No final do século XX, quando começaram a aparecer as listas de maiores e melhores, somente um brasileiro esteve entre os sujeitos mais importantes e influentes da centúria passada. Não, não foi Santos Dumont, que para os americanos se chama irmãos Wright (assim como os irmãos Lumière pra eles se chamam Thomas Edison). Nem Pelé, de mínima influência, já que dono de talento literalmente inimitável. Tampouco Getúlio Vargas ou Luiz Carlos Prestes, ou mesmo o Barão de Rio Branco, que tanto mudou as fronteiras da América do Sul. Não, o único cidadão da Terra de Santa Cruz a marcar presença com sua influência foi Carlos Marighella, que estaria completando 100 anos este mês se não tivesse sido morto em 1969 pelas forças da ditadura (e sobrevivido por mais 4 décadas aos azares e às doenças).
Marighella começou sua militância política nos anos 30, durante o Estado Novo e elegeu-se deputado pelo Partido Comunista no seu breve período de legalidade em 1946-1948. A convite do Comitê Central, viajou pela China para conhecer a revolução maoísta. E, quando da instauração da ditadura, foi preso quase imediatamente; solto, partiu para a clandestinidade e a luta armada (como fez também a nossa atual presidente).
Mas o que o tornou tão importante aos olhos do mundo foi o livro que ele escreveu em 1969, pouco antes de sua morte. Um pequeno manual de guerrilha urbana (disponível aqui) para fomentar revoluções. Este livrinho norteou as operações do IRA nos anos 70 e de todos aqueles grupos terroristas que tanto medo espalharam nos anos 70 pela Europa (e até nos EUA, como bem pode testemunhar Patti Hearst), até seu espetacular fracasso nos anos 80, seu ressurgimento na América Latina na pelo das FARC e do Sendero Luminoso e sua atual aparente nova ida para o ralo. Na verdade, suas linhas-mestras podem até mesmo ser reconhecidas nas ações do tráfico no Rio de Janeiro até a recente política de pacificação.
Essa era de revoluções e terrorismo pode ser traçada até a bem-sucedida revolução cubana em 1959-1960. Seu êxito espetacular mostrou que as forças da repressão não eram invencíveis e que um levante que começasse pela área rural tinha maiores chances de sucesso numa época em que nela viviam 2/3 dos latinoamericanos.
Mas a imediata aproximação de Castro com Moscou assustou os americanos, que anotaram as mesmas lições aprendidas pelas esquerdas e se prepararam com disposição. Na verdade, a revolução cubana acabou malfadando as chances de um levante similar na região, já que acabou com o fator surpresa e a tolerância da superpotência da área.
Lênin acreditava que o revolucionário deveria se preparar longamente e aguardar o momento em que irrompesse uma crise na sociedade. Mao Tse Tung, no melhor estilo chinês, igualmente ressaltava a preparação, no caso uma longa doutrinação da população. Famosos eram seus conselhos de que seus soldados jamais deveriam roubar, saquear ou se aproveitar do povo, sempre pagando pelo que consumissem, ao contrário do que faziam as forças governamentais. Mas ambos eram homens de meia-idade, vindos de culturas que prezavam a paciência e a astúcia.
O mesmo não acontecia com aqueles revolucionários cubanos mal entrados nos 30 anos e cheios de ardor romântico juvenil. Che Guevara largou tudo e se mandou para as selvas da Bolívia para tentar por em prática suas controvertidas ideias: a de que um núcleo de guerrilheiros profissionais e móveis, escondido nas áreas rurais poderia sozinho criar a crise na sociedade, minando a credibilidade do governo com seus sucessos. O que aumentaria seus êxitos e animaria voluntários e colaboradores a se juntarem à causa, num efeito cascata, enquanto o establishment mais e mais se enfraqueceria.
A morte de Che Guevara ilustra bem as falhas em suas ideias. Sem doutrinação e preparação, as populações rurais simplesmente não se interessavam. Não se identificavam com aqueles estrangeiros e viviam tão isolados que não tinham ideia do quadro maior da política. Além disso, a América Latina vivia acelerado crescimento econômico, alimentado por dinheiro barato americano justamente com este fim contrarrevolucionário. A impaciência e objetividade da juventude não eram substitutos neste caso para as virtudes da maturidade.
Foi por isso que Carlos Marighela, na época já se aproximando dos 60 anos, começou a pensar que a melhor opção para se começar uma insurreição comunista, apesar do exemplo cubano, não fosse a área rural, mas a urbana... (continua)
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