setembro 27, 2012

Dica para o Festival do Rio

Há uns três anos, a fita que mais encheu no Festival do Rio foi o longa mais recente do Woody Allen. Preconceitos do blogueiro sobre o pedófilo pretensioso à parte, a coisa toda era muito idiota porque o lançamento estava programado pra dali a dez dias. Mas sabe como é, ser “cinéfilo” envolve ser o primeiro a ver aquele filme que todo mundo quer ver, pra poder repetir sobre ele as opiniões que leu em cadernos de cultura.



Mas se você faz parte daqueles cinéfilos ecléticos despreocupados em ver apenas o novo, uma boa pedida nessa sexta é “Eles Vivem”, no CCBB, pelo Festival John Carpenter. Nunca lançado no Brasil em DVD e com uma passagem meteórica pelas telas cariocas em 1988, a fita é, ao lado de Robocop, a mais abertamente politizada (e antineoliberal – céus, quantos prefixos!) ficção científica dos anos 80. Basta ver a premissa: um operário desempregado que não entende o que houve com os “bons tempos” ganha acidentalmente uns óculos que lhe permitem ver que a maior parte do povo endinheirado é na verdade alienígena e que todos os anúncios e produtos culturais (revistas, filmes em VHS – anos 80! -, livros de banca) são na verdade ordens subliminares (“durma”, “compre”, “obedeça”, e por aí vai).



John Carpenter é um raro cineasta considerado (ao menos por um povo) um autor, mas que confessa que gostaria de ter trabalhado na era do sistema de estúdio. Aqui com atores desconhecidos, orçamento econômico (eufemisticamente falando) e uma boa ideia, ele mostra que a câmera na mão ainda faz misérias com metáforas visuais simplíssimas: a realidade é em preto e branco, os portais para os alienígenas (e colaboradores terráqueos) são ativados pelos relógios de pulso (de griffe), um pastor cego é o líder da rebelião e outros operários rejeitam o herói e se recusam de todas as maneiras a experimentar os óculos – quando bastaria uma única olhada para perceber que ele está certo.

Carpenter em “Eles Vivem” não apela para as emoções do espectador – e não é porque ele não saiba, basta ver o suspense que cria em “O enigma de outro mundo” e “Halloween” - mas sim para deixar a esplêndida ideia central em primeiro plano. Aproveitando a estética de filme B dos anos 50 (com efeitos e direção de arte propositadamente dignos da época), ele no entanto estica ou acelera cenas quase como num improviso de jazz. Confira, por exemplo, a cena de luta do herói com o amigo, que acaba virando uma imitação de luta livre, o telecatch americano (outra excelente metáfora visual). Fiel à década da Guerra Fria, o clímax envolve a tentativa de destruição de um artefato de roteiro que exporia os alienígenas. Uma cena de ação que Carpenter dirige o mais friamente possível.



Quase como num paralelo do filme, o público se recusou a ir ver a fita, um dos primeiros fracassos de público de Carpenter. O blogueiro teve que assisti-la no finado Cine Hora, uma saleta no Edifício Central com uma tela pouco maior do que a tevê de plasma que ele tem na sala – esse foi o tipo de circuito exibidor designado para a produção. Mas o tempo foi gracioso com o longa. Tanto ele quanto “Robocop” foram feitos na mesma época – este em 1987, “Eles Vivem” em 1988, o final da presidência Reagan, quando os efeitos da terceirização de mão de obra e exportação de postos de serviço começava a aumentar e concentrar a riqueza nos EUA. A cada ano que passa, mais o mundo fictício e futurista das duas obras se torna mais parecido com o nosso. O que faz o blogueiro perguntar, “ei, José Padilha, pra que que vocês estão refilmando Robocop, afinal?”

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