novembro 01, 2009

Brigitte Helm

Ainda estamos falando de METROPOLIS, o filme descoberto na Argentina, segundo a postagem aí de cima. Eu justamente achei os saites falando sobre a descoberta porque acabei de rever a fita silenciosa do Lang. Eu a tinha visto duas vezes, a primeira na TVE, , muitos anos atrás e sem prestar muita atenção, numa sessão que eles faziam semanalmente com clássicos do cinema mudo (e com legendas em alemão, lembro-me claramente do filhinho de papai falando "Vater!"(1)) e debates em seguida - foi assim que comecei a me interessar por linguagem cinematográfica, numa época em que videocassete era coisa de rico e tevê a cabo só em ficção científica.

A segunda vez em que vi Metropolis, foi quando todo mundo reviu, quando o Giorgio Moroder, o produtor que inventou Donna Summer e ganhou uma grana fazendo trilhas cinematográficas eletrônicas, relançou o filme com cenas colorizadas e música pop contemporânea, aproveitando o visual art-decó então em voga com a new wave e a escola de Memphis. A versão de Moroder restaurava a história original, incluía algumas fotos estáticas para cobrir pedaços que faltavam e cortou os intertítulos, substituindo-os por legendas, o que causava algumas vezes saltos nas cenas, já que, quando separadas pelos textos, não precisavam dar continuidade à sequência anterior. Mesmo assim, funcionava bem e foi a versão que saiu em VHS.

Já o corte a que eu assisti esta semana é a restauração de 2001. Pedaços de filmes foram juntados de diversas fontes e acesso ao roteiro original e a anotações de produção mostraram onde eles se encaixavam. Onde não foi mesmo encontrado material entraram legendas contando o que deveria estar acontecendo. Depois de uma turnê mundial, a fita foi transcrita para DVD e deveria sair em blu-ray este ano, o que foi postergado devido à descoberta da versão completa, que já está sendo trabalhada para fazer sua premiére mundial no Festival de Berlim de 2010.

A única reclamação contra a versão atual em DVD é a velocidade de projeção. A maioria das fitas silenciosas era filmada a 16 quadros por segundo. Algumas cenas, principalmente correrias em comédias e ação em dramas, eram feitas a velocidades ainda menores, para que parecessem mais rápidas na hora da exibição. Mas não havia uma norma, e as películas podiam ir de 14 a 26 quadros por segundo.

Com o som veio a padronização em 24 quadros por segundo. Os projetores passaram a ser construídos para funcionar a esta velocidade e assim os filmes mudos, quando exibidos, passavam a ter aquela movimentação frenética e exagerada que muita gente passou a associar ao cinema d'antanho. As cenas filmadas então ainda mais lentamente viraram verdadeiras palhaçadas que ninguém podia levar a sério.

No entanto, com o vídeo doméstico, principalmente a partir do laserdisc e depois com o DVD, os filmes mudos puderam reencontrar a velocidade para a qual foram pensados. O blogueiro, por exemplo, sempre entendeu que O GABINETE DO DR. CALIGARI era um filme seminal para a sétima arte, mas passou a gostar muito mais dele depois que viu a versão digital, com os personagens se movendo com mais naturalidade e seriedade. Sempre que a fita passava no cinema, podia se contar com o público caindo na gargalhada pelo menos na hora em que o pai da mocinha corria até a cama vazia e se atirava nela desesperado por sua filha ter sido raptada pelo Conrad Veidt(2).

A turnê mundial de METROPOLIS exibiu o longa a 20 quadros por segundo, dando gravidade aos momentos mais dramáticos e seriedade no resto da fita. Segundo contam, é claro. Fritz Lang deu à sua obra tons expressionistas e nunca foi muito chegado ao naturalismo, daí ser até passável a velocidade maior, que de certa forma combina com a estilização das atuações. Mas talvez o filme realmente ganhe mais majestade e seriedade projetado na velocidade em que foi filmado (3).

Mas esses parágrafos todos aí em cima foram uma digressão. Em sua atual versão restaurada, METROPOLIS realmente já funciona como um filme coeso, embora com o final meloso e picareta. E o que mais chamou a atenção do blogueiro foram as atuações, mesmo que fora de sincronia. Rudolf Klein-Rogge, depois de criar nas telas o supervilão maquiavélico e manipulador que todo mundo imitaria depois, o dr. Mabuse, aqui encarna um arquétipo de cientista louco. E enloquecido porque o principal cidadão de Metrópolis roubou sua mulher, que morreu no parto do filho dele, o mocinho (4). Alfred Abel é frio e contido com inferiores, condescendente com Rotwang, o cientista louco, e ajoelha lentamente com as mãos na cabeça ao ver o filho correndo pelos telhados lutando por Maria.


Mas a melhor de todas, que nunca tinha chamado minha atenção, é Brigitte Helm. Fazendo o duplo papel que atores adoram, ela, aos 19 anos, está sensacional. Parece duas mulheres diferentes mesmo. A foto ilustra o nascimento de sua contraparte maligna, quando o robô ganha suas feições. Basta ela abrir os olhos para sabermos que essa roboa não é boa coisa. Depois ela ainda vai fazer uma dança seminua (que realmente, à velocidade de 24 quadros por segundo parece mais uma comédia do que algo erótico). As suas duas versões se movem de maneiras completamente diferente. E, apesar de toda a estilização sua pantomima nunca cai no exagerado.

Helm ainda mataria a pau na versão muda de Alraune, como uma mulher criada artificialmente e que se mostra uma vadia que faz um jogo de sedução com o próprio pai, filme do qual o blogueiro só viu as fotos e pode dizer logo de cara que ela parece outra mulher completamente diferente.

Helm faria sucesso no mercado internacional ainda com Gold e Atlântida, de G. W. Pabst, em que mostrava que poderia muito bem ser aproveitada por Hollywood, com uma excelente dicção na versão em inglês(5). Mas em 1935, aos 27 anos, apenas oito depois de estrear no cinema com METROPOLIS, ela cansou dos nazistas e largou a sétima arte pra ir morar na Suíça com seu segundo marido, com quem teve quatro filhos. Hoje em dia soa tão estranho alguém largar o estrelato pra levar uma vida tranquila, ainda mais com toda a capacidade, sensualidade e beleza que conseguia projetar que é quase alienígena nesta época de Big Brothers e afins.

(1) Será que a TVE também tinha uma versão completa do filme? Pena que não prestei muita atenção.

(2) Em 2005, com a mania da "tela verde" a pleno vapor (lembram do Capitão Sky?), David Lee Fisher refilmou Caligari como um filme falado, muitas vezes pondo os novos atores digitalmente nos cenários da fita original, seguindo a maior parte do tempo enquadramento a enquadramento o clássico de 1919. O blogueiro tem curiosidade em ver esse troço.

(3) Os produtores do DVD, da Kino, uma firma bastante empenhada em recuperar a história do cinema, alega que o longa originalmente foi exibido a 24 quadros por segundo, mas seus críticos dizem que foi contra a vontade de Lang, para tentar diminuir as mais de três horas originais de filme.

(4) Na vida real, a roteirista de METROPOLIS, Thea von Harbou, futura nazistona (como se poderia prever pelo final que deu ao clássico), era esposa de Fritz Lang, que a "roubou" do amigo... Rudolf Klein-Rogge. Que nervos os da mulher, hein?

(5) Por causa de sua atuação como a roboa (6), Helm chegou a ser considerada para o papel principal de A NOIVA DE FRANKENSTEIN.

(6) A roboa, em sua forma metálica, era feita de plástico moldado sobre um modelo em gesso de Helm. Era ela mesma quem estava dentro da coisa, por exigência de Lang, que fez ouvidos moucos às reclamações da atriz de que o troço era incômodo, machucava, cortava, e o público jamais saberia se ela estava ou não ali dentro.

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