junho 03, 2010

A História da Copa do Mundo - A Copa de 1994



A COPA DE 1994 - A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM

Desde 1986 os fanáticos brasileiros haviam desistido de proclamar um conterrâneo o maior jogador do mundo. Maradona, Platini, Gullitt e Van Basten tinham todas as honrarias. E nem mesmo o mais fanático torcedor tentaria dizer que Careca, o astro da canarinho, era o maior boleiro do planeta. A seleção de Lazaroni carregava implicitamente essa idéia. Abandonava qualquer pretensão de trupe de gênios para tentar ser uma organizada equipe usando os muitos excelentes atletas disponíveis. Não foi à toa que o próprio Lazaroni declarou que sua equipe era o começo de uma nova era no nosso futebol, uma era não de craques brilhantes, mas de ótimos atletas taticamente disciplinados. Como exemplo, ele citou o grande capitão Dunga. A imprensa imediatamente começou a dizer que ele anunciava a aurora da "era Dunga".

Não deu certo, mas um dos problemas é que todos os olhos estavam voltados para a ex-dupla de frente do São Paulo e não deu a atenção devida a um baixinho genial, prejudicado em sua luta por uma vaga por jogar no obscuro campeonato holandês. Romário foi posto na reserva e acabou ganhando a companhia de Bebeto, quando Muller foi efetivado ao lado de seu ex-companheiro Careca. A maior linha de ataque dos anos 90 ainda teria que esperar 3 anos para voltar a jogar, até as eliminatórias de 1993.

Enquanto isso, a FIFA jogava a toalha. O futebol estava se tornando um espetáculo aborrecido e entediante e os grandes craques eram não os excepcionais armadores, mas os finalizadores capazes de aproveitar as raras chances que aparecessem durante uma partida. O órgão que zela pelas regras do esporte, a International Board, aprovou uma ligeira mudança na regra do impedimento: a partir de então, se um jogador estivesse na mesma linha que o penúltimo adversário, ele estaria em condições de proseguir no lance. Também passaram a haver menos hipóteses do atacante estar impedido sem tocar na bola.

Os jogadores foram também proibidos de atrasar a bola para o goleiro pegar com a mão. Os VTs dos jogos de 1990 mostram a que ponto chegara esse recurso: um time avançava, tocava a bola em busca de uma brecha e, se não a encontrasse, recuava-a para o arqueiro. Com a mudança dessa regra o jogo tornou-se surpreendentemente muito mais ágil. A marcação sob pressão tornou-se mais eficiente. O tempo de bola rolando aumentou muito.

Mas o mais importante foi o reconhecimento de que o protagonista do esporte era o craque. Os juízes foram instruídos a reconhecer esse princípio e fazer valer as regras sobre cartões: qualquer falta intencional, feita para interromper a jogada, deveria ser punida com cartão amarelo. A infração não precisava ser violenta, apenas deveria ser visível que o defensor não tentou a bola, apenas o atacante. Pouco antes de começar a Copa, eles fariam ainda outra importantíssima modificação: a vitória, que durante mais de cem anos valera 2 pontos, passaria a valer 3. O empate perdia sua atração.

Ao mesmo tempo, uma nova geração de treinadores chegava aos clubes e seleções mais importantes. Nos anos 80, além da vitória da Itália na Copa, quem estava no comando dos principais times eram ex-jogadores e estudiosos que tiveram sua formação nos anos de ouro do futebol-força, nos anos 60. Era o caso de Beckenbauer, Billardo e Lazaroni. Na década de 90, foram aqueles que vivenciaram o futebol total e a era da intensa movimentação que começaram a ocupar os cargos de técnico, como o próprio craque-símbolo do carrossel, Cruyff.

Aliás, a seleção canarinho deve muito a Cruyff. Foi ele quem tirou Romário do PSV Eindhoven, levando-o para o clube que treinava, o Barcelona e recolocando-o no palco principal do futebol mundial. Foi a partir daí que os brasileiros lembraram dele e começaram a pedir sua volta à amarelinha. Até então Careca ainda era reverenciado como a grande estrela do Brasil.

Depois do fracasso de 1990, voltou novamente aquele papo de jogadores sem espírito de seleção e que era necessário amor à camisa. Falcão, que havia pendurado as chuteiras e comentou a Copa para a tevê, chamou a atenção por seus comentários elegantes e precisos. Com uma forcinha da imprensa e da opinião pública ele foi escolhido o novo treinador da CBF. Sua estréia foi num amistoso contra a Espanha. Somente atletas jogando no Brasil foram chamados. Os canarinhos perderam de 3 x 0. Para se ter uma idéia do sentimento geral, Falcão declarou depois da surra: "meus jogadores ficaram envergonhados com a derrota. Eles ainda têm vergonha de perder".

Sendo assim provavelmente eles passaram por tremendos constrangimentos, já que uma sequência de péssimos resultados arrasou o prestígio da amarelinha. Falcão foi mandado embora e, imitando seu sogro quase quarenta anos antes, Ricardo Teixeira, o presidente da CBF que era genro do Havelange, resolveu diminuir os poderes do técnico e submetê-los a uma comissão técnica. Parreira passou a ser o treinador da seleção e Zagallo ganhou um vago cargo de "supervisor", cujas funções até hoje não são muito claras.

Os dois armaram um time para uma excursão na Europa em 1992 que teve bons resultados e ótimas apresentações. O meio-campo era ofensivo, com Mauro Silva, Júnior (aquele mesmo, em esplêndida fase aos aos 38 anos), Raí e Luís Henrique. Este último era a única boa descoberta de Falcão. Raí era o símbolo do novo time do Brasil: irmão caçula de Sócrates, nem de longe tinha a técnica do doutor, mas compensava com condição física muito superior. Sob sua liderança, o São Paulo, treinado por Telê Santana, ganharia tudo no começo dos anos 90, tornando-se bicampeão mundial interclubes, igualando o feito do Santos de Pelé, e perdendo um terceiro título da Libertadores nos pênaltis, em casa.

Mas no ano seguinte, ao começarem as eliminatórias, o time começou a ratear. Careca, aos 33 anos, jogava no pouco competitivo campeonato japonês e estava em visível declínio. Nem sequer conseguiu influenciar o técnico para escalar Muller, embora o atacante estivesse no banco. Júnior foi descartado por estar muito velho para uma competição tão acirrada. E Luís Henrique começava a sofrer com os problemas físicos que encerrariam sua carreira prematuramente. Em lugar do ponta-de-lança Parreira escalou Dunga, revoltando toda a torcida.

Por emprestar seu nome à "era Dunga", o excelente volante ficou marcado como atleta grosso, limitado e sem recursos. Nada mais longe da verdade. Soberbo no desarme, com esplêndido senso de colocação, Dunga era o melhor passador da seleção: atravessava jogos inteiros sem errar um passe. Era também bom lançador e multiplicava-se em campo, defendendo e atacando, chamando a si a responsabilidade quando a partida ficava difícil. Mas ninguém enxergava isso. Sem vê-lo fazendo malabarismos com a bola ou dando dribles maravilhosos sem sair do lugar até acabar desarmado (como, por exemplo, o improdutivo Denílson), todos achavam que ele era apenas um quinto zagueiro, capaz apenas de dar carrinhos e fazer faltas.

Depois de uma péssima estréia contra o Equador, empatando em 1 x 1, o Brasil fez uma apresentação pior ainda contra a Bolívia. Sem tempo para uma aclimatação à altitude de mais de 3 quilômetros, lutando contra a falta de ar, o time perdeu sua primeira partida em eliminatórias. Depois de pegar um pênalti, Taffarel, provavelmente sem oxigenação no cérebro, simplesmente jogou uma bola para dentro. O placar de 2 x 0 refletiu o domínio boliviano. Careca pediu para ser dispensado e foi atendido. Os brasileiros não teriam problemas para golear a Venezuela em seguida e em mais um jogo defensivo, empataram em 0 x 0 contra um medíocre Uruguai.

A essa altura, Romário era pedido até pela imprensa paulista, que sempre suportara Muller. Marcando golaço atrás de golaço no Barcelona, o Baixinho se em entrevistas prontificava a comandar o ataque brasileiro. Mas Parreira e Zagallo relutavam em chamá-lo. Tinham seus motivos.

Convocado para um amistoso contra a Alemanha, Romário chegou ao Brasil e soube que não seria escalado como titular. Imediatamente pegou um avião de volta para a Europa. A comissão técnica não queria que jogadores impusessem sua vontade sobre o treinador. Não desejavam repetir os erros de 1990. Por isso o artilheiro foi tirado de seus planos.

Mas pela primeira vez na história a classificação perigava. A Bolívia, aproveitando-se de uma tabela que marcara seus quatro primeiros jogos em casa, a mais de 3 quilômetros de altura, ganhou todos eles e ainda se beneficiou de uma vitória logo em seguida sobre a fraquíssima Venezuela. O New York Times abriu manchete apontando o nascimento de uma nova força no futebol mundial, capaz de vencer 5 jogos seguidos, inclusive contra os ex-campeões Brasil e Uruguai.

Por incrível que pareça, os bolivianos acreditaram que era o brilhante futebol de Etcheverry e amigos, e não os quase 4 quilômetros de altura, que eram os responsáveis por tal desempenho. Em seu primeiro jogo em um lugar decente para se jogar futebol, ao nível do mar, enfrentaram o Brasil e partiram para cima, absolutamente crentes de que eram melhores do que os canarinhos. Tomaram de 6. Seis a zero e não viram a cor da bola. Ainda acreditando em sua superioridade, culparam o calor pelo resultado. Eles não venceriam nenhum jogo a menos de 3 mil metros, mas ainda assim se classificaram e chegando à Copa acreditando que surpreenderiam.

O Brasil venceu o Equador, graças a uma brilhante atuação de Dunga, e a Venezuela. Para se classificar precisava apenas de um empate contra o Uruguai. No Maracanã. Epa. Isso soa familiar.

Mas enquanto isso, vendo que o sujeito escalado para ser o craque do time, Raí, não conseguia se encontrar, a comissão técnica começou a iniciar contactos por telefone com Romário. Depois que o baixinho aceitou sujeitar-se às regras da seleção, Muller simulou uma contusão para que a CBF pudesse inscrever o artilheiro do Barcelona. Ele chegou, treinou duas vezes com o time, foi escalado no comando de ataque... e o resto é história.

Os uruguaios passaram noventa minutos correndo atrás do Baixinho. Se ele estivesse um pouco mais inspirado nas conclusões teria sido uma goleada histórica. Cada vez que pegava na bola levava a defesa inteira e invadia a área. Os platinos não passavam do meio-campo, apavorados com aquela criatura impiedosa que tinha que estrear logo contra eles. Eles conseguiram se segurar até os 26 minutos, mas em mais uma grande jogada Romário abriu o placar. Dez minutos depois ele, quem mais, dá números finais à partida: 2 x 0.

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A Copa de 1994 foi a primeira em que os uniformes passaram a exibir obrigatoriamente o nome dos jogadores, além do número também no calção.

Finalmente após tantos anos o Brasil tem de novo um candidato ao posto de melhor do mundo. Romário torna-se instantaneamente uma lenda. O Baixinho, que sempre gostou de ser o centro das atenções, manipula confortavelmente sua idolatria. Espertamente, alegando a campanha do Barcelona, ele não participa de mais nenhum jogo até a Copa pela seleção, preservando sua imagem. A seleção tem um time titular escalado, um esquema inegavelmente defensivo, voltado para o que um craque conseguir produzir.

Fechando o meio e salvaguardando a zaga estão Dunga e Mauro Silva, no auge da forma. Os dois são ferozes cães de guarda da meia-cancha e, uma vez retomada a bola, saem jogando sem cometer um erro. Tão eficiente é seu bloqueio que a seleção jogou o Mundial com sua quarta dupla de beques: Mauro Galvão e Júlio César têm problemas com a CBF, Mozer apresentou-se doente, Ricardo Gomes contunde-se num amistoso contra o Canadá uma semana antes da Copa e Ricardo Rocha sai mancando na estréia contra a Rússia. Somente depois de todas essa baixas entram Aldair e Márcio Santos. Ainda assim a defesa brasileira é um dos pontos fortes dos canarinhos. Sintomaticamente, nem Aldair e nem Márcio Santos repetiriam tal desempenho sem os dois grandes cabeças-de-área à sua frente.

Mas foi a linha com Romário e Bebeto que deu novamente ao Brasil o status de um dos principais favoritos da competição. Os alemães vinham com praticamente o mesmo time de 1990, envelhecido e sem novidades. A Itália trazia um Baggio bem mais amadurecido para comandá-la. A Colômbia, desde que empatou com os germânicos tocando a bola passou a ser considerada pelos europeus a única nação sul-americana a honrar a tradição de jogo bonito. Olhando o toque de bola bonito e improdutivo de Valderrama, que tanto onerava seus companheiros Rincón e Asprilla, só se pode pensar que a turma do Velho Mundo realmente preferia mesmo era que os terceiro-mundistas ficassem com suas brincadeirinhas dando espetáculos de malabarismo enquanto eles, com sua característica seriedade de adulto, ganhassem. A única grande credencial dos colombianos tinha sido uma vitória de 5 x 0 sobre a Argentina em Buenos Aires, nas mais estranhas circunstâncias.

Como o Brasil, os portenhos tiveram que enfrentar nas eliminatórias a altitude e chegou ao jogo final precisando ganhar da Colômbia. Apesar de pressionar o tempo todo, não conseguiu ameaçar a meta adversária e tomaram um gol de contra-ataque. No segundo tempo, atacando no desespero, viram outras quatro bolas roubadas acabarem no fundo das redes. Os colombianos acertaram praticamente todos os chutes e não desperdiçaram nenhuma chance. Os argentinos foram para a repescagem. Por causa disso resolveram repescar Maradona.

Don Diego começara a ter problemas com drogas, como don Corleone antes dele. Flagrado num exame antidoping em 1991, que apontou o consumo de cocaína, Maradona foi suspenso por 15 meses. Nesse ínterim, sem jogar, Dieguito foi se tornando cada vez mais parecido com seu instrumento de trabalho, a bola. Transferiu-se do Nápoli para o Sevilla e em 1993 estava de volta à Argentina, rotundo, redondo e improdutivo. Mas fez um dos gols que garantiu a classificação na repescagem, numa cobrança de falta, contra a Áustralia.

Passarella, o líbero e capitão de 1978, assumiu o comando da seleção e sua primeira providência foi mandar seus jogadores cortarem o cabelo. Segundo o treinador, longas melenas faziam o atleta se desconcentrar, obrigando-o a passar a mão na cabeça várias vezes na partida. Daí se imagina a disciplina tática que ele exigia.

E assim os portenhos foram para a Copa com o redondo e o Redondo (Nestor Redondo, genial volante). E surpreenderam o mundo quando estrearam contra a Grécia, contando com um Maradona quase 15 kg mais magro do que um ano anterior. Ao seu lado, Caniggia, que também vinha de uma longa suspensão, também ostentava excelente condição física. O baixinho fez um golaço e os gregos caíram de quatro. Na comemoração, don Diego correu para a câmera e urrou, ameaçador. Essa imagem seria usada contra ele mais tarde.

No grupo argentino também estava a Bulgária de Stoichkov, a outra estrela do Barcelona. Para se ter uma idéia da personalidade dele, basta dizer que Romário, apesar de ser amigo dele, achava-o "marrento demais". O mundo inteiro queria ver como o time do artilheiro iria na Copa. Eles entraram em campo, cantaram o hino e de repente teve um arrastão.

O desconhecido time da Nigéria deu-lhes um baile. Altos, fortes, rápidos, habilidosos, os nigerianos deram um banho técnico, tático e físico sobre os europeus. O 3 x 0 saiu barato. E ficou todo mundo querendo ver os renovados argentinos contra esses africanos.

Foi um jogão. Os africanos bateram muito, mas os argentinos, comandados pelo esguio Maradona, saíram de uma desvantagem aos 8 minutos para virar o jogo com dois gols do recuperado Caniggia, aos 21 e 28. Don Diego foi escolhido para o antidoping. E o exame acusou a presença de efedrina.

Efedrina é um estimulante encontrado em remédios para desentupir nariz. Também é usado em moderadores de apetite, remédios para dietas. Maradona veio com uma história que a FIFA, para que ele pudesse jogar e valorizar o Mundial, teria entrado em acordo com ele, permitindo-lhe o uso desses remédios. Obviamente nunca foi apresentada nenhuma evidência dessa estapafúrdia lorota.

Assim que estourou o escândalo, Caniggia foi imediatamente sacado do time, com uma contusão mal explicada, levantando a suspeita que ele também teria se recuperado da longa suspensão com métodos químicos. Os portenhos, sem seus maiores astros, enfrentram Stoichkov e perderam de 2 x 0. Como todo mundo goleou a Grécia, os argentinos passaram de líderes incontestes a terceiros colocados na chave em um jogo. Com isso a outra grande surpresa da Copa estava em seu caminho: a Romênia de Hagi.

Numa era em que as seleções ainda estavam redescobrindo os armadores, um tanto desacostumadas, Hagi mostrou o que valia um meia orquestrando a meia-cancha. Os colombianos entraram contra a Romênia absolutamente confiantes, julgando-se invencíveis. O canhoto romeno comandou um ataque habilidoso e técnico e eles fizeram 1 x 0 aos 15. Aos 34 ele percebeu o goleiro Córdoba adiantado e com sua precisa perna esquerda, encobriu-o para fazer 2 x 0. Higuita havia saído, mas a Colômbia continuava com problemas em sua meta. O jogo terminou 3 x 1.

No jogo seguinte foi a vez dos romenos entrarem desprezando os adversários. Tomaram de quatro dos suíços, que haviam empatado com os americanos na primeira rodada. Já os estadunidenses pegaram uma Colômbia nervosa e como sempre, desorganizada na defesa. O zagueiro Córdoba fez contra as próprias redes aos 35. Os colombianos se desesperaram e num contra-ataque tomaram 2 x 0. Ainda descontaram no final.

Com tantos resultados contraditórios na chave, mesmo a goleada da Colômbia de 4 x 0 sobre a Suíça não classificou os colombianos nem na repescagem. A Romênia tinha ganho dos americanos por 1 x 0 e iria encarar os argentinos.

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O gol contra de Córdoba lhe custaria a vida. De volta ao país, o defensor foi abordado por um apostador que perdera muito dinheiro com a derrota da seleção. Os dois começaram a discutir e o jogador acabou sendo baleado.

Ao lado de Brasil x Holanda, foi o melhor jogo da Copa. Os dois times apresentaram um futebol técnico, de toques curtos e rápidos, perdendo chances de aldo a lado. Os romenos venceram por 3 x 2, mas os argentinos poderiam ter ganho. O problema com Maradona e Caniggia atrapalhara todos os seus planos e foram até mais longe do que se esperava, depois de tudo. Foi a despedida de Maradona da seleção. A FIFA o baniria por reincidência no uso de drogas.

Os bolivianos chegaram à Copa ainda achando que eram bons de bola. Saíram com um mísero empate com a Coréia, que deu um sufoco na Alemanha, mas perdeu de 3 x 2. A Holanda se complicou toda numa chave com Bélgica, Arábia Saudita e Marrocos, mas se classificou. Os italianos fizeram sua já tradicional péssima primeira fase. Só conseguiram a vaga mais uma vez no número de gols marcados, depois de empatar no saldo e nos pontos com a Noruega, o México e a Irlanda. Isso mesmo. Nesse grupo todo mundo tinha 4 pontos e saldo zero.

O Brasil estreou tranquilamente contra uma assustada Rússia. Romário praticamente só tocou na bola aos 26 minutos. Usando seus extraordinários poderes para o bem, o atacante, numa cobrança de escanteio, pressentiu que o pesadão zagueiro que o marcava não se moveria, contornou-o por trás e botou o pezinho para empurrar a bola para as redes.

Os brasileiros, que já controlavam o jogo, passaram a dominar completamente. Raí fez sua melhor apresentação em muito tempo. Ele fez o segundo, de pênalti, depois que Romário arrancou, driblou a defesa e foi derrubado já na área. Começava a tomar forma a lenda do Baixinho.

Ele também abriu a contagem contra Camarões. Os camaroneses haviam mostrado um jogo de alta técnica e desorganização tática no empate contra os suecos. Contra os brasileiros não ousaram tanto e se retrancaram. No final do primeiro tempo Dunga roubou uma bola no meio-campo e imediatamente deu um lançamento de trivela, lembrando Didi, que deixou logo Romário na cara do gol. Um a zero.

No segundo tempo os africanos tiveram que correr atrás e, como temiam, nada conseguiram contra o sólido esquema defensivo de Parreira. Num cruzamento de Dunga, Márcio Santos fez o segundo. Romário ainda faria uma arrancada sensacional, driblando todo mundo e chutando para a rebatida do goleiro. Bebeto veio como um raio, conseguiu chegar lá de trás na frente de todo mundo e completou o placar.

O Brasil tinha garantido a vaga. Mas os suecos tinham vencido os russos. Os brasileiros precisavam ao menos de um empate para assegurar o primeiro lugar e pegar um time teoricamente mais fraco na próxima fase. E o jogo seria, pela primeira vez na história, num estádio inteiramente coberto, com um campo adaptado de futebol americano, que é muito mais estreito.

A Suécia tinha um time centrado no roliço e técnico Brolin, habilidoso e driblador como um sul-americano, que municiava o ataque com Kenneth Andersson, centroavante grandalhão do tipo "rompedor", que se aproveitava de sua altitude para marcar muitos gols de cabeça e Dahlin, um sueco fácil de reconhecer, já que era o único negro naquele time de branquelas. Dahlin era rápido, mexia-se pelas duas pontas e sabia driblar e cruzar, além de finalizar, complementando perfeitamente seu companheiro grandalhão.

Os suecos, é claro, entram retrancados, tentando um contra-ataque. Num desses, Mauro Silva tenta resolver a jogada lá no meio-campo, mas Brolin escapa e lança Andersson. Do bico da área ele acerta um toque de cobertura sobre Taffarel, botando a bola no ângulo. Um golaço.

O Brasil não consegue produzir nada. Parreira finalmente se cansa de Raí e no intervalo põe em seu lugar Mazinho, outro cabeça-de-área. Técnico e habilidoso, mas jogador de características defensivas. Dá sorte. Logo aos 2 minutos Romário dá mais uma arrancada do meio-campo e faz seu terceiro gol na Copa. Os dois times ficam contentes com o resultado. E acaba 1 x 1. O adversário brasileiro serão os EUA.

No feriado do dia da independência. O time americano é muito fraco. Seu jogador mais conhecido é o líbero Alexi Lalas, principalmente por seu visual grunge. Eles entram na defesa, como esperado. O Brasil desperdiça algumas oportunidades. Por algum motivo o lateral-esquerdo brasileiro Leonardo se irrita com a marcação e dá uma cotovelada em Tab Ramos. O uruguaio naturalizado estadunidense cai em convulsão no campo. Cartão vermelho para Leonardo. A seleção canarinho fica desnecessariamente com dez.

Mas os americanos temem a amarelinha. Como o resto do mundo, aliás. Permanecem na defensiva. Têm uma única oportunidade. O Brasil perde várias. Romário continua jogando muito, arrancando e driblando vários beques, mas errando na finalização. No segundo tempo as chances brasileiras começam a rarear. Começa a pesar o cansaço de ter que atacar o tempo todo com um a menos. A torcida, escaldada, começa a temer pelo pior.

Mas Romário dá outra arrancada, dribla todo mundo e, quando o líbero vem no desespero para cima, ele abre a bola para Bebeto. Livre, o atacante se livra do goleiro e abre o placar. Corre para o Baixinho e todo o mundo consegue ler em seus lábios a declaração "eu te amo".

Além da eliminação da Argentina, o que ocorre de importante nos outros jogos das oitavas-de-final? A sensação Nigéria pega os retranqueiros de sempre, os italianos. Fazem 1 x 0, perdem várias chances e no final do jogo ensaiam um olé. A Azzurra recupera a bola e contra-ataca. Baggio empata aos 43 do segundo tempo. Os africanos, atônitos, são eliminados na prorrogação.

A Holanda bate a Irlanda, joga bem e é o próximo adversário brasileiro. Os suecos não tomam conhecimento da Arábia Saudita. Os envelhecidos alemães jogam para o gasto e mandam os belgas do grande Scifo, remanescente da semi-final de 1986, embora.

A Bulgária elimina o México nos pênaltis. O jogo é chato, mas uma das traves quebra e o mundo inteiro subitamente descobre que estádios de futebol têm traves reservas para emergências como essa. Começa a parecer que a bela exibição contra a Argentina foi fruto dos problemas sul-americanos. Stoichkov não vai conseguir empurrar essa turma contra os arrogantes campeões germânicos nas quartas-de-final.

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A Copa de 1994 marcou a introdução do carrinho para pegar os jogdores contundidos. Até então dois sujeitos carregavam uma maca para pegar o pobre coitado. Apesar de menos prático do que os maqueiros, o veículo, movido a eletricidade e originalmente usado por golfistas para percorrer o campo, impressiona todo mundo e começa a ser adotado planeta afora.

E o jogo começa parecendo dar razão aos críticos. O time da Alemanha porta-se da mesma maneira de quatro anos atrás: tem muitos bons jogadores, mas nenhum verdadeiro craque. Seu estilo de corre-defende-lança-cruza-gol já não funciona tão bem sob o sol do meio-dia e com tantos balzaqueanos em suas linhas. Eles visivelmente se poupam, esperando a hora certa para dar o bote, usando sua vasta e veterana experiência. E funciona: eles abrem o placar aos 2 do segundo tempo e num contra-ataque Voller só não aumenta por milagre.

Mas a Bulgária não se entrega. Stoichkov deixa a cautela de lado e lidera o time para a frente. Num escanteio o búlgaro pega a bola na quina da área e cai. O juiz marca falta contra os germânicos. Ele mesmo - Stoichkov, não o juiz! - cobra magistralmente e empata aos 30 do segundo tempo.

Os alemães ficam atordoados. Não têm forças para reagir. Três minutos depois um cruzamento encontra a pouca telha de Letchkov na área germânica. Dois a um para a Bulgária. Pela segunda vez apenas desde que voltaram às Copas em 1954 os teutônicos não chegam a uma semifinal. Sua poderosa geração dos anos 80, que lhes deu 1 Mundial, 2 vice-campeonatos e 2 Eurocopas, está chegando ao fim.

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Os jogos da Copa de 1994 foram disputados sob calor inclemente. O horário local era entre meio-dia e cinco da tarde. Era a rendição do esporte ao marketing: a essa hora as partidas apareciam nas tevês européias no horário nobre e tinham uma audiência bem maior na terra onde o dinheiro está.

Em mais um jogo retrancado os italianos despacham uma Espanha que jogou melhor. Camiñero vem de trás, enganando a linha de impedimento, e fica cara a cara com Pagliuca e perde. Baggio novamente marca aos 43 do segundo tempo. Os torcedores da Itália, os tifosi, começam a acreditar numa reedição de 1982.

Suécia e Romênia é um jogão. Brolin marca aos 33 do segundo tempo. Os romenos, sempre sob a batuta de Hagi, empatam a 2 minutos do fim. E pensar que 1990 foi uma Copa tão chata. Os romenos saem na frente na prorrogação e perdem um gol feito. Kenneth Andersson equaliza. Nos pênaltis os suecos saem atrás, mas acabam virando e garantem a vaga na semifinal. Contra o Brasil.

Os brasileiros fizeram o melhor jogo da Copa contra os holandeses. Podia não ter sido tão emocionante. Muita gente que não é fã de Dunga costuma falar maravilhas da zaga Aldair-Márcio Santos, mas nesse jogo pela primeira vez eles são realmente pressionados e quase entregam uma partida ganha.

A Holanda vem subindo de produção e tem craques como Rijkaard, Bergkamp e Overmars. Este último é a maior preocupação. Gosta de jogar pela direita e Leonardo, que deveria marcá-lo, está suspenso pelo resto do Mundial. Em seu lugar entra Branco. Titular indiscutível um ano antes, o lateral perdeu a vaga não por deficiências, mas por excessos. De peso. Sua silhueta roliça não lhe dá mobilidade. Mas é quem está disponível.

Os dois times se estudam durante a maior parte do primeiro tempo. O sólido bloqueio brasileiro lhe dá o controle da bola, mas não surgem oportunidades. Então, lá pelos 35 do primeiro tempo, quando a marcação holandesa cansa, acontece quase um milagre: Romário se cansa de ficar isolado no ataque, sem participar do jogo, recua para o meio-campo, traz Bebeto com ele e durante quase dez minutos os canarinhos relembram porque aquela camisa é uma lenda.

Numa jogada de longa troca de passes curtos, com os jogadores se movimentando pelo campo, com beleza e objetividade, Aldair entra sozinho na área adversária, mas erra o toque final. O Brasil perde a chance de marcar um gol antológico. Outra oportunidade é perdida. O jogo vai para o intervalo justamente quando a torcidda brasileira finalmente tem um gostinho do jogo bonito.

A partida reinicia. O Brasil domina ainda mais, mas já sem a beleza do final do primeiro tempo. Até que aos 8 minutos Aldair rouba uma bola lá atrás e faz um belo lançamento para Bebeto na ponta-direita. O atacante vence a marcação na corrida e rola para Romário já na área. O Baixinho bate na bola com o pé com que cai no chão. Mais um belo gol, o quarto na Copa.

A Laranja fica atordoada. Parte para o ataque e se abre. A defesa brasileira rebate um lance de cabeça. A bola vem na direção de Romário, no meio-campo, completamente impedido. Mas ele a ignora, mal se mexe, displicente, deixa claro que não quer participar da jogada. Bebeto, novamente rápido como um raio, vem lá de trás e pega a bola. Os holandeses ainda não se acostumaram com a nova regra e não compreendem que está valendo. Bebeto, completamente livre, dribla o goleiro e faz 2 x 0.

Eram 18 do segundo tempo. A Laranja ainda não tinha feito absolutamente nada no ataque. Seu melhor jogador, Rijkaard, sai para dar vaga a um atacante. E o time melhora. O veterano volante estava cansado. A Holanda se fechara na defesa até então. Não é o estilo deles. Eles não sabem jogar assim. Preferem ir para a frente, pressionar, fazer o adversário correr atrás deles.

O Brasil simplesmente pára de jogar. Poupa-se. Pensando assim Márcio Santos protege uma bola com o corpo para fazer o tempo passar. Mas vacila e Bergkamp a rouba dele, num erro crasso do beque brasileiro, e diminui, aos 19 minutos.

Os brasileiros preferem segurar o resultado. Não querem se arriscar. É a filosofia de Parreira. Mas, numa cobrança de escanteio, os zagueiros e o goleiro falham. Winter, aos 31, da pequena área, empata. Taffarel lembra Manga em 1966, quando os arqueiros brasileiros simplesmente não sabiam sair do gol.

Do céu ao inferno em 15 minutos. O Brasil tinha tudo a seu favor, agora está a um passo da eliminação. Os jogadores ficam assustados e começam a errar as jogadas mais simples. Romário, que nunca gostou de treinar e manter a forma, começa a sentir os efeitos do esforço despendido até então e desaparece em campo. E não tem ninguém para armar na meia-cancha. Os holandeses estão cheios de moral e começam a ameaçar Taffarel.

Então, aos 36 minutos, Branco torna-se o herói do jogo. Chama a si a responsabilidade. Anulou Overmars e ainda aguenta correr. Pede a bola e vai para o ataque. Disputa uma bola com um holandês, empurra-o com o cotovelo e ganha o lance. O juiz não vê a infração. Alguns metros adiante nova dividida. Branco se atira ao chão e convence o árbitro que foi falta. Os europeus nem discutem muito, é uma cobrança despretensiosa lá na intermediária.

Mas Branco é um dos melhores cobradores de falta do mundo. Ele toma distância e manda o chute mais traiçoeiro para o goleiro: uma potentíssima bomba rasteira. O arqueiro demora a pular, tem a visão encoberta pela barreira e por Romário. A bola entra no cantinho. Branco vai comemorar com Parreira, que acreditou nele. Os holandeses é que não acreditam mais. O gol foi uma ducha de água fria. Não têm animo de correr atrás de novo. Os brasileiros, agora tranquilos, seguram o jogo. Agora é pegar a Suécia, o único time que os canarinhos não venceram.

Mas as circunstâncias são outras. Eles vêm exaustos de uma prorrogação. Tiveram um dia a menos de descanso. Para um time que se baseia em força física é um péssimo começo. Ainda por cima Dahlin, o motor do ataque, se contundiu. O treinador tenta um gambito: ele troca o jogador de posição com o grandalhão Andersson. Sua esperança é que Andersson, ao cair pelas extremas, atraia a marcação brasileira, quando então o arisco Dahlin, incapaz de correr muito, valendo-se de sua habilidade, entrará pelo meio para marcar.

É claro que não funciona. Andersson é completamente nulo fora da área. O jogo é um treino de ataque contra defesa. O goleiro sueco Ravelli é o grande nome em campo. O Brasil perde chance atrás de chance. Numa delas Romário dribla toda a defesa, passa por Ravelli e toca para a rede. Na linha de gol um zagueiro rebate no pé de Mazinho, na pequena área. O técnico volante chuta para fora.

Os brasileiros dominam, perdem chances, mas estão confiantes. Não se enervam. Nem com os seguidos erros de cruzamento de Jorginho, que tem uma avenida por onde apoiar. A defesa sueca erra seguidamente. O goleiro se sobressai. Tentando irritar os canarinhos, começa a provocá-los a cada oportunidade desperdiçada. Correndo atrás o tempo todo, o volante escandinavo faz seguidas faltas e é expulso. E ainda assim o gol não sai.

Por um momento quase que tudo vai por água abaixo. Brolin arranca do meio-campo e irrompe pelo meio. Lembra a jogada de Maradona em 1990. Mas Andersson não é Caniggia. Não se posiciona bem quando o armador faz o passe e é desarmado. Foi a única chance sueca em toda a partida. Eles perderam a chance de fazer a final.

Romário cai de produção assustadoramente. O esforço seguido por quase um mês sob sol de meio-dia lhe é completamente inédito. Ele nunca suou tanto. Já não tem forças para suas maravilhosas arrancadas. Mas os suecos estão muito mais exaustos. Jorginho faz mais um cruzamento, depois de errar tantos o jogo inteiro. A defesa nórdica não aguenta mais pular para rebater a bola. Romário, mesmo um palmo mais baixo que os zagueiros adversários, está sozinho para cabecear. Eram 35 minutos do segundo tempo e os escandinavos sabem que estão fora. Na outra semi-final os inexperientes búlgaros não resistem aos agora sólidos e confiantes italianos. Brasil e Itália se enfrentarão pela quarta vez em Copas. Os 3 jogos anteriores - 1938, 1970, 1982 - entraram para a história.

A Azzurra está tão confiante que escala Baresi para a final. O líbero havia torcido o joelho no primeiro jogo e se submeteu a uma artroscopia. Surpreendendo todo mundo, em menos de um mês está pronto para jogar. Mas não está em plenas condições. Roberto Baggio também não. Fez os 2 gols contra os búlgaros, mas se contundiu. Ele e Romário marcaram 5 vezes. Stoichkov, seis. Também está em jogo a artilharia do Mundial.

A partida é chata. Lembra 1990. Ninguém se arrisca. Os dois times estão fechadíssimos. Romário está visivelmente sem tempo de jogo, exausto de tudo que fez até então. Num cruzamento, ele erra a conclusão da pequena área. Em outro, erra a bola. São as grandes chances brasileiras, além, é claro, de um chute despretensioso de Mauro Silva que Pagliuca solta grotescamente e só não entra porque bate no poste. O goleiro italiano beija a trave, em agradecimento. Já a Itália tem uma única chance. A defesa canarinho erra a linha de impedimento e Massaro entra na área completamente livre. Sua finalização acaba nas mãos de Taffarel, quando ele tinha todo o gol à disposição. Taffarel se redime do erro contra a Holanda com uma grande e importantíssima defesa.

E o 0 x 0 leva à prorrogação. Romário perde mais uma chance. Bebeto está bem marcado. Viola entra no lugar de Zinho com disposição para correr, mas suas arrancadas são bem conduzidas pelos beques italianos para fora da área e não dão em nada. A outra substituição tinha sido Cafu, ainda no primeiro tempo, no lugar de Jorginho, machucado. É a primeira final do brasileiro, numa inacreditável saga que acabaria com ele levantando a taça.

E nada se resolve também na prorrogação. Pela primeira vez na história uma Copa vai ser decidida nos pênaltis. Até 1986, se houvesse empate na prorrogação haveria uma partida-desempate.

Baresi, o experiente líbero, bate o primeiro. Fora de condições físicas, extenuado, erra feio. Márcio Santos cobra pelo Brasil e mantém o 0 x 0. A bola não quer entrar.

Albertini converte. Romário, que não é um bom batedor de pênaltis, vai para a bola. "Eu sou craque, e craque tem que decidir quando precisa", diria o marrento baixinho depois. Empata. Evani põe a Azzurra em vantagem. Branco é quase infalível com bola parada e iguala tudo.

A torcida brasileira sua frio. É traumatizada com a eliminação de 1986. Mas Taffarel não é Carlos, não tem o azar de Carlos. Massaro bate mal e o goleiro pega. Dunga vai para a bola e converte. O capitão sai sorrindo, com a sensação de dever cumprido. Fez tudo que lhe foi exigido naquele Mundial e, embora não soubesse, acabava de marcar o gol da vitória.

Porque quem vai bater por último para a Itália é o grande craque Baggio. O budista se aproxima da bola. A chegada naquela final é tanto um feito dele quando a do Brasil é de Romário. O esforço o exauriu e ele não está em perfeitas condições. Ele chuta e erra terrivelmente, manda muito acima da trave. Pelé, comentando o jogo para a tevê, sai pulando na tribuna de imprensa abraçado a Galvão Bueno, que grita "É tetra! É tetra!" Romário é eleito o melhor da Copa e do mundo. O escrete verde-amarelo é campeão e ninguém no mundo discute que foi quem mais mereceu.

Inacreditavelmente, só parte da imprensa brasileira protesta. Ganhar na disputa de pênaltis não é a tradição verde-amarelo. Não é o jogo bonito. Parreira foi incompetente. Outro técnico teria feito muito melhor. Frente ao título fica difícil pensar se eles não teriam interesse em indicar seu treinador preferido. Depois de 24 anos os canarinhos estão no topo do mundo. E esse mundo está preocupado. Se os jogadores do escrete realmente adicioaram disciplina tática e defesa sólida ao seu brilhante ofensivismo, eles se tornariam quase imbatíveis.

E o tempo lhes deu razão.

BOX

O time campeão: Taffarel, Jorginho (Cafu), Aldair, Ricardo Rocha (Márcio Santos) e Leonardo (Branco); Dunga, Mauro Silva, Zinho (Paulo Sérgio) e Raí (Mazinho); Romário e Bebeto.

ROMÁRIO

Se você não sabe quem é Romário, ainda em atividade neste exato momento, então você é um extraterrestre (como Garrincha não era). E não seria certo dar a alienígenas informações que poderiam ser vitais para a defesa (e o meio-campo e o ataque) da Terra. Mas, pensando bem, como elas podem ser encontradas em qualquer lugar do planeta, então é melhor que fique sabendo por aqui mesmo, então vamos lá:

Romário é baixinho, com 1,67 metro, e tem as mesmas pernas curtas, grossas e musculosas de Maradona. A semelhança pára aí e no fato de ambos serem provavelmente os dois maiores jogadores de futebol pós-Jules Rimet, ao lado de Cruyff. O argentino era articulador de jogo, especialista em lançamentos e gostava de driblar costurando, ou seja, se metia no meio da defesa e ia parando e arrancando, mudando de direção, diminuindo a velocidade e acelerando de novo. Romário, ainda mais preguiçoso do que don Diego, sempre preferiu se colocar bem, perto do gol, para receber a bola, driblar seu marcador e descobrir uma linha reta e desobstruída até a meta do adversário. Seu estilo de finta nunca foi muito de ciscar e dar quebras de asa, mas de cortes retos e rápidos. A bola parecia grudada em seu pé como por um imã, herança do aprendizado nas quadras de futsal, onde a espaço é menor e se desenvolve mais o controle da redonda junto à chuteira, enquanto nos gramados há muito espaço para correr, dar um toque na bola adiantando-a, correr mais atrás dela, dar outro toque, e assim chegar até o outro lado.

Romário no começo de carreira não era grande finalizador, mas melhorou bastante com a idade. Apesar da baixa estatura tinha impulsão de 71 centímetros e sempre marcou muitos gols de cabeça, fundamento que domina bem. Não só tinha inacreditável arrancada como conseguia manter o pique por trinta, quarenta, cinquenta metros. Quando era mais novo, é claro. Sempre com a bola nos pés. Como num gol contra o Botafogo, em que pegou a bola num rebote de escanteio na sua meia-lua e atravessou todo o campo para só parar dentro da meta botafoguense.

Romário também tem excelente visão de jogo, mas não é hábil em lançamentos. Sua especialidade são os toques curtos de primeira, quando volta para buscar jogo. Levantar a bola não é muito com ele: quando cai pelas pontas não sabe fazer cruzamentos.

Romário começou jogando bola num time de bairro montado pelo pai, que sempre sonhou em vê-lo como jogador profissional. Desde pequeno com esse objetivo e o talento, nunca foi dado a estudo, o que não prejudicou sua inteligência, embora talvez não lhe tenha dado maturidade suficiente para levar sua carreira ainda mais longe do que foi. Cruyff, por exemplo, disse que se o baixinho gostasse de treinar era craque para disputar com Pelé o posto de deus indiscutível do esporte. Mas também, vendo o que ele conseguiu, será que teria mesmo valido a pena?

Romário jogava no infanto-juvenil do Olaria quando foi contratado pelo Vasco. Em 1985 estava relacionado para ir ao Mundial de Juniores, mas envolveu-se num caso envolvendo hotéis, prostitutas e histórias mal-explicadas e acabou sendo cortado. Seu reserva Muller foi o artilheiro do torneio e, jogando num clube em grande evidência, em São Paulo, foi saudado como grande promessa de craque, ganhando vaga na Copa dos crescidos em 1986. Ou seja, por causa desse incidente, o Brasil perdeu Romário até a Copa de 1990.

Melhor para o Vasco, que botou o garoto dispensado do Mundial de Juniores no time titular e ele acabou fazendo uma dupla infernal com Roberto, os dois sendo os artilheiros do campeonato carioca daquele ano. Em 1987 os cruzmaltinos montaram um grande time e finalmente Romário despontou para o resto do Brasil. Chegou à seleção e destacou-se na Copa América e foi o artilheiro da Olimpíada de Seul em 1988, numa época em que o torneio de futebol estava liberado a qualquer jogador que nunca tivesse disputado Copa do Mundo ou eliminatórias. O baixinho fez até gol na final, de cabeça, no meio da alta defesa soviética, mas acabou só com a medalha de prata, depois da derrota na prorrogação.

Seus gols despertaram atenção internacional e ele seguiu para o PSV Eindhoven. A liga holandesa, depois de um brilhante período nos anos 70, vivia em relativa obscuridade e os muitos feitos de Romário num campeonato de pouca repercussão passaram relativamente desapercebidos. Apesar de ter brilhado na Copa América de 1989, quando o escrete canarinho foi campeão após 40 anos - ou seja, desde quando não era canarinho ainda - e nas Eliminatórias, todos sabiam que o ataque já tinha um titular certo, Careca. E que ele, Bebeto e Muller lutavam pela segunda vaga. E Careca preferia seu velho companheiro do São Paulo, Muller.

Além disso, Romário sofreu uma pequena fratura e, como era de seu feitio, não levou muito a sério o conselho de se poupar e fazer tratamento intensivo. Foi gravar um comercial e acabou agravando seu estado. O médico Lídio Toledo queria cortá-lo, mas ele levou seu próprio fisioterapeuta para a concentração da seleção e criou mais um caso. Acabou não conseguindo se recuperar a tempo, como já previa Lídio, e ficou de fora do time que foi desclassificado pela Argentina. A segunda chance de disputar uma Copa se fora. Mais quatro anos de espera.

Romário foi ignorado por Falcão, em sua passagem no comando do escrete. O antigo volante dava preferência a jogadores atuando no Brasil, que tivessem mais "espírito de seleção". Previsivelmente não durou muito e foi substituído por Parreira. O baixinho foi convocado em dezembro de 1992 para jogar um amistoso contra a Alemanha no Rio Grande do Sul. Ao chegar, soube que ficaria no banco, para entrar no segundo tempo. Pegou o primeiro avião de volta e o diretor-técnico Zagallo, sempre facilmente irritável, disse que ele não voltaria a atuar com a amarelinha.

Mas Cruyff foi treinar o Barcelona e, tendo visto Romário atuando na Holanda, avisou para contratarem o baixinho enquanto ele estava por baixo (perdão pelo trocadilho). O Barça era na época o clube que dominava o futebol mundial e Romário imediatamente voltou aos holofotes e seus gols estavam em todas as tevês do mundo. Enquanto isso, com um Careca de 33 anos que atuava no futebol japonês para o papel de estrela da seleção, o escrete claudicava nas eliminatórias. O Brasil inteiro clamou por Romário. Parreira, sempre conciliador, cedeu e convenceu Zagallo de que fora tudo um mal-entendido. E ele chegou para jogar contra o Uruguai, jogo que os canarinhos precisavam vencer.

Sua volta foi triunfal. Sozinho, levou pânico à defesa uruguaia, levando os beques ao choro e ranger de dentes. Depois de perder caminhões de gols, driblando todo mundo cada vez que pegava na bola, fez os dois da vitória por 2 x 0. E, fiel à sua filosofia de vida, avisou que não o fizessem perder tempo vindo a amistosos de preparação, só o chamassem para a Copa.

E Zagallo e Parreira aceitaram.

Desnecessário repetir aqui o capítulo anterior sobre a Copa de 1994, a Copa de Romário. O baixinho era o melhor jogador do mundo, o maior craque do planeta, o posto antes de Maradona era dele. E, em 1995, cansado de ter que treinar a sério todo dia, coisa que seus empregadores europeus sempre exigiriam, voltou para jogar no Flamengo. A torcida rubro-negra foi à loucura. Assim como os técnicos do clube.

Falta espaço aqui para contar os dez anos de Romário em sua volta ao Brasil. Suas tumultuadas passagens por Flamengo, Sevilla, Flamengo de novo, Vasco, Fluminense e Vasco de novo. No capítulo sobre a Copa de 1998 é narrado como ele perdeu mais uma chance para jogar outro Mundial. Também desperdiçou a oportunidade de estar entre os 22 de Felipão em 2002, como é narrado no capítulo pertinente. Como disse Cruyff, ele é o gênio da grande área, mas poderia ser considerado um deus indiscutível do esporte. Avesso a treinamentos, a correr atrás da bola, a se empenhar em campo, a dormir cedo, a se poupar e adepto de churrasco, noitadas, namoros, paqueras e qualquer coisa relacionada à interação com o sexo oposto, ele surpreendentemente não bebe álcool, o que provavelmente é a melhor razão para ainda estar em atividade.

Com sua inteligência aguda, capaz de achar um erro num contrato ao lê-lo depois que todos os seus advogados já haviam estudado os termos, Romário é um grande frasista e entre suas pérolas estão "quando eu nasci, Deus apontou um dedo e disse, esse é o cara!", "Pelé mudo é um poeta, quando fala estraga tudo", e uma outra que tem a fama de ter derrubado um candidato a técnico da seleção. Em 2001, Vanderley Luxemburgo foi demitido do comando do escrete, depois de uma péssima campanha nas eliminatórias. Mais uma vez o Brasil inteiro pedia por Romário, embora dessa vez ele tivesse 35 anos. Levir Culpi, cotado para assumir o cargo, já prevendo o que lhe cobrariam, deu uma entrevista declarando que para a seleção era preciso convocar jogadores pensando não em como eles estavam no momento, mas como estariam na Copa. Romário soube e respondeu dizendo que "ele não é Mãe Dinah para saber como vou estar daqui a um ano". Levir não soube como retrucar e viu suas chances se esfumarem. Para o bem de todos assumiu Felipão, que até chegou a convocar o baixinho, mas a história é melhor contada no capítulo sobre o Mundial de 2002.

Romário está com 40 anos e acaba de ser contratado para jogar num clube em Miami. Com essa provecta idade para um atleta profissinal, foi o artilheiro da primeira divisão do campeonato brasileiro. Ainda tem defensores que acham que Ronaldo é um fenômeno só de marketing, invenção da Nike, e que o baixinho no comando do ataque da canarinho traria o caneco na certa. Com toda certeza ele não estará na Alemanha em 2006, mas continua sua carreira, rumo ao milésimo gol, marca para a qual faltam cerca de quarenta tentos (há uma discussão quanto aos seus números), o que está longe de ser impossível de ser conseguido antes de pendurar as chuteiras.

Acima do peso, sem mobilidade nenhuma, sem velocidade e sem arrancada sequer para conseguir dar um bom drible, é impressionante como Romário ainda consegue jogar profissionalmente e fazer gols. Muitos gols. É triste imaginar que sua carreira está bem próxima do fim, depois de duas décadas de brilho e sucesso. O garoto de 20 anos que uma vez disse que queria parar com 28 parece ter se tornado eterno. Como os Simpsons ou o Jornal Nacional na tevê. Para uma geração inteira, acompanhar futebol é acompanhar o Romário. E vai ser muito triste o dia em que ele parar.

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