setembro 05, 2010

Uma Leitura para "A Origem"


* pelo blogueiro convidado Marcos Pedrosa

O casal principal é “Dom” e “Mal”. Desde Bom-bom e Mau-mau, nunca vi nomes tão explícitos para personagens.

Tá bem, a coisa só faz sentido em português mas, considerando que o próximo vídeo game da Microsoft se chamará “Natal”, que o próximo desenho da Dream Works é “Rio”, que o Brasil está na moda de modo geral e, principalmente, que todo filme Cult precisa de pequenas charadas a serem decifradas, seria perfeito deixar a chave do enigma escrita numa língua relativamente obscura – assim como os segredos guardados nas caixas-fortes do filme.

O filme é sobre a luta pela alma de Dom Cobb. Fala da Queda do Homem e da Queda do Anjo, o Portador da Luz. Mas em uma perspectiva gnóstica: se na Bíblia, é o Anjo Caído (Lúcifer) que tenta e provoca a Queda de Adão, aqui se inverte a relação. Antes de o Coisa Ruim tentar o Homem, foi o Homem que tentou e causou a Queda do Cramulhão. Este, aliás, é o segredo que o filme guarda para revelar no final. Adão (Dom = Adam?) é duplamente culpado: pecou contra o Anjo E contra Deus. Lembremos do enredo: Dom e Mal passaram 50 anos vivendo em um mundo como o nosso mas bem diferente. Esse “outro mundo possível” é perfeito. Ali o tempo (quase) não passa. Não há velhice, não há dor, não há morte, não há trabalho, não há humano além dos dois. É o Jardim do Éden ! Mas Adom começa a achar tudo muito certinho, aborrecido e sem cerveja após o expediente, daí inventa uma potoca para o Anjo Mal: aquele mundo não é real, eles devem morrer e voltar à realidade. Adom e Mal se matam, se expulsam do paraíso e caem no nosso mundo real, onde há velhice, dor, morte, 6 bilhões de humanos, trabalho, Espanha campeã do mundo. Mal não aceitará a ordem natural do universo e se rebelará – rebelião contra Deus, o Ordenador. O Anjo cai. Cai mesmo, literalmente: Mal se joga do alto de um prédio e morre, lembrando Machado de Assis (“melhor cair das nuvens que cair do sexto andar”). Vai habitar agora as profundezas, tentando diariamente o Homem, que tem até um elevadorzinho para encontrar diariamente seu Demônio, assustador e sedutor. Confesso aqui uma dúvida: Eva e o Demônio são a mesma pessoa ?

Dom fica bem mal. Expulso do Paraíso (sim, foi ele mesmo que quis sair de lá, mas o mesmo pode ser dito sobre nosso pai Adão: apesar de expressamente avisado por Deus em Pessoa que a única coisa, só uminha, que ele não podia tocar em todo o Paraíso era a Árvore, ele e ela vão lá e tocam...), torturado pela culpa, ele precisa agora “ganhar o sustento com o suor do próprio rosto”, no caso emprestando seu talento para criminosos.


Muitas peripécias se seguirão, é preciso atrair público com cenas de ação e artifícios de universos paralelos, mas, no final, Dom se redime – pelo sacrifício pessoal, ora, que é o que todos nós pecadores devemos fazer para escapar do inferno. Para salvar a alma do japa presa no limbo, Dom se desprende de seus objetivos imediatos, arrisca a vida e vai resgatá-lo mesmo sem saber se o criminoso honrará o pagamento. Saito o honra e Dom é enfim um homem livre – livre da justiça humana, mas principalmente da culpa e do pecado. Só assim ele pode reencontrar seus filhos e ver suas faces, que nunca mais apareciam nos sonhos: “Agora vejo em parte, mas então veremos face a face”. Ao final o peão, clara citação do unicórnio de Blade Runner, nos lembra de nossa condição humana. O mundo em que vivemos é real mas ainda não é O Real: Deus.

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