Mesmo com a depressão, a ideia se mostrou tão lucrativa que até a gigantesca A & P, que por motivos óbvios não estava disposta a grandes mudanças em seu modo de operações, abriu seu primeiro supermercado em 1936. Que foi um sucesso. Em pouco tempo novas e novas filiais do novo tipo foram inauguradas, levando cada um ao fechamento de várias das velhas "lojas econômicas", devido ao maior volume de vendas. Assim, apesar da diminuição da rede de 16.000 para 10.000 pontos de venda, a aplicação dos velhos princípios de corte de custos - decoração espartana, compras sem intermediários, produção própria - levou a lucros astronômicos na década de 1950. Quando então três golpes simultâneos atingiram a empresa.
George e John Hartford, os filhos do fundador original da companhia, morreram ambos na década de 1950. Seus herdeiros não tinham a mesma formação de merceeiros e estavam mais interessados no mercado financeiro do que em vender alimentos. A companhia começou a sofrer pela falta de novos investimentos em um novo momento crucial na história do consumo estadunidense, pois, ao mesmo tempo, no pós-guerra, o governo americano começou a controlar melhor o tamanho das grandes corporações. E uma cadeia de varejo do tamanho da A & P, com seu poder sobre os produtos e consumidores dos EUA, não passou incólume. Mas talvez o golpe mais arrasador sobre a companhia tenha sido a mudança urbana mundial da década de 50.
Até então, o lugar mais valorizado de uma cidade era o centro. No começo do século XX, entretanto, Le Corbusier engendrou o conceito da cidade-jardim, com ruas amplas, longe da confusão das principais artérias, eminentemente residencial, com o comércio concentrado em quadras especiais para tal. Se você é carioca, imagine a Barra da Tijuca. Nos Estados Unidos, começando mais cedo a tendência a esse novo urbanismo, ele se mostrou mais humano, dando preferências a casinhas com quintal - os "suburbs" (1).
O logotipo se modernizou; a companhia, não
Para uma parcela dos urbanistas, esse sonho de Le Corbusier acelerou a decadência das grandes cidades, que as tornou na década de 1970 numa coleção de problemas que teve que ser enfrentada de frente nos anos 80, pelo menos lá em cima, e continua por aqui. Sem contar o efeito sobre a garotada que crescia nesses lugares, alienada, sem contato com outros tipos de viventes, mimadas e sem saber como era verdadeiramente a vida na metrópole, mas isto é assunto para uma postagem em breve. O que interessa aqui é que esta mudança da população para longe dos atravancados centros das cidades começou a minar as vendas da A & P, que, justamente por ser uma cadeia com quase um século de existência, tinha suas filiais quase todas bem no coração das urbes.
Sem disposição para novos investimentos, a A & P viu suas lojas começarem a ser evitadas à medida em que suas vizinhanças se tornavam lugares perigosos e seus competidores abriam mais e mais estabelecimentos nos subúrbios. Novamente, se você for carioca, imagine uma rede que se mantivesse concentrada nas imediações da Av. Rio Branco nos anos 50, ignorando Copacabana, Ipanema, Leblon e Tijuca.
Esse público também estava nadando em dinheiro com a prosperidade do pós-guerra. Eles não queriam só comida, eles queriam comida, diversão e arte. Ou seja, não estavam mais tão interessados em preços baixos, com pouca variedade de marcas e tipos de mercadoria. Eles queriam mais bens de consumo, mais escolha, mais cor e sabor. Daí é que viria o hipermercado, um tipo de varejo particularmente adequado ao subúrbio (cf. Carrefour, Makro e afins, estabelecidos em bairros como a já citada Barra da Tijuca). Esse ataque em três pontas iniciou a lenta decadência da rede. No final dos anos 70 a empresa foi comprada por uma corporação alemã que fechou mais e mais filiais até conseguir operar novamente no azul com menos de 1.000 pontos de venda.
Então uma rede regional, demonstrando constante incapacidade de se adequar aos novos tempos, a A & P foi minguando cada vez mais, até que em 2010 foi obrigada a pedir falência. Atualmente contando com apenas 338 filiais, sendo que destas, 57 sob ameaça de fechamento, as audiências falimentares começaram em agosto deste ano. Com constantes perdas no balanço e operando em menos de uma dezena de estados, o colosso varejista caminha para o mesmo fim dos armazéns familiares que detonou cerca de cem anos atrás: com sorte, ter um ou outro estabelecimento vintage funcionando, frequentado por saudosistas e descolados tentando parecer diferentes.
(1) No Brasil, subúrbio tem uma conotação negativa, aplicada normalmente à periferia mais pobre. Nos EUA, ao contrário, costuma apenas ser um lugar afastado do centro, para propiciar uma vida mais tranquila.
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