(do começo de A Divina Comédia)
De minha vida em meio à jornada,
Achei-me numa selva tenebrosa,
3 Tendo perdido a verdadeira estrada.
Dizer qual era é cousa tão penosa,
Desta brava espessura a asperidade,
6 Que a memória a relembra inda cuidosa.
Na morte há pouco mais de acerbidade;
Mas para o bem narrar lá deparado
9 De outras cousas que vi, direi verdade.
Contar não posso como tinha entrado;
Tanto o sono os sentidos me tomara,
12 Quando hei o bom caminho abandonado.
Depois que a uma colina me cercara,
Onde ia o vale escuro terminando,
15 Que pavor tão profundo me causara.
Ao alto olhei, e já, de luz banhando,
Vi-lhe estar às espaldas o planeta,
18 Que, certo, em toda parte vai guiando.
Então o assombro um tanto se aquieta,
Que do peito no lago perdurava,
21 Naquela noite atribulada, inquieta.
E como quem o anélito esgotava
Sobre as ondas, já salvo, inda medroso
24 Olha o mar perigoso em que lutava,
O meu ânimo assim, que treme ansioso,
Volveu-se a remirar vencido o espaço
27 Que homem vivo jamais passou ditoso.
julho 30, 2012
julho 28, 2012
julho 24, 2012
Seus Olhos e a Luz (1)
Outro dia alguém postou no Google+, "para onde a gente vai quando fecha os olhos?"
Não é isso que interessa. O que interessa é praonde a gente vai quando ABRE os olhos. Nós pensamos que o que vemos é o mundo, mas não é. É apenas informação recolhida pelos olhos e montada pelo cérebro. Nosso cérebro não sabe como é o mundo antes de pela primeira vez abrirmos os olhos. Não tem um exemplo sobre como montar o que vemos. O mundo que pensamos que vemos é apenas o mundo que imaginamos. Nossa imaginação. Não fazemos a menor ideia de como as outras pessoas enxerguem o que as cerca. É por isso que é tão difícil fazer um computador "ver", entender o que está vendo.
Então, a expressão "estou entrando nessa de olhos abertos" simplesmente não significa nada. Quando fazemos isso estamos apenas mergulhando cada vez mais fundo na nossa imaginação.
(1) Era o nome de um kit brinquedo educacional da CLIC!, uma loja cheia dessas coisas na época da minha infância. Antes que alguém ache que devia ser uma chatice, era um livro que explicava como os olhos processavam a luz e vinha com material para fazer uma câmara escura (com lente e tudo), um óculos 3D (raro, naquela época), um disco de Newton, um caleidoscópio e até mesmo a receita pra fazer arco-íris. Outro brinquedo em que me amarrava era "Polícia Técnica", que entre outras coisas ensinava a capturar impressões digitais.
Não é isso que interessa. O que interessa é praonde a gente vai quando ABRE os olhos. Nós pensamos que o que vemos é o mundo, mas não é. É apenas informação recolhida pelos olhos e montada pelo cérebro. Nosso cérebro não sabe como é o mundo antes de pela primeira vez abrirmos os olhos. Não tem um exemplo sobre como montar o que vemos. O mundo que pensamos que vemos é apenas o mundo que imaginamos. Nossa imaginação. Não fazemos a menor ideia de como as outras pessoas enxerguem o que as cerca. É por isso que é tão difícil fazer um computador "ver", entender o que está vendo.
Então, a expressão "estou entrando nessa de olhos abertos" simplesmente não significa nada. Quando fazemos isso estamos apenas mergulhando cada vez mais fundo na nossa imaginação.
(1) Era o nome de um kit brinquedo educacional da CLIC!, uma loja cheia dessas coisas na época da minha infância. Antes que alguém ache que devia ser uma chatice, era um livro que explicava como os olhos processavam a luz e vinha com material para fazer uma câmara escura (com lente e tudo), um óculos 3D (raro, naquela época), um disco de Newton, um caleidoscópio e até mesmo a receita pra fazer arco-íris. Outro brinquedo em que me amarrava era "Polícia Técnica", que entre outras coisas ensinava a capturar impressões digitais.
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julho 23, 2012
Desaparecimento de Luísa Porto
Carlos Drummond de Andrade
Pede-se a quem souber
do paradeiro de Luísa Porto
avise sua residência
À Rua Santos Óleos, 48.
Previna urgente
solitária mãe enferma
entrevada ha longos anos
erma de seus cuidados.
Pede-se a quem avistar
Luísa Porto, de 37 anos,
que apareça, que escreva,
que mande dizer
onde está.
Suplica-se ao repórter-amador,
ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte,
a qualquer do povo e da classe média,
até mesmo aos senhores ricos,
que tenham pena de mãe aflita
e lhe restituam a filha volatilizada
ou pelo menos dêem informações.
É alta, magra,
morena, rosto penugento, dentes alvos,
sinal de nascença junto ao olho esquerdo,
levemente estrábica.
Vestidinho simples. Óculos.
Sumida há três meses.
Mãe entrevada chamando.
Roga-se ao povo caritativo desta cidade
que tome em consideração um caso de família
digno de simpatia especial.
Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa.
Foi fazer compras na feira da praça.
Não voltou.
Levava pouco dinheiro na bolsa.
(Procurem Luísa.)
De ordinário não se demorava.
(Procurem Luísa.)
Namorado isso não tinha.
(Procurem. Procurem.)
Faz tanta falta.
Se todavia não a encontrarem
nem por isso deixem de procurar
com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa
e talvez encontrem.
Mãe, viúva pobre, não perde a esperança.
Luísa ia pouco a cidade
e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada.
Sua melhor amiga, depois da mãe enferma,
É Rita Santana, costureira, moça desimpedida.
a qual não da noticia nenhuma,
limitando-se a responder: Não sei.
O que não deixa de ser esquisito.
Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898,
ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.
A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil,
ficou pasma.
O jornal embrulhado na memória.
Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez,
a pobreza, a paralisia, o queixume
seriam, na vida, seu lote
e que sua única filha, afável posto que estrábica,
se diluiria sem explicação.
Pela ultima vez e em nome de Deus
todo-poderoso e cheio de misericórdia
procurem a moça, procurem
essa que se chama Luísa Porto
e é sem namorado.
Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão. Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa
e a paz intima
conseqüente às boas e desinteressadas ações,
puro orvalho da alma.
Não me venham dizer que Luísa suicidou-se.
O santo lume da fé
ardeu sempre em sua alma
pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus.
Ela não se matou.
Procurem-na.
Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora
e os jornais não deram.
Está viva para consolo de uma entrevada
e triunfo geral do amor materno
filial e do próximo.
Nada de insinuações quanto à moça casta
e que não tinha, não tinha namorado.
Algo de extraordinário terá acontecido,
terremoto, chegada de rei.
As ruas mudaram de rumo,
para que demore tanto, é noite.
Mas há de voltar, espontânea
ou trazida por mão benigna,
O olhar desviado e terno, canção.
A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providencias.
Mas
se acharem que a sorte dos povos é mais importante
e que não devemos atentar nas dores individuais,
se fecharem ouvidos a este apelo de campainha,
não faz mal, insultem a mãe de Luísa,
virem a pagina:
Deus terá compaixão da abandonada e da ausente,
erguerá a enferma, e os membros perclusos
já se desatam em forma de busca.
Deus lhe dirá :
Vai,
procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração.
Ou talvez não seja preciso esse favor divino.
A mãe de Luísa ( somos pecadores )
sabe-se indigna de tamanha graça.
E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
— ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos.
Quer apenas sua filhinha
que numa tarde remota de Cachoeiro
acabou de nascer e cheira a leite,
a cólica, a lágrima.
Já não interessa a descrição do corpo
nem esta, perdoem, fotografia,
disfarces de realidade mais intensa
e que anúncio algum proverá.
Cessem pesquisas, rádios, calai-vos·
Calma de flores abrindo
no canteiro azul
onde desabrocham seios e uma forma de virgem
intata nos tempos.
E de sentir compreendemos.
Já não adianta procurar
minha querida filha Luísa
que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo
com inúteis pés fixados, enquanto sofro
e sofrendo me solto e me recomponho
e torno a viver e ando,
está inerte
gravada no centro da estrela invisível
Amor.
Mad Girl's Love Song
Sylvia Plath
"I shut my eyes and all the world drops dead; I lift my lids and all is born again. (I think I made you up inside my head.) The stars go waltzing out in blue and red, And arbitrary blackness gallops in: I shut my eyes and all the world drops dead. I dreamed that you bewitched me into bed And sung me moon-struck, kissed me quite insane. (I think I made you up inside my head.) God topples from the sky, hell's fires fade: Exit seraphim and Satan's men: I shut my eyes and all the world drops dead. I fancied you'd return the way you said, But I grow old and I forget your name. (I think I made you up inside my head.) I should have loved a thunderbird instead; At least when spring comes they roar back again. I shut my eyes and all the world drops dead. (I think I made you up inside my head.)"
julho 22, 2012
Katy Apache
Final dos anos 70, início dos 80. Com o interesse em quadrinhos aumentado pela Heavy Metal e, no Brasil, pela Kripta (que fez eu e muita gente aprender a ler HQ de qualidade), a Vecchi lançou várias imitações nacionais, editadas pelo Ota (Spektro, Sobrenatural). Mas nem só de terror eles viviam, havia também as imitações de western, já que Tex era uma das revistas mais vendidas da época.
Katy Apache era uma pistoleira (no bom sentido) que usava só um ponche curto, uma cartucheira e botas. Obviamente esse fetiche ambulante só poderia ter saído da mente pervertida de Cláudio Seto (os primeiros - e durante muuuuuuitos anos, os únicos - quadrinhos sobre bondage que li eram dele). Mas quem se tornou o desenhista-ícone dela foi Mozart Coutom, dando à lourinha as formas cheias que faziam tanto sucesso nos anos 80. Moebius já dizia que a arte mais difícil é desenhar mulheres (e qualquer um que já se interessou em traçar a figura humana sabe disso - errou um pouquinho nas proporções e nas curvas e sua gostosona vira um bagulho - e ainda tem que botyar isso em movimento e com perspectiva). E Mozart Couto sabia desenhava mulheres. Ah, se sabia. Além de tudo o mais e um traço característico e marcante.
Quando no final dos anos 80 e início dos anos 90 os quadrinistas brasileiros começaram a invadir os EUA, o blogueiro achava que Mozart Couto era uma aposta mole. Bárbaros musculosos também eram especialidade da casa. Mas, fora uma arte-final aqui e ali e pouquíssimos trabalhos, ele nunca engatou no mercado gringo. Nunca entendi o porquê. Zé José diz que o cara é meio esquisito (o que você queria de um nerd que fica trancado em casa desenhando mulheres gostosas fetichizadas), mas o Heitor, se ler essa postagem, vai explicar melhor.
De qualquer forma, um pouco da Katy Apache aí em cima. Olha a naturalidade da pose e a voluptuosidade das formas. O pouco que li dela foi inesquecível. Preferia-a com o poncho solto, o Couto depois fez ela usar uma cinta índia que tornava a roupa mais pudica. Bobagem, nós adolescentes sem direito a internet queríamos mais era fetiches, mesmo.
Ainda por cima era canhota
Katy Apache era uma pistoleira (no bom sentido) que usava só um ponche curto, uma cartucheira e botas. Obviamente esse fetiche ambulante só poderia ter saído da mente pervertida de Cláudio Seto (os primeiros - e durante muuuuuuitos anos, os únicos - quadrinhos sobre bondage que li eram dele). Mas quem se tornou o desenhista-ícone dela foi Mozart Coutom, dando à lourinha as formas cheias que faziam tanto sucesso nos anos 80. Moebius já dizia que a arte mais difícil é desenhar mulheres (e qualquer um que já se interessou em traçar a figura humana sabe disso - errou um pouquinho nas proporções e nas curvas e sua gostosona vira um bagulho - e ainda tem que botyar isso em movimento e com perspectiva). E Mozart Couto sabia desenhava mulheres. Ah, se sabia. Além de tudo o mais e um traço característico e marcante.
Ou seria ambidestra?
Quando no final dos anos 80 e início dos anos 90 os quadrinistas brasileiros começaram a invadir os EUA, o blogueiro achava que Mozart Couto era uma aposta mole. Bárbaros musculosos também eram especialidade da casa. Mas, fora uma arte-final aqui e ali e pouquíssimos trabalhos, ele nunca engatou no mercado gringo. Nunca entendi o porquê. Zé José diz que o cara é meio esquisito (o que você queria de um nerd que fica trancado em casa desenhando mulheres gostosas fetichizadas), mas o Heitor, se ler essa postagem, vai explicar melhor.
De qualquer forma, um pouco da Katy Apache aí em cima. Olha a naturalidade da pose e a voluptuosidade das formas. O pouco que li dela foi inesquecível. Preferia-a com o poncho solto, o Couto depois fez ela usar uma cinta índia que tornava a roupa mais pudica. Bobagem, nós adolescentes sem direito a internet queríamos mais era fetiches, mesmo.
Objeto de Amar
De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo.
(Adélia Prado)
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo.
(Adélia Prado)
julho 21, 2012
julho 16, 2012
Piada Bósnia
Um
bósnio comemora orgulhoso o sucesso da bósnia nas para-olimpíadas quando chega
um sérvio e diz: "sim, mas quem montou o time?" (via Zé José)
Virzi e o Edifício do Elixir Nogueira
No começo do século XX, a Glória era um lugar valorizado, tanto quanto os elixires e tônicos que curavam tudo ou ajudavam na saúde em geral. Um deles era o Elixir de Nogueira, que teve sua fábrica desenhada por um dos mais excêntricos e celerados arquitetos do Rio de Janeiro, Antonio Virzi, que projetou o monstreng, digo, o edifício abaixo.
Por incrível que pareça, essa construção existiu mesmo e ficava bem aqui, na rua da Glória:
Imagina você estar andando no meio da rua e de repente dar de cara com essas visões dantescas...
Tudo bem, tinha seu charme, mas isso não era um tanto excessivo para um prédio fabril de elixires de nogueira? Se você duvida que era uma fábrica, eis aqui uma foto do interior do prédio.
Eu fico imaginando como eram os pesadelos desse vivente. E os do povo que trabalhava aí dentro...
No final dos anos 60, o prédio, que havia sido tombado, foi destombado pra construção de um edifício residencial estilo favelão - naquela época a Glória era ainda menos valorizada do que hoje. A construção com o Banco Itaú embaixo fica onde era esse surpreendente projeto. Compare a marquise à esquerda com a da quinta foto, lá em cima.
Outras obras de Virzi, já demolidas ou completamente descaracterizadas: o Cinema Americano, em Copacabana. Ainda já na minha época Copa tinha cerca de uma dúzia de cinemas (a contar da Princesa Izabel: Cinema I (hoje Hortifruti), Ricamar (hoje Centro Cultural), Rian (hoje um hotel), Condor (hoje Casa & Video), Joia (hoje cinema novamente, meio cineclube, só de projeção digital), Metro (hoje C & A - atualização: virou uma loja popular, até a C e A de lá acabou), Art-Palácio (hoje sapataria), Copacabana (um dos últimos cinemas de rua a ser construídos e o último a fechar, hoje academia de ginástica), Bruni (hoje loja), Roxy (o único sobrevivente do massacre), Cinema III (na galeria Alaska, não sei o que virou), Caruso (hoje um banco). Antes do meu tempo, tinha cinemas - no plural - até no Leme.
Esse aí depois virou o Cine Copacabana.
O Cinema América original, de 1918, é esse aí de baixo. Ficava na Saenz Pena, onde até os anos 90 funcionou no mesmo lugar outro cinema América, mais moderno e com um prédio em cima, hoje é uma igreja evangélica.
O Palacete Martinelli. Veja aqui fotos do interior da coisa. Extremamente impressionante, mas algo mórbido demais para se morar, não? Outro povo que devia viver tendo pesadelos...
E a Casa dos Smith, abaixo. Leia mais sobre Antonio Virzi aqui e aqui. Por incrível que pareça, ainda existem projetos dele em pé e um deles é colado no prédio da Manchete (aquele que está acabando de ser reformado) e pode ser conferido aqui. É a casinha amarela.
E outra casa dele disponível na internet:
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