E a produção da casa, antes inovadora e disposta a experiências, começou a se repetir. A galera da UPA queria experimentar mais com a linguagem do desenho animado, usando temas mais complexos e, estilisticamente, com um maior distanciamento da realidade, sem a preocupação de fazer seus bonequinhos e cenários parecerem verdadeiros.

Pois bem, levando essa disposição até o fim, eles simplesmente pegaram uma das mais famosas histórias de terror do mais perverso grande escritor já nascido, Edgar Allan Poe, um dos maiores talentos a jamais deitar palavras numa página, e adaptaram num estilo expressionista narrado por James Mason, um dos monstros sagrados do cinema. Não espere concessões às sensibilidades infantis: a violência é chocante não por ser gráfica, mas por ser moral e onipresente no mundo do protagonista. Um psicopata. E a história é contada totalmente sob seu ponto de vista.

O uso de animação de uma forma tão efetiva e madura demoraria décadas ainda para voltar à cultura pop, apesar dos experimentos de Norman McLaren. "Fritz, the Cat", de Ralph Bakshi. seria o primeiro desenho voltado para adultos a experimentar sucesso. E o único durante muito tempo. Seria preciso outro estúdio ligado à Disney para acrescentar densidade aos temas infantis típicos dos longas animados, a Pixar. E, não por coincidência, com outro grande visionário (e cruel patrão), Steve Jobs, no comando.






Quer saber mais sobre animação e o cinema infantil em geral? Experimente o livro abaixo!

Infância e cinema infantil
de João Batista Melo



Lanterna mágica interessa a um grande número de leitores: críticos, historiadores e profissionais relacionados ao cinema, mas também pais, psicólogos e educadores. João Batista Melo oferece um estudo detalhado do cinema infantil, desde a sua origem, no início do século XX, até os tempos atuais. Além disso, o livro faz uma análise dos procedimentos narrativos e dos subprodutos gerados a partir dos programas infantis da TV brasileira.

·        João Batista Melo é diretor cinematográfico, graduado em Comunicação Social pela UFMG, especialista em Marketing pela UNA e mestre em Multimeios pela Unicamp.

Sem comentários: