janeiro 02, 2006
Foi uma época em que o tempo perdeu a continuidade. Os empregados e seus trabalhos repetitivos vendo o relógio que não andava, as pessoas sempre andando na calçada sem chegarem a lugar nenhum (mesmo porque quando chegavam os lugares já tinham mudado e não eram mais aqueles aonde eles queriam ir) e fazendo planos inúteis para o futuro porque subitamente ele era o presente. As pessoas morriam antes de nascer e a comida saltava do prato no meio da refeição. Os jovens sabiam mais do que os velhos e estes não podiam nem mais viver em suas lembranças, pois nem sabiam se elas realmente existiam. Os artistas tinham o fim mas não o começo e outros tinham o início mas não o final e todas as histórias viraram um longo meio. Não havia mais um tempo de nascer nem outro de morrer, um de semear ou outro de colher. As coisas ruíam, o centro não conseguia segurar. A Terra podia parar em seu giro. Então decidiram que tudo devia estar acontecendo sempre. Alguém decidiu e fez as Leis que, no estado das coisas, começaram a ser cumpridas antes de serem decretadas. Para evitar que as pessoas ficassem presas sempre no mesmo momento e para que a vida e o trabalho pudessem progredir e ter algum significado, ninguém podia fazer sempre a mesma coisa. O patrão hoje era o faxineiro amanhã, o lavador de carros virava o motorista, depois o dono do carro, depois metalúrgico. O economista virava arqueólgo e o historiador virava paleontólogo. Os mandatos dos políticos eram de apenas um dia e isso aumentou muito o número de escândalos, mas ninguém ligava muito porque os acontecimentos eram muito vertiginosos. Muitos comemoraram porque era o fim da rotina, mas aos poucos foram percebendo que a variedade também era rotineira e que não podiam parar nem quando encontravam finalmente aquilo que sempre haviam sonhado. Era terminantemente proibido se repetir e só pensar nisso já era perigoso porque a polícia podia chegar antes do crime ser cometido e ninguém nunca sabia quanto da vida ia perder na prisão, ou mesmo se a prisão ainda existiria enquanto cumpriam pena. Porque os lugares, também eles viviam sob o tempo e também nunca se sabia se sua casa ainda seria a sua casa quando lá chegasse, então todo mundo dormia no lugar que encontrava e acabou todo mundo se acostumando a viver com todo mundo, era uma aldeia global, o importante e o principal era se manter em movimento ou o mundo parava, e a raça humana não podia estagnar pois podia morrer em vida. Ninguém podia se repetir, nada podia se repetir, tudo isso era violentamente reprimido e vigiado. E como as pessoas sempre repetem os mesmos erros quando se trata de amor, então ninguém podia - de jeito nenhum, porque uma vez só já é arriscado - se apaixonar mais do que uma vez na vida. (Começo de A ETERNIDADE EM UM BEIJO).
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário