Miri
pelo blogueiro convidado Roger Filósofo
pelo blogueiro convidado Roger Filósofo
A utopia traçada por Jornada nas Estrelas esboça alguns aspectos positivistas que se manifestam na fé nos valores universais da humanidade e esperança de que a ciência viesse a resolver nossos principais problemas. Esse otimismo de fundo, não impediu que alguns episódios apresentassem uma atmosfera sombria como nas diversas distopias que surgiram ao longo do século XX. Com essa liberdade de criação foi possível abordar os riscos envolvidos nas pesquisas científicas mais avançadas, enquanto os seres humanos, por sua vez, revelavam seu caráter degradante desde a infância. Em Miri, um projeto de prolongamento artificial da vida com base em engenharia genética é criticado enquanto se alude ao conflito existente entre adultos e crianças - já retratado no cinema em clássicos como Zero em Comportamento (1933), de Jean Vigo, e Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut.
Ao atender um pedido de S.O.S, a nave Enterprise se depara com uma Terra Gêmea – planeta em tudo semelhante à Terra existente no ano de 1960, exceto pelo fato de sua população adulta ter desaparecido e sobrevivido apenas um pequeno bando de crianças. Como a equipe exploradora não tarda em descobrir, a falha de um projeto de pesquisa genético acabou por gerar uma doença fatal que dizimou todos que tivessem passado pela puberdade. Enquanto matava todos os adultos rapidamente, o vírus causador da pandemia prolongava a infância dos humanos contagiados. Dessa forma, livre da repressão dos “grandes”, os “pequenos” sobreviventes viam, transformada em ruínas, a fase da vida que para muitos é considerada a mais feliz.
Sob outro enfoque, emerge em Miri, a questão da felicidade artificial mantida com a intervenção de medicamentos. Se em As Mulheres de Mudd, a juventude adulta é valorizada quando, ao invés do recurso a drogas farmacêuticas, se mantém pela verdadeira demonstração da beleza interior, agora chama atenção a crítica ao comportamento pueril artificialmente prolongado que não esteja sob o controle externo dos pais ou educadores. Sem tal monitoramento, nada impede que as crianças se destruam mutuamente. A doença que lhes prolonga a infância é a mesma que os matará assim que a adolescência chegar, embora tenha sido concebida para estender a vida do indivíduo por gerações.
O comportamento irresponsável dos meninos pode lhes desperdiçar a única chance de cura. Pois, ao roubarem os comunicadores da equipe, que também fora contaminada, eles prejudicam os esforços do Dr. McCoy (DeForest Kelley) em encontrar uma vacina contra o vírus que lhes afeta. A paixão de Miri (Kim Darby) – que está entrando na puberdade – pelo capitão Kirk (William Shatner) lhe provocará o ciúme mortal pela ordenança Janice (Grace Lee Whitney), pondo em risco a vida do próprio capitão.
Para que tudo termine bem, o sacrifício de um cientista deverá se encontrar com a tomada de consciência das crianças, lideradas por Miri e Jahn (Michael J. Pollard), que agora precisam assumir suas responsabilidades. Nesse sentido, ao aplicar em si mesmo a vacina, sem saber a dose exata, McCoy redime os equívocos que seus colegas médicos causaram. Por outro lado, as crianças passam a obedecer as ordens razoáveis dos mais velhos, evitando que a adolescência seja para eles uma sentença de morte. Então, o rumo natural da vida pode seguir de novo o seu curso. A ordenança é libertada e todos podem voltar à nave com sua saúde recuperada. A despeito de seu desenvolvimento desolador, em um cenário apocalíptico, Miri consegue resgatar as esperanças no futuro como se fosse uma catarse dramática, mas não uma tragédia nos moldes aristotélicos.
A Seguir: O Universo nas mãos de um homem dividido em dois - "O Fator Alternativo"
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