Adolph Marx (que depois mudou seu prenome para Arthur, não por causa do Hitler, mas porque odiava-o) resolveu aprender a tocar harpa porque não sabia cantar, dançar ou sapatear. Viu uma ilustração de como se segurava o instrumento e, não tendo outras pistas, afinou a primeira corda e as demais a partir dela. Só que ele a deixou com pouca tensão e, sem técnica nenhuma, atacava as cordas folgadas de uma maneira que as teria destruído se estivessem corretamente preparadas. Assim ele desenvolveu seu inacreditável estilo musical. Tempos mais tarde, com grana sobrando, tentou várias vezes aprender da forma certa, mas seus professores, ao verem-no tocando, ficavam fascinados e admiravam o resultado, não vendo razão para mudá-lo.
Arthur Marx (que só seria o Harpo alguns anos depois, depois de um jogo de cartas dos irmãos, ainda conhecidos como Julius, Leonard, Arthur e Herbert; um crítico que era fã deles e fazia de tudo para promovê-los entrou no meio de uma rodada e, ao vê-los tratando-se respectivamente por Groucho, Chico, Harpo e Zeppo, teve um ataque: "vocês têm esses apelidos maravilhosos e assinam com aqueles nomes sem graça?"), num espetáculo escrito por seu tio, descobriu que não tinha partes faladas e foi reclamar com ele, que respondeu que, Harpo deveria trabalhar com pantomima, o que, frente à verborragia de seus comparsas de palco, faria um belo contraste. Harpo não gostou e disse que iria improvisar suas falas e, como era um negócio em família, o tio concordou, disse "tá bom, vai lá, tá certo". Quando a quase unanimidade das resenhas da comédia louvaram a sua mímica remetendo à caricatura de um imigrante irlandês, sendo só estragada pelas suas falas, Harpo se calou e nunca mais falou em cena até seu espetáculo de despedida em 1964 (em que ele começava dizendo, "bem, como eu ia dizendo quando fui interrompido em 1907 - e disparava a falar sem parar, fazendo a platéia gargalhar).
Na verdade, no filme No Tempo do Onça, que os irmãos achavam que seria a despedida deles, em 1940, Harpo faria um discurso no final da fita, justamente para celebrar o fim da longa carreira dos Marx. A cena acabou dançando do corte final porque a voz de Harpo não se coadunava com o personagem - ela tinha mais timbre e autoridade do que as de Groucho ou Chico. Irrealizado este projeto, a voz de Harpo ficou desconhecida do grande público, ainda mais que ele, quando morreu, pediu aos parentes e amigos que destruíssem todos os registros de gravações suas, mesmo as caseiras. Ê profissionalismo. A Velha Guarda tinha um comprometimento com o show business de emocionar.
Mas ainda assim, algumas poucas gravações escaparam do último desejo do tímido (sim, na vida real, ele era quieto, introvertido e... calado) Arthur. A primeira é um clipe, na premiére de ZIEGFELD FOLLIES em 1946. Arthur está paramentado a rigor, fora do personagem, mas isso não importava muito porque a transmissão seria pelo rádio. O que ele não sabia é que, sem que ele ou o apresentador percebessem, a câmera já havia sido ligada. Arthur avisa ao locutor que "you gotta do the talking" ("você que vai ter que falar") e, após ser formalmente apresentado, ele imita ao microfone uma de suas marcas registradas, o HONK HONK da buzina que fica na bengala de Harpo. Repare como realmente a voz de Arthur é autoritária e com um timbre certo demais:
Outro clipe é esta gravação de 30 segundos em que Harpo conta de seus tempos como pianista num lupanar. Ao contrário de seu irmão Chico, ele só sabia tocar duas músicas, mas aprendeu a esticá-las, acelerá-las, diminuir seu ritmo, seu entusiasmo, e transformou um par de canções num repertório - chegou também a tocar piano em cinemas mudos, substituindo justamente seu irmão Leonard. A fita é um dos registros que o comediante fez (provavelmente para o ghost writer) para suas memórias HARPO SPEAKS em 1961. Aqui você vai encontrar a versão só com Harpo falando e a que foi veiculada na BBC quando da descoberta, com apresentação de Bill Marx, filho de Harpo, que no programa de Richard Curtis, comentando também porque seu pai não falava no palco.
Existem também músicas nos filmes em que se discute que Harpo estaria também cantando e um "feliz aniversário" que seria dito por ele, numa festa de um integrante da famosa mesa do Algonquin Hotel (da qual Arthur fazia parte, embora mais como ouvinte, dada sua timidez), mas que não parece em nada com as outras gravações. Felizmente para nós, cinemaníacos, alguém não levou tão a sério o último pedido de Harpo e hoje podemos ver como sua voz faria dele um personagem completamente diferente.
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