março 12, 2012

O Fim de uma Era


A Kodak pediu concordata. O que é uma pena, já que é a empresa que botou a fotografia na mesa do povo. Metaforicamente falando, é claro.



A culpa foi do fundador da companhia, George Eastman. O então escriturário planejava em 1878 tirar umas férias na República Dominicana. Viagens ao exterior eram raras e caras então e ele pensou em guardar suas memórias com uma série de fotografias, assunto, aliás, que atraía seu interesse. Só que o equipamento da época ainda se utilizava de chapas de vidro. O candidato a fotógrafo tinha que montar uma tendinha para improvisar um quarto escuro, onde aplicaria a emulsão (a solução com a química sensível à luz) numa chapa de vidro. Depois correria com ela para a câmera, antes que secasse. Depois de bater a foto, era hora de correr de volta para a tenda armada para revelar o retrato, novamente antes que secasse. Fotos então se limitavam a retratos estáticos e alguns praticantes com veleidades artísticas faziam composições imitando quadros clássicos em busca de um status cultural superior (cultura pop sempre foi considerada coisa de gentinha).


Eastman resolveu ler mais sobre o assunto e descobriu que alguns europeus já usavam uma gelatina com a emulsão, que não secava facilmente e permitia que as chapas pudessem ser carregadas já preparadas pelo fotógrafo. Repetindo uma fórmula que leu numa revista, ele obteve sucesso e decidiu aperfeiçoar uma emulsão para produzir e vender essas chapas, que passaram a ser conhecidas como "chapas secas".

Já nessa época, como um Steve Jobs (1), Eastman pensava que estava não somente desenvolvendo chapas secas, mas fazer da fotografia um "ato rotineiro" e "transformar a câmera em um lápis". As chapas ainda eram canhestras, difíceis de manusear e carregar e exigindo um equipamento incômodo e pesado. Tudo seria mais fácil, ele imaginava, se pudesse utilizar um suporte flexível. Papel, por exemplo. Aplicando emulsão a um papel especial, ele foi bem sucedido, mas ainda não era o ideal, já que a granulação do papel aparecia nas fotos.

A solução de Eastman foi introduzir entre a emulsão e o papel uma gelatina insolúvel. Depois de exposto o filme, ele era banhado numa solução coloidal que solidificava esta gelatina, gerando um acetato transparente que podia ser destacado do papel - o negativo.

Mas os bons executivos sabem que o ideal não é só fabricar o suprimento, e sim o suprimento e a máquina que o usa. O produto perfeito. E foi isso que Eastman fez, criando a primeira câmera fotográfica que tornou a arte acessível a todos, a Brownie.

Manusear um filme sensível à luz e bem mais frágil do que hoje em dia não era para qualquer um, por isso Eastman fez com ele o que Jobs fez com a bateria do iPhone: trancou-o dentro da câmera. Ela vinha carregada com o suficiente para 100 fotos e, após tudo exposto, deveria ser mandada pelo correio para a Kodak, que revelava as fotos e devolvia a máquina recarregada.

Era a origem da Brownie, a mítica câmera da Kodak, a primeira a levar a fotografia aos lares. Como dizia seu slogan, "você aperta o botão e nós fazemos o resto". Custava apenas 1 dólar e popularizou a fotografia. A marca Brownie sobreviveu até os anos 60, já podendo ser recarregada pelo próprio usuário, sendo substituída pela linha Instamatic, que usava filmes em cartuchos, mais fáceis ainda de serem usadas. Depois, nos anos 80, foi a vez das automáticas, que usavam filme padrão 135, tinham fotômetro e foco automáticos e avançavam o filme com um motorzinho.

Mas a Kodak trombou finalmente com algo ainda mais fácil de usar do que suas câmeras - a fotografia digital. E, apesar de ter fabricado a primeira máquina que usava o sistema, desde o começo do século XXI que não produzia nada relevante na linha. E, com seus filmes, cada vez menos usados, perdendo 7 milhões de dólares por mês, o futuro da empresa parece pouco promissor. Mas, mesmo que ela não sobreviva a esta década, viverá para sempre nas imagens que tornaram o século XX tão facilmente reconhecível, pesquisável e compreensível, as fotos onipresentes que documentaram todo um século. Algumas dessas imagens da Brownie no. 1, como as que ilustram esta matéria, podem ser vistas aqui.

(1) Só que com menos vaidade, mais conhecimento técnico e um maior coração, já que, ao contrário de seu similar contemporâneo, gastava com filantropia e tratava bem os empregados.

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