Estava eu a ler o meu Globo de domingo, meus senhores, quando me deparo com uma de suas colunas esportivas. Fernando Calazans, a respeito da atuação do Fluminense da Copa Sul-Americana, diz que só a assiste a partir das quartas-de-final!
Pois vejam só, meus senhores! Um jornalista, não de um blogue qualquer da Internet, não de algum pasquim desses que vêm e vão, mas do Globo! O Globo onde já escreveu Nelson Rodrigues, esta lenda da crônica esportiva! Pois não é que no Globo hoje em dia seus colunistas nem ao menos se sentem na obrigação de... ver jogos?
É por isto que a crônica esportiva de hoje é tão difícil de se ler. É por isto que a crônica esportiva tornou-se esta crônica pragmática, interessada apenas em manter leitores. Onde estão o encanto e o conhecimento do futebol de um Mário Filho, um João Saldanha, um Sandro Moreyra? Como se pode levar a sério a opinião de alguém que nem ao menos se dá ao trabalho de ver jogos de futebol?
É por isto que cada vez mais o jornalismo impresso vai perdendo mais e mais leitores. É por isto que os jornais estão em crise e perdendo seu público. Não há organização, não há preocupação com o conteúdo, apenas com o resultado. É por isto que grandes jornais cariocas como O Dia e o Jornal do Brasil encontram-se em situação tão desesperadora na tabela e sem perspectivas de salvação pela frente.
Tudo bem, isso aí em cima é um pastiche do próprio Fernando Calazans. Não o conheço, mas dizem que pessoalmente ele é MUITO gente-boa, o que se sobressai ainda mais num meio com tanto interesse escuso intrometido. Pelo menos sabemos que ele não faz coisas como, por exemplo, perseguir laterais esquerdos porque eles tiveram um caso com a mulher dele. Mas é esse tipo de pensamento, de não acompanhar jogos, que fode com a crônica esportiva e o próprio pensamento do torcedor. O torcedor não é desafiado a pensar, já que o colunista que não vê jogos acaba caindo sempre nos mesmos clichês, "tem que atacar pelas pontas" e "o futebol hoje em dia está muito defensivo e a tradição brasileira é atacar". Desde os anos 40, quando Flávio Costa e os irmãos Moreira começaram a criar a marcação por zona que os jornalistas defendem essa tradição do ataque. Em 1958 a semifinal do Brasil punha frente a frente o melhor ataque contra a melhor defesa - e a melhor defesa era a do Brasil, primeiro time a jogar com QUATRO ZAGUEIROS (todo mundo jogava com três) e marcar por zona.
Essa coisa de não assistir a jogo é terrível. Quantas vezes nos anos 80 e começo dos 90 já não vimos técnicos de seleção convocarem um sujeito porque ele marcou um golaço no fim de semana e apareceu no Gol do Fantástico? Em 1998, o Zagallo convocou pra lateral direita Zé Carlos, que era MAIS UMA revelação do São Paulo, jogava pra burro e merecia vaga no escrete. Quando ele chegou, Zagallo levou um susto quando soube que ele tinha 29 anos! Cacilda! Zagallo não via ele jogar, não?
Outro dia o Mourinho apareceu no Sportv. Mourinho é aquele técnico português que foi campeão europeu com o Porto, com o Chelsea e agora está na Inter de Milão, que passeou no campeonato italiano. Logo de cara ele fez uma brincadeira com os repórteres, "minha mulher odeia vocês". "Por quê?" "Porque eu fico vendo os jogos que vocês passam". Um europeu assistindo os jogos do Brasil. Não é à toa que ele costuma acertar nas contratações. Vocês imaginam o Joel Santana acompanhando as partidas europeias pela tevê? Ou o Renato Gaúcho?
Quem acompanha aqui no Brasil é o PVC. Ele é capaz de dizer se qualquer jogador vagamente conhecido no mundo joga bem ou não. Ele é capaz de desfiar os esquemas das equipes e dizer porque ganharam ou perderam sem apelar para "fechou muito o jogo pelo meio" ou "tinha só um atacante isolado" ou "recuou muito depois do gol". Assistir aos comentários dele - e de outros, como Tostão - é aprender mesmo sobre o esporte, como ele funciona. Pra maioria dos comentaristas, futebol é que nem pelada de rua, todo mundo partindo pro ataque e no máximo um gordo lento na defesa. Curiosamente, sempre que um time de pelada tem um ou outro zagueiro que entenda do assunto, ganha as partidas todas.
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1 comentário:
Acho que a fé não é o tema de Bad Lieutenant, embora possa ser interessante traçar paralelos. Talvez no primeiro filme esteja mais patente. Neste, se aparece é muito en passant: quando o pai leva a Eva Mendes para o NA; na atitude meio incrédula, meio abúlica da madrasta diante da promoção do tenente a capitão, já no final... No mais, pode-se especular que toda revelação deva ser sempre surpreendente, que deva ter o poder de parar o tempo (e afinal, os peixes têm memória? se não há memória, há tempo?).
Para mim, Bad Lieutenant é quase um ensaio sobre o acaso, ou, se você preferir, sobre a vontade. A sorte é capaz de redimir mesmo o mais amoral dos seres. Sao as moiras quem, por puro capricho, agem desde o início, fazendo com que, à ultima hora, o ainda não tentente salte para salvar o preso e sofra a contusão que terminará por torná-lo dependente. Não acho relevante discutir o caráter burguês na personalidade do protagonista, as responsabilidades que ele assume ou a mediocridade de sua vida. Não existe relação causal entre a ação livre das coerções burguesas e o desfecho favorável ao tenente. Quando o chefe negão do tráfico pergunta se ele ainda o quer pegar por conta da família africana, ele parece responder com sinceridade: "Você realmente acha que eu tinha algum interesse?". Lógico que a droga já tá agindo e é mais um elemento a contribuir para a aleatoriedade do mundo à sua volta, mas, mesmo em sua loucura, ele mantém alguma lucidez e integridade, seja para proteger a família, seja para lembrar do passado, seja para receber o afago e as honras da promoção a capitão. Ele continua o mesmo pulha, claro. Tudo no filme acontece à revelia da vontade. Até o resultado do jogo de futebol americano. A sorte é o verdadeiro protagonista do filme.
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