dezembro 07, 2021

Bond, o Subversivo parte 1

 Na postagem que fiz sobre o Sérgio Moro, afirmei que James Bond, quando apareceu no cinema, era um personagem subversivo. Como o capanga pessoal da Rainha da Inglaterra, servo do mais clássico império colonial europeu, machista comedor  e misógino pode ser subversivo? O homem é um ícone conservador, um fascista com um charme arrebatador, mas um fascista claramente racista. Como assim ele era subversivo?


O Satânico dr. No deve ter batido nas telas com um impacto impressionante. Levado pelo meu pai pra assistir, num festival no velho Coral/Scala, 13 anos depois, me foi um  choque. Naquela época mocinhos cínicos e sexualmente ativos eram Censura 18 anos - e essas coisas não passavam na tevê, pelo menos não num horário assistível para moleques de 10, 11 anos. Ver o mocinho (!!!) calmamente levar pra cama uma vilã (nem um pouco disposta, mas precisando fazê-lo pra manter o plano), imediatamente em seguida pô-la na mão da polícia, armar uma isca para um assassino e aguardá-lo jogando paciência (e tomando uma vodka) e, finalmente, enroscar o silenciador e explicar para o sujeito que ele descarregou a arma  enquanto o enche de tiros foi a realização de velhas fantasias infantis que os filmes nunca levavam até o final. Por boas razões, inclusive, já que isso acabaria levando à cultura pop exaltando o vigilantismo, de Dirty Harry às infindáveis séries policiais em que o herói não  pode agir por motivos políticos, legais ou similares.


A misoginia de Bond também faz hora extra na cena de cama com a cúmplice do assassino. A vilã não está com a menor disposição, mas precisa prosseguir para manter a armadilha para 007. Não parece nem um pouco provável que, nesse clima, o sexo tenha sido bom. Mas James deve ter curtido de montão. Seu objetivo é humilhá-la. Puni-la. É um estupro. Um jogo de poder. E, para adicionar racismo à injúria, ela é a única das amantes do agente secreto que não é branca.


Mas, se a mulher for caucasiana, James Bond está disposto a celebrar sexo por prazer e, neste ponto, já é bem mais subversivo do que todo o cinema americano, onde os casais casados ainda precisavam dormir em camas separadas. Naquela minha apresentação a 007 no Coral/Scala, quando ele ganha um jogo de cartas de altas apostas de uma mulher sexy e misteriosa, só para encontrá-la nua (ok, com uma camisa masculina e salto) em seu quarto em seguida, eu REALMENTE comentei com meu pai, “será que ele não percebe que ela é uma espiã?” E eis que ela NÃO era, supõe-se que tenham tido bom sexo e nunca mais ouvimos falar dela. Aliás, não, Sylvia Trench reaparece em “Moscou contra 007”.


Eu mesmo nunca reparei que a mulher com quem Bond está fazendo um piquenique no começo da segunda fita é a mesma Sylvia Trench. Tudo bem que os criadores não puderam deixar de comentar que ela ficou excitada por ter sido derrotada pelo 007, mas a verdade é que ela é uma mulher independente - inclusive financeiramente -, que frequenta aristocráticos clubes ingleses e que dá pra quem quiser. E sem compromisso. Depois de Moscou contra 007, ela some de vez, mas não deixava de ser, na época, relevante que uma bela mulher tomasse a iniciativa de um relacionamento basicamente sexual, sem ser punida, assassinada ou revelada como espião.


Mas não é essa a subversão à qual eu estava me referindo quando escrevi sobre o Moro. É outra, referente a jogos de poder e posição na sociedade. Mas fica pra próxima postagem.

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