outubro 31, 2006

Jam Session

- Eu sei o seu segredo.
- De novo esse papo?
- Como assim, de novo?
- Eu não tenho segredos. Nada tenho a esconder.
- Então por que fica na defensiva?
- Me larga.
O Carlos desliga o telefone. Mas há algo de bastante estranho. Sua vida está bastante estranha. Sua casa está bastante estranha e até o café que ele anda tomando está bastante estranho.
Principalmente porque é chá.
E ele nunca comprou chá, então como o chá foi parar, pronto e preparado, em seu colo, enquanto ele atendia o telefonema de um estranho que sabia dizer o seu segredo?
Só havia uma explicação.
Este era o seu segredo.
O chá.
O bina! Talvez o bina tivesse o número de quem ligou e que poderia explicar o segredo do chá!
Então ele lembra que não tem o bina.
E que Obina era uma banda de world music nos anos oitenta. Obina Shok. Ou algo assim. E seu maior hit tinha o refrão Obina Obina Obina... Obina Obina Obina.
Eles cantavam em africano, mas eram brasileiros.
E africano não é exatamente uma língua, todos nós sabemos.
São várias. Mais dialetos. E outras formas de comunicação não-convencional que mal cabem em nossa ocidentalizada mentalidade.
Porque temos as nossas próprias comunicações não-verbais.
O que mais aquele telefone teria comunicado secretamente, não-verbalmente, intrinsecamente?
Ele precisava adivinhar.
O chá!
Adivinhar!
O chá!
Adivinhar!
O chá!
Adivinhar!
O chá!
Isso! Adivinhos liam o futuro nas folhas de chá na xícara.
Mas as folhas de chá estavam no saquinho.
Como os adivinhos faziam?
Se ele ao menos soubesse.
Se ao menos soubesse o seu segredo, que aquele misterioso interlocutor sabia, ele saberia.
Mas ele não sabia.
Não sabia nem como voltar pra casa.
Porque aquela não era a casa dele.
Ele tinha certeza.
Então ele pousou a chávena de chá perto do samovar de prata czarista, vestiu-se, cobriu o cadáver da bela e jovem mulher nua ao seu lado na cama e saiu.
E o dia mal começara.

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