junho 30, 2009

A Fronteira Final - A Primeira Temporada de JORNADA NAS ESTRELAS - A série clássica



Corte Marcial

Anteriormente: A Licença


Um dos motivos pelo qual “Jornada nas Estrelas” tanto encantou os nerds foi o seu universo amplo e coerente. A maioria dos programas da época se limitava a uma fórmula seguida semanalmente e facilmente intercambiável. Certa vez o analista de roteiros Luiz Carlos Maciel, falando do megassucesso dos anos 70, “Kung Fu”, explicou que qualquer episódio se limitava a Caine encontrando alguém que precisava de ajuda e sendo maltratado o tempo todo, até que, pra defender o amigo, ele entraria em uma luta no segundo ato. Em seguida a situação se desenrolaria com mais e mais maus tratos e provocações até a luta do confronto final – ou seja, a tão cultuada série na verdade tinha a estrutura dramática de um desenho do Popeye, semana após semana.

Já a série criada por Gene Roddenberry é bem mais flexível e coerente, e desde o início os roteiristas tentaram variar bastante a fórmula copiada de “Planeta Proibido” de investigação planetária de mistério beirando filme de terror. Em “Corte Marcial” o universo trekkie é expandido para mostrar uma base da Frota Estelar, outros oficiais e tripulantes de outras astronaves, uma antiga amante de Kirk e referências ao tempo de cadete do nosso capitão favorito.

Na verdade, “Corte Marcial” tem a estrutura de um seriado de tribunal, seguindo a fórmula Perry Mason ao pé da letra, com evidências surpresa e testemunhas chave aparecendo no último momento, quando tudo parecia perdido. Mistura-se ao bolo algumas cenas clichê de filme de guerra – daquelas do piloto de bombardeiro que está sob suspeita de negligência numa missão e seus colegas recusam-se a dar papo ou beber com ele porque ele pode ter causado a morte de um ou mais tripulantes – e está pronto mais um episódio inesperado prum show de ficção científica.

É claro, esquecemos de mencionar a mulé-gostosa da vez, uma longilínea loura ex-amante de Kirk (como diz McCoy a ela, “todos os meus amigos se parecem com médicos e todos os amigos do capitão se parecem com você”). Os melhores diálogos do programa são justamente os galanteios baratos de Kirk pra moça. Justamente por serem baratos se adequam perfeitamente à personalidade conquistador canastrão de nosso herói (aliás, a maioria dos grandes comedores o são justamente devido à sua canastrice e cara de pau). A título de melodrama, a jovem balzaca que não vê Kirk há quatro anos, sete meses, um número ímpar de dias e algumas horas (“não que eu esteja contando”) é a promotora de seu caso.

A historinha ainda embrulha no pacote mais uma corte multicultural, presidida por um negro (interpretado com o devido ar de autoridade) e com um indiano e um hispânico, a própria promotora mulher e um advogado de defesa interpretado pelo ator mais famoso a aparecer até então na série, Elisha Cook Jr., o sobrinho surfista do Homem Gordo em “Relíquia Macabra” (hoje conhecido como “Falcão Maltês”) e o fazendeiro assassinado por Jack Palance em “Os Brutos Também Amam” (botar linque aqui pro blogue sem lei do filme).

Elisha Cook dá uma ótima atuação, mas seu advogado supostamente genial na verdade não faz nada a não ser esperar que Spock tenha uma ideia brilhante. Originalmente seria Cook quem daria um toque no vulcano pra achar o meio de inocentar o nosso capitão predileto, mas os produtores, depois da passividade demonstrada pelo povo da Enterprise nos primeiros episódios, quando são resgatados por providenciais semideuses alienígenas, haviam decretado que qualquer solução deveria ser encontrada pelos nossos heróis. Assim o rábula de defesa fica praticamente sobrando, desperdiçando o talento do veterano astro convidado.

Assim como provavelmente os escritores de “Perry Mason” ou “Law and Order” não seriam os mais indicados pra fazer uma historinha de alienígena numa nave, a galera de “Jornada nas Estrelas” faz um drama de tribunal caidinho, cheio de clichês e uma filha do tripulante morto que nos deixa na dúvida quem é pior: se a personagem, a atriz, ou seu figurino. O único personagem do episódio com personalidade é o tripulante pivô do caso. Embora interpretado exageradamente demais, fica patente seu medo de responsabilidade. Tendo permanecido como instrutor na Academia muito além do normal, prejudicou sua carreira, mas, sempre incapaz de encarar seus próprios defeitos, culpa Kirk, que conseguiu tudo que ele queria, por ter relatado um gravíssimo erro cometido pelo sujeito quando ambos eram cadetes na mesma nave.

“Corte Marcial” está longe de ser um episódio memorável, mas é relativamente bem dirigido e expande o universo de “Jornada nas Estrelas”, aumentando sua cumplicidade com os nerds, ajudando a criar a lenda que persiste até hoje. E ainda tem uma interessante mulé-gostosa cheia de poder e tesão pelo Kirk – que obviamente, sugere-se, dá uma bimbadinha de despedida antes de sumir por mais cinco anos da vida da moça. Este é o nosso capitão!

Digno de nota:

- Contagem de corpos: quantos terão realmente morrido?
- As testemunhas não juram mais sobre a Bíblia, mas depõem com a mão direita sobre detetores de mentiras e, em vez de documentos, apresentam à Corte cartões de memória com suas informações pessoais. Embora grandes demais para nossos padrões, foram um dos acertos futuristas da série.

A Seguir: Roger Filósofo e Jornada nas Estrelas esmiuçam a vontade própria humana em "O Punhal Imaginário"

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