(Not) a Love Song, de Alain Buffard
Muitos anos atrás, havia uma historinha contada no mundo do espetáculo quanto ao amor do brasileiro por musicais. Ele veria um cartaz no cinema anunciando “O maior musical do ano”, com “o maior astro de musicais” e com canções do “maior compositor de musicais”, entraria pra ver o filme e quando os atores começavam a cantar, se lamentaria, “ah, não, começou a cantoria”.
Mas isso foi antes de Charles Moeller e Cláudio Botelho. De cerca de quinze anos pra cá, o musical tornou-se um negócio lucrativo – talvez o mais lucrativo – nos palcos brasileiros. Tentando abocanhar uma fatia destes lucros, criou-se um mercado paralelo de produções com poucos atores dobrando em muitas cenas, uma seleção musical saudosista refletindo o gosto do criador e coreografias simples. Não, eu não estou dizendo que “(Not) A Love Song”, de Alain Buffard, seja assim. Falta acrescentar aquele clima pretensioso e desconexo de agressivos atores recém-formados que não estão dispostos a se vender ao sistema.
O espetáculo apresenta-se como o primeiro musical trágico (o que foi feito de “Cabaret”?), concentrando-se no sadismo nas relações com o outro, mas falta violência e pegada em toda a sua concepção, preferindo a saída fácil da ironia – qualquer sitcom da Sony está recheada de ironia quanto a relações amorosas.
Se o tema é sadismo, não é possível fazer um espetáculo bonitinho. Alain Buffard nasceu em 1960 e em cinco minutos de espetáculo pode se perceber que foi no fim dos anos 70/início dos 80 – a era do punk e new wave - que se deu a maior parte de sua formação intelectual. Até a seleção musical – Iggy Pop (que o Zé e o Gláuber, o Velho, foram ver este fim de semana em Sampa), Velvet Underground, Lou Reed – entrega sua faixa etária. Amour fou (“Femme Fatale” está na trilha sonora) era uma obsessão dos eighties, mas os Betty Blues e Mauvais Sang envelheceram mal pacas e o que ficou de bom da década foram as mulheres fatais dos quadrinhos de Max e a ultraviolência de Liberatore. Aos dois (e a muitos outros companheiros seus) sobrava sinceridade e, principalmente, uma visão pervertida das relações humanas.
Para um espetáculo de dança de música popular, as coreografias são mais simples do que minimalistas, havendo cenas em que os atores cantam as músicas sentados e parados. O cenário não tem unidade, com um sofá, palanques e cabides com cara de espalhados pelo palco. E os cabides seguram figurinos sem graça e, herança dos anos 80, monocromáticos. E o pior, o que às vezes salva esses musicais de segunda linha em teatros de galerias comerciais decadentes, as criativas recriações das canções, às vezes reinventando-as em outros contextos, estão completamente ausentes aqui. As músicas têm relações óbvias com a proposta - “I wanna be your dog”, “Femme fatale”, “(Not) a love song” - e seus arranjos são fiéis aos originais o mais possível, empobrecidos para serem acompanhados por um único sujeito – olha a cara de submusical aí de novo -, esse sim com uma cara marcante de personagem de filme noir.
Enfim, um espetáculo que se quer trágico e sádico sem a pegada, sem violência e sem originalidade. Bota ele num teatro menor em Copacabana que nos fins de semana, no horário vespertino vai encher de van do povo que curtiu muito (os chatos) Jean Jacques Beneix e Leos Carax (a corrida na rua do sujeito depois de passar um tempo com a Juliette Binoche é muito melhor do que qualquer coisa no musical do Buffard) e afins. Esse povo, que lotava o Estação Botafogo quando ele começou, afinal de contas já está ficando velho e chegando na idade de se aposentar também – assim como esse tipo de show que é “(Not) a love song”.
novembro 08, 2009
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