outubro 31, 2008

Um Vislumbre de Esperança

Festival Panorama de Dança 2008 - A glimpse of hope, Deja Donne



A Glimpse of Hope (abridged single camera) from Deja Donne on Vimeo.

Na revista-saite Zé Pereira, do qual este blogueiro faz parte, tem um texto da Leandra Leal reclamando que não querem saber o que os jovens da geração dela têm pra falar. Não é bem assim. Ninguém nunca se interessou no que os jovens de qualquer geração tinham a falar.

Pra ser ouvida, a garotada dos sempre citados anos 60 teve que tomar de assalto o subproduto jovem mais rasteiro da cultura de massa – o rock – e subvertê-lo. Sempre que a juventude resolve se apoderar do (normalmente) lixo que a indústria cultural reserva para o seu segmento de mercado, é obrigada a ouvir que aquilo é uma porcaria, um barulho, uma bobagem, uma pieguice. Foi assim com o rock, com o punk rock, com o rap, com a música eletrônica, até mesmo a própria Internet, a coisa potencialmente mais iluminista e engajadora que já apareceu, já foi acusada de alienante. Alienante são as sugestões de Veja quase toda semana na capa do tipo “o curso que seu filho deve começar a fazer aos 7 anos para ter emprego no mundo de amanhã”. Como se o povo que ficasse estudando milhões de cursos e fazendo pós-graduações e MBAs fosse quem se desse bem na vida. Pensar realmente se aprende na escola, mas não num seminário “liderança e relações humanas no ambiente de trabalho” ou similares.

É por isso que foi ótimo ter ido ver a apresentação de “A glimpse of hope”. O blogueiro confessa que quando viu que não era recomendado para menores de 18 anos, ia ter mulher pelada e, como Pedro Cardoso condenou a nudez apenas na tevê e no cinema, liberando portanto teatro e dança (segundo o valente editor Zé José, seria porque ele acha que apenas pobre não tem direito de ver mulher pelada), não haveria problema ético algum. Não rola nem peitinho, mas ainda assim o espetáculo roda rápido e o tempo passa voando. Como sói acontecer quando se é jovem.

E “a glimpse of hope” é uma celebração da juventude. Enérgico, dinâmico, com uma sensualidade agressiva e inexperiente. O cenário, os figurinos e parte da coreografia remetem mesmo a “West Side Story”, que tinha as mesmas preocupações de estetizar a adolescência, mas seus autores cometiam o erro de muito artista brasileiro - em vez de mostrar uma gangue de rua da época do filme, mostravam uma gangue de rua saída diretamente de “Beco sem saída”, filme dos anos 30 com uns pivetinhos edulcorados que fizeram tanto sucesso que foram reaproveitados em outro filme com Humphrey Bogart e viraram depois trupe de comédia.

Já “Glimpse of hope” não está buscando uma valorização artística através de denúncia social. O espetáculo neste sentido é despretensioso – apenas retrata o idealismo da juventude, a vontade de mudar o mundo, de se divertir, de explorar o mundo. A cara da adolescência. As quatro dançarinas, com cara de adolescente, ao contrário das bailarinas a que estamos acostumados, brigam, ficam, desfraldam bandeiras, seduzem, gritam palavras de ordem, sempre cheias de energia, nos gestos, nos passos, nas intenções, e parecem ter um sincero desejo de fazer deste um planeta melhor, mesmo não sabendo direito como. E, ainda que não consigam, vão com certeza se divertir durante a viagem e aprender o suficiente pra arrumarem bons empregos no competitivo mundo de amanhã.

A razão pela qual eu e boa parte da humanidade acha a dança contemporânea chata é a sua tendência à abstração. Assistir aos dançarinos da Deborah Colker pondo e tirando jarros do palco em alta velocidade, escalando paredes verticais (1), ou grupos estrangeiros com deslumbrantes efeitos de luz e composição pode até ser bonito, mas é basicamente um exercício de técnica, que em balé acaba se tornando uma celebração da coordenação motora, da flexibilidade, da agilidade, da força muscular – uma celebração materialista do corpo e da juventude. É por isso que “a glimpse of hope” é tão mais divertido. Mais caótico, desordenado, bagunçado e sincero, querendo dizer alguma coisa, mesmo que às vezes nem pareça saber como. O espetáculo italiano tem um inconfundível ar de apresentação de universitários, com toda aquela carga de esperança no futuro, no mundo e nas pessoas de quem está a um passo de se tornar adulto. “A glimpse of hope” é portanto também uma celebração da juventude, sim, mas não do corpo jovem e sim do espírito jovem. A grande diferença.

“A glimpse of hope” prova o que a Leandra Leal quis dizer. Garotada inteligente, crítica e que sabe das coisas sempre vai existir. Na maior parte do tempo ninguém vai querer ouvi-la, principalmente uma indústria cultural neoliberal que quer botar esse pessoal todo pra fazer MBA no tempo livre da faculdade. Nada disso, esse povo tem sua própria cabeça, idealista, ingênua mesmo, que se dane. Eles são jovens e inexperientes e acreditam que as coisas são bem claras: existe o bem. Existe o mal. E existe a esperança.

Nem tudo está perdido, ainda há um vislumbre de esperança.


(1) Lá pelos anos 90, em um desses festivais de dança, uma companhia americana veio ao Brasil e a revista de Domingo, na época, tinha como política em algumas matérias botar alguém do ramo, em vez de jornalista, pra fazer uma entrevista, e puseram a Deborah Colker pra entrevistar o coreógrafo ianque. Em vez de falar sobre ele, ela logo na segunda pergunta resolveu aproveitar o espaço pra reclamar e indagou do cara se ele teria condições de desenvolver o trabalho dele se tivesse apenas o patrocínio (de uma estatal) que a companhia dela tinha, acho que de um milhão de dólares por ano. O gringo arregalou os olhos e, pasmo, exclamou “o quê? Um milhão de dólares? Se eu tivesse alguém me dando um milhão de dólares por ano, eu acho que só faria uma montagem por ano! É muito dinheiro!” A Deborah ainda tentou contra-argumentar que ela tinha gastos com viagens, aluguel de local de ensaio, essas coisas, mas nada convenceu a estrela do festival, que continuou achando muita grana pra ganhar de um mecenas. Engraçadíssimo.

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