junho 03, 2010

Persépolis e o Supermercado



Acabei de rever Persépolis. O filme é ótimo (eu comprei o DVD), mas serve pra demonstrar porque aquela teocracia tem (ou, pelo menos, tinha até há pouco) mais apoio popular do que os ocidentais gostariam. Depois que desaparece o tio comunista de Marjane Satrapi, o que acaba aparecendo na fita como a maior preocupação da família é não poder consumir álcool e heavy metal (uma ditadura que proíbe heavy metal nunca terá meu apoio, mas certamente pode contar com uma inconfessa simpatia do blogueiro). O descobrimento da liberdade pela heroína, na Alemanha, é quando ela vai a um... supermercado!

Longe do blogueiro contestar a importância de poder não querer fazer nada da vida, mas nem todas as pessoas gostam ou querem viver sem um objetivo maior e afogar sua depressão em álcool, sexo e drogas. Embora certamente a oposição à opressão teocrata iraniana passe por esta ideia, a fita inconfundivelmente iguala liberdade a consumismo materialista. Minha geração ainda aprendeu de seus pais que dinheiro era sujo e foi moldada ideologicamente pela necessidade de se opor a uma ditadura, para tentar construir uma sociedade melhor e mais justa. A garotada brasileira mais nova, menos identificada com o arraigado catolicismo da terra, bem como os europeus que produziram a animação, certamente podem se relacionar bem com a ideia, mas incomodou-me profundamente que a opção ao fanatismo religioso seja a adoração da cultura de massa e de um mórbido narcisismo à Woody Allen. Como já dizia uma crítica americana, nos anos 90 o orçamento das agências de segurança americanas aumentou consideravelmente, cresceu a desigualdade na distribuição de renda, o aquecimento global (causado ou não pelo homem) e a destruição do meio ambiente são realidades inegáveis, há guerras civis e opressão em grande parte do mundo, e qual o tema obsessivo do teatro americano? Relacionamentos.

Embora nós, cercados pelos bens que adquirimos nesse novo e menor milagre econômico brasileiro possam nos seduzir, ainda assim a verdadeira liberdade não se encontra num liberdade com montes de produtos diferentes em belas e coloridas embalagens (1).

(1) Uma das cenas mais pungentes que já vi - e que não adiantou nada, não continuei fazendo porra nenhuma pelo meu semelhante - foi numa dessas lojas de conveniência na falecido posto de gasolina na esquina da Ataulfo de Paiva com Afrânio de Melo Franco. Enquanto eu e Fernanda comprávamos algum dos sofisticados snacks que ela tanto apreciava, uma moça pobre com umas amigas começaram a rodar as prateleiras, imaginando o que gostariam de comprar se tivessem dinheiro: "um desses... outro daqueles... e um desses, bem colorido..." De que adianta liberdade para consumir sem ter os meios para consumir?

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