Se hoje em dia o buraco na camada de ozônio está deixando ricos os fabricantes de filtro solar, já houve tempo em que a exposição direta aos raios ultravioleta era considerada benéfica. Nos anos 30, o médico dr. Renato Barbosa publicava na revista “Gaivota” que “raios ultravioletas no céu limpo do litoral têm uma ação benéfica, pois não refletem nos muros da cidade, atuando de forma livre na pele do curista.” Essa ideia era reflexo da Medicina Naturista, que surgiu na Europa no século XIX, em reação à inacreditavelmente rápida poluição das cidades com a Revolução Industrial movida a vapor.
O banho de mar começou a ser considerado uma prática terapêutica a partir do final do século XVIII, principalmente para males tropicais. A natureza levemente antibiótica da água salgada favorecia a cicatrização de feridas e o ativamento da circulação sanguínea dava uma sensação de bem-estar numa época em que ninguém praticava exercícios. Essa concepção de mens sana in corpore sano só iria voltar à moda no Ocidente quando o alistamento militar obrigatório difundisse a ginástica e o corpo perfeito se tornasse o outdoor ambulante das ideias positivistas dos milicos.
Também contribuía para os efeitos terapêuticos do mergulhinho o fato de que, sal ou não, areia ou não, o banhista estava, como o nome diz, tomando um BANHO. Sim, porque, embora no Brasil o hábito tivesse se disseminado entre os colonizadores a partir dos índios, lavar-se era considerado desde a Idade Média um pecado de vaidade. E luxúria, porque envolvia corpo nu (a má reputação das Termas romanas contribuiu também). Regras monásticas proibiam que seus congregados se banhassem mais de uma vez por ano. Além do mais, na era pré-encanamento, em que os dejetos eram coletados em urinóis e atirados à rua pela janela (ou, no Rio, no mar por escravos), era difícil acesso a água limpa em casa. E regras de pudor desaconselhavam a prática em locais públicos.
Dom João VI tinha famosamente hábitos pouco recomendáveis de higiene. Entretanto, atormentado por uma picada de carrapato infeccionada na perna e por insistência de seu médico, ele teve que tomar a drástica decisão de banhar-se. Para tanto, foi adquirida uma quinta no então elegante bairro de São Cristóvão, que além a elegância tinha praia, que passava por toda a extensão da rua Monsenhor Gomes. C. J. Dunlop assim a descreve: "Era uma região belíssima, de praias com areias branquinhas e água cristalina, onde não era rara a visão do fundo da Baía, tendo como habitantes comuns os camarões, cavalos-marinhos, sardinhas, e até mesmo baleias."
"D. João VI, hoje é seu dia no barril..."
Com fobia de ser mordido por siris, o monarca primeiro entrava num barril furado dos lados, para depois ser levado até a água por escravos. Uma vez que já tinha a casa de praia, a Família Real acabou adquirindo o hábito do banho de mar, mantido até por D. Pedro II. A quinta onde trocavam de roupa e repousavam permaneceu preservada e é hoje um dos museus do Rio de Janeiro. Administrada pela Companhia de Limpeza Urbana, a Comlurb, conta a história da higiene através dos tempos, faz parte hoje hoje do Caju, bairro que surgiu ao ser separado de São Cristóvão pela Avenida Brasil. Toda a área guarda uma aparência de subúrbio dos anos 60 ou cidade do interior dos anos 70 e vale a visita, mesmo que não haja mais uma praia. O que não adiantaria muita coisa, já que a poluída Baía de Guanabara não é recomendável para banhos.
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