Crítica que fiz do filme para a Zé Pereira quando do Festival do Rio:
Hope I die before I get old! (Talking 'bout my generation)
Pois é, o Pete Townshend alcançou a fama com esse verso aí em cima. Quando ele chegou lá pelos sessentinha, alguém perguntou, “e aí, e aquele papo de preferir morrer a envelhecer?”, ao que o escrevinhador de “Tommy” respondeu, “ué, mas eu AINDA prefiro morrer a envelhecer!”
Antigamente as coisas eram mais fáceis. Você era rico e passava a vida espezinhando os inferiores, dormindo com a mulher dos menos favorecidos e festejando, até a gota, a arterosclerose, os parasitos e as doenças infecto-contagiosas transformarem-no numa ruína, quando então descobria sua espiritualidade e sabedoria e esperava a morte que chegava logo, ou você era pobre e trabalhava feito um condenado até, na provecta idade de trinta e cinco anos, ser um ancião. Tudo simples. Mas aí veio a Revolução Industrial, a classe média apareceu e a expectativa de vida começou a subir.
Era mais fácil lidar com a decadência e a morte. Não existiam UTIs ou asilos. Os clãs viviam todos na mesma casa e cuidavam dos parentes mais velhos, bem anciãos (alguns com quase setenta anos!). Quando chegava a hora deles, normalmente após uma longa doença, as crianças eram levadas junto à cama para se despedirem. No século XX, com o crescimento das cidades e o surgimento do apartamento, bem como dos eletrodomésticos que dispensavam a enorme criadagem necessária anteriormente, as famílias se separaram. Em cada residência passou a morar apenas a família nuclear – o pai, a mãe, os filhos (muitas vezes até sem um dos pais). Até a empregada passou a ser diarista. Sem crescerem lidando com a morte (até porque é uma idéia abominada pela sociedade de consumo) e relacionando-se com um número bem menor de parentes (o que agrava os complexos de édipo e outras neuroses surgidas no âmbito familiar), começou a surgir a o perfil da personalidade neurótica de classe média globalizada sensível que fez a fama de Woody Allen.
A princípio eram os jovens que chegavam ao fim de seus estudos e não sabiam bem o que queriam da vida, não se casavam e se enquadravam imediatamente. Esses jovens cresceram e lá pelo final dos anos 70, início dos 80, fez sucesso uma série americana, “Thirty-something”, enfocando o pessoal que mesmo depois dos trinta ainda não sabia muito bem o que fazer quando crescer (curiosidade: o elenco de “trintões” hoje em dia seria escalado pra representar gente do lado de cima dos quarenta). E hoje seriados como “Desperate Housewives”, “Once and Again” e afins ganham prêmios e público falando do pessoal de quarenta anos que não sabe muito bem o que fazer quando crescer. Adiantando-se à tendência, Domingos de Oliveira mostra neste Festival do Rio “Juventude”, contando a história de três sessentões que não sabem muito bem o que fazer quando crescer.
O ditado clássico diz “the spirit is willing, but the flesh is weak”, o espírito até quer, mas a carne é fraca. Hoje em dia está completamente desatualizado, deveria ser “the spirit is willing, but the flesh is strong”, o espírito até quer, mas a carne é forte. Até o começo do século XX, depois dos quarenta anos, suas artérias entupidas, o cigarro, a alimentação ruim, as lesões acumuladas em longas infecções ao curso de décadas cobravam seu preço. Ano após ano, mais e mais se fazia alguma coisa pela última vez. Dificuldade de locomoção, de concentração, impotência (ainda mais porque a mulher, depois de cinco, seis filhos seguidos, parecia um barril), a vida era como uma casa da qual um a um iam sendo retirados todos os móveis e objetos, até que se tornava apenas um espaço vazio e sombrio e não restava nada a não ser a porta da saída.
Mas os avanços da medicina, a melhor alimentação, os antibióticos, drogas anti-colesterol, ênfase na malhação, mudaram tudo. Com o barateamento do Botox, do lifting, do implante de seios, de cabelos, da injeção de silicone contra rugas, até a aparência pode se manter quase indefinidamente na maturidade. Na própria fita em questão, Domingos, apesar de seus setenta e dois anos, tem uma cara que poderia levá-lo a ser escalado tranquilamente como um sujeito de 45 anos. Somando-se a isso a revolução sexual, o fim do casamento para sempre e a disponibilidade de parceiras, quem é que quer assumir a velhice e a proximidade da morte?
E esse é o cerne de “Juventude”. A idade que antigamente delimitava a vida (depois era lucro) foi empurrada dos 60 para os 80 anos (para gente de classe média pra cima, é claro). Numa sociedade capitalista onde perdeu-se completamente o vínculo com o sistema produtivo (o que vocês acham de um sujeito que ganha a vida escrevendo sobre entretenimento?), a alienação em relação ao funcionamento da sociedade traz também uma ausência de senso de responsabilidade. Num mundo em que qualquer sujeito de classe média leva uma vida bem mais luxuosa do que qualquer príncipe pré-revolução industrial (sem o poder, é claro), secularizado e consumista, esse povo que não precisa trabalhar o tempo todo para viver acaba com uma certa sensação de vazio, uma ansiedade que antigamente acabava com a adolescência quando a preocupação passava a ser pagar as contas no fim do mês e arrumar o leitinho das crianças (que hoje também chegam só depois dos trinta). E assim a adolescência pode ser empurrada adiante com a barriga, cada vez mais para longe.
O filme? Divertidíssimo. Domingos de Oliveira bebe há mais de 50 anos com gente interessantíssima. Tem histórias boas pra contar pra filme e peça que não acaba mais. A fita fica com esse clima de papo de amigos interessantes contando velhas histórias até mesmo no final. Porque esses papos não são arcos dramáticos, eles normalmente acabam sem mais nem menos, com o pessoal do bar virando as cadeiras e jogando água no chão, senão iam noite adentro. E o mesmo acontece com o filme, encerrado meio de sopetão, meio arbitrariamente. Como esta crítica.
janeiro 12, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário